7ª QUADRA - SETEMBRO DE 2002


1 - DE VISITA
Autor - Fabrício Marques/Eduardo Muñoz
Intérprete - Fabrício Marques
Amadrinhador - Andrigo Xavier

Antes da aurora recolher o luto,
Um galo “bruxo”, ressuscitou “as casa”.
Trouxe de volta água à cambona
E um mate gordo pra clarear as brasas.
... Outro Domingo de um Agosto gasto
que vem gelado – Qual amor ausente ...
sorvo “despacio”, a revirar o tempo
e o que é passado já se faz presente ...

o braseiro vasto agranda o chiado,
como pedindo: Silêncio e respeito.
A alma se aquieta, entendendo o recado,
Indagando o porquê desta ânsia no peito ...
Talvez por saber, dos causos antigos,
que o fogo ao chiar anuncia chegada
de alguma visita, de há muito distante,
que por força do tempo nos foi afastada ...

Um rangir de cancela quebrou a quietude
do posto da estância, nessa madrugada.
Chamando pra si, tamanha atenção,
que até meu olhar perdeu-se na estrada ...

De longe a silhueta de dois negros vultos
que assim por distante, pequena parece,
mas que se agranda e estampa a figura
por conta dos passos que aos poucos investe.
Um Mouro crioulo “em pêlo e de tiro”,
ao lado um Ruano “muy” bem aperado,
que pelo entono e o embalo do tranco
deixou-me a certeza de “Flôr de domado”.

Foi quando então reconheci o semblante,
por conta do vento que alçou-lhe o sombreiro
notei em seus olhos, um certo “clarão”:
Luziam bem mais que o próprio palheiro ...
Por isso entendi o silencio do cusco,
que alçou as orelhas, mas seguiu ao meu lado,
- O instinto enxerga bem mais que visão
E não late pra “aqueles” do seu agrado!

Boleou a perna com alma e com jeito
e “rumbiou” arrastando esporas no cão,
um amigo que o tempo ainda permite
que a alma e a voz lhe chamem de irmão.
Sorrisos sinceros moldaram-se aos rostos
e a mesma verdade no abraço cinchado,
depois, cada um reviveu os seus olhos,
nos outros dois, assim, espelhados!

As cinchas já frouxas, os pingos à soga
e o frio insistindo em mandar-nos pra dentro
pra com gosto, jujarmos um mate novo
co’a lembrança dos causos, dos velhos tempos.
Risadas e vozes, fumaças e estalos
se mesclam, quebrando, a paz do galpão
Só o cusco coleira, agora cochila
mas põe-se em alerta, no estourar dum tição.

A guitarra que há dias andava calada
guardando o seu canto, num canto do galpão,
vem dar “colo” a um corpo e uma alma “embrujada”,
traduzindo em cantiga o mistério das mãos.
Nesta instante o silêncio tornou a imperar
para ouvir as verdades de um coração,
até mesmo o fogo cessou os estalos
e Rio Grande se ouviu no ecoar da canção!

Com a vista nublada: De emoção e fumaça,
picando um naco já quase no fim,
uma voz meio rouca e um tanto embargada
ao cevar mais um mate, sentenciou assim:

- A terra nos cria, o mundo nos separa,
mas a amizade é o esteio da vida, pra mim!
e se até a guitarra dá-te as costas no abraço,
é só pra que cantes tua alma e fim ...

A cuia morena cumpriu o seu rito,
de irmanar sentimentos, tão simples e puros
e mostrou que os amigos, são os olhos da alma,
que a vida nos deu pra enxergarmos no escuro!

O mate de estribo encilhou o Ruano
que aos poucos sumia lá na invernada ...
Ficou o Morito, outro potro pra doma,
e se foi a certeza “de tiro” na estrada:
- Que embora o tempo, por mais que separe,
não apaga a essência que herdamos um dia,
pois até a guitarra com as cordas distantes,
ao sonar um acorde, ecoa ... harmonia!


2 – PELOS BEIRAIS DA LAGOA

Autor - Mário Amaral
Intérprete - Suelen Amaral
Amadrinhador - Mário Amaral

Há um ar de ternura nesta noite litorânea!
As estrelas pousaram no espelho deste pedaço de céu.
A água clara com semblante de quem chega,
vai falquejando seus castelos com mãos de Deus,
numa quietude de espera, com a vida quase tapera,
para a dança remadeira entre mate e aguapés.

Água, terra, canoa, juncos, areia, pedras, cais... Luz,
flores, aguapés, lua, peixes, velas, sonhos... Cruz,
acenam para o bater de asas do João-grande e das gaivotas,
enquanto o Martin-pescador cumpre o ritual da vida.
Uma bóia-louca que se desgarrou de uma mão pesqueira,
expõe a prenhês e a dúvida de quem também está perdida.

Uma mão menina fisga o anzol com a herança desprendida de luar.
O espinhel e a rede afundam n’água, o que restou da sabedoria...
E da saudade de quem ficou no rancho esperançosa de amanhecença,
Pra que a lagoa lhe ofereça, além do remo e da canoa,
os peixes e o pescador para o viver de mais um dia.

Quando a água franze a testa porque um par de asas quebrou o silêncio,
ou quando um remanso na escuridão das lonjuras faz a canoa virar,
uma lágrima se levanta contra a maré pra levar para além da praia,
ao soluçar das samambaias, a imagem de quem de pescador se fez mar.

A alma braceja livres mil segredos entre os juncais molhando as penas,
as suas, dos seus e das alvas garças contrapondo temporais,
enquanto a brisa vozeirenta de luzeiro vai salgando os caminhos
e pintando de arco-íris a face das gentes, muitas além destes beirais.

Quando o pescador segue seu rumo lagoa afora,
foge da sina dos irmãos sem-terra, sem-teto, sem-tudo...
Sulcando vergas como quem cavalga o tempo com a própria mão,
deixando a pulsar em peitos fortes de vivença e de querença,
um país que, como a lagoa, se doa em forma de pão.

O sol que se levanta bem cedinho vem carregado de bom dia,
pra nos guardar, trocando de posto com a lua e com a boieira,
vai redesenhando um novo Rio Grande pelas margens que andam lentas,
abraçando os campos e as matas, as serras e as cascatas,
as luzes dos galpões, fogueando madrugadas nos borralhos...
e nos transformando em data antiga pelas leis do calendário.

Mas nesta cena há muito mais do que os olhos vêem...
Há um desgosto de quem trancafiou a vida no fundo de uma canoa.
E o velho remo busca além dos cardumes transformados em alimento,
o sustento pra quem nasceu, sonhou e cresceu com as cantigas,
da voz amiga dos avós e dos endereços pelos beirais da lagoa.


3 – LIBELO CONTRA UM LADRÃO DE FAZERES,
ANSEIOS E DEVENEIOS: O PROGRESSO

Autor - Mano Terra
Intérprete - João Lori de Abreu
Amadrinhador - Cássio Ricardo


Ah!, O tempo!
Onde o tempo?
Percebo agora, que o potro-tempo passou, assim, tão disparado!
Os guris cresceram.
Estão envelhecidos!
Meus bisnetos já mateiam comigo!

No tempo do potro-tempo, haviam carreteadas e tropeadas!
Havia fogo-de-chão.
Trempe.
Guampa cheia de canha, de coalhada, de tanta cosa.
Havia pito bem grosso.
Fumo picado na concha da mão.
Rapé.
Pilão.
Havia geada de “mancá cachorro”!
E as noites eram bem escuras.
Em compensação, as estrelas eram bem maiores!

O potro-tempo se foi.
Veio em seu lugar um cavalo maduro.
No seu lombo eu vi surgir o auto.
O avião.
O Rádio.
O Frigidér.

Eu vi o cavalo maduro carregar no lombo
os tarecos daqueles que se mudaram.
Foram pro povo.
Olhando vitrines, janelas e telas,
trocaram a solidão pela saudade.
O sossego pela ansiedade.
Trocaram a conversa macia pelas cartas,
pelos telefonemas apressados.

O cavalo maduro trouxe no lombo a tevê.
O foguete lunar.
A espaçonave.

Envelheceu nos corredores, trocado pela pressa.
Os chasques chegam pela internet.
É assim que se diz?

Quantos cavalos-tempo já passaram!!!

Pensando bem, estou enganado!

Não faz tanto tempo, assim!
Eu sou a prova!
Estou aqui, ainda!

Estou aqui para testemunhar um tempo que já foi calmo e sereno.
Os dias começavam e terminavam
com as algazarras benfazejas dos pássaros.
Iniciavam com a luz engolindo a noite,
e findavam com a noite engolindo o sol.
E descobrindo as estrelas.
E demoravam uma eternidade.
Hoje é diferente.
Dia vira a noite e a noite vira o dia.
A esculhancraca não pára.

E as noites já não mostram as estrelas.

Eu fico aqui a matear, rumbeando longe...
Foi-se a galope o tempo de cozinhar o tempo em panela de ferro.
Labareda branda,
Braseiro firme.
Homens e mulheres tinham voz macia e lenta.
Os piás se afastavam para fazer alarido.
Quebrava o silêncio apenas o rugido dos trovões.
E os relinchos dos baguais.
E o mugido do gado.
A vida deslisava mansa como mansos eram os lajeados.
Mansas eram as manhãs e as tardes,
Quando os temporais não vinham.


Inventou-se tanta cosa...
Fogão agora tem nome de micro-ondas.

Aos milhares,
os inventos desdinados ao confronto e ao ócio
dos homens e das mulheres,
Servem para escraviza-los.

Antes, montrava-se nos cavalos para ganhar liberdade e poder.
Hoje, os terecos inventados montam nas pessoas
para tirar-lhes a liberdade e o poder.

Parece que o demônio comprou o tempo e insiste em trocá-lo por dinheiro .
E tarecos.

Até os velhos relógios que marcavam o tempo, nada mais valem.
Só relíquias, só!

Tudo é digital.
Tudo é automático

E sempre aparecem demônios novos,
sempre mais aptos a negociar novos tarecos inventados.
Inventa-se o que não foi pensado.
E ensina-se a pensar o que foi inventado.
É sempre tem mais gente disposta a trocar o tempo pelas mercadorias
E pelos demônios.

É isso!
Somos escravos do dmônio.
É ele que insufla nossas vontades e nossos inpulsos.
Enche nossos fazeres, anseios e devaneios.
Compra nossa capacidade de sonhar.
Os sonhos já vêm empacotados, prontos, sonhados.
O tempo não existe para ser vivido
Existe para negar a vida.
Existe para o incômodo.
Para notícia ruim.
E tempo tem nome de corre-corre.
E existe para consumir, perder, gastar, queimar, destruir a vida.

Ah! O tempo.
Ah a vida!.
Já se disse:
“Naqueles tempos, sim...”

Nesse rumbeio dos mates,
enquanto o tempo passa,
Vou me perguntando porque será que inventamos as máquinas e
entregamos a elas o Comando de nossas vidas,
Renunciando viver como seres livres?

Cadê o tempo?
Cadê a vida?

Não existe vida sem o tempo.
Vida e tempo são a mesma coisa!

Encilho esse meu novo-velho pingo,
Chamado mate e sigo perseguindo a vida.

Não concordo de ceder ao diabo!

Ah...

Eu, não!
Cruiz credo!
Deus me llivre!


4 – A CELA
Autor - Luis Lopes de Sousa
Intérprete - Paulo Ricardo dos Santos
Amadrinhador - Rodrigo Cavalheiro


Aqui o tempo não urge
e a consciência me sepulta
no mofo da solidão,
como a larva do repúdio
ruminando a realidade
no abismo de seu casulo.
Aqui o remorso se propaga
moldado pela marreta
que esmaga a polpa do erro
contra a bigorna da dor.

Eu que adubei cobiça usando mãos alheias
num agrário Pago que quis só pra mim,
plantei sementes viçosas e impuras
pra regar lavouras louras de pecados
e colher safras injustas de fartura ...
Acumulei grandeza nas arrobas da balança
e o orgulho tomou conta da seara
no eito fértil de minha ignorância ...!

Aqui as horas se arrastam
num vazio alucinante,
confinando a rebeldia
na masmorra da demência ...
Aqui a vida se nutre
no escarro do silêncio
com evidente abundância
no oco impune da culpa ...

Eu que soberano no trono de um puro sangue
castiguei os maturrangos com puas de indiferença,
entropilhei fortunas alçadas e velhacas
e larguei por refugo a humildade e a clemência ...
Sesmeiro poderoso criei redomões e egoísmo
indomável na luxúria e na ganância,
corruptei aporreados na força a na “plata”
pra nem um corcovo planchar minha arrogância ...!


Aqui o terror se agranda
entre a grade imaginária
e a clareza dos porquês,
uma legião de fantasmas
se revezam persistentes
rondando a alma da gente ...
Aqui a vida sucumbe
e a morte é tão tentadora
que convence certamente
ser urgente e necessária ...

Eu que transgredi caminhos carreteando cifras
pra surtir de ouro ambições dolosas,
fraudei tambeiros pra exibir riquezas
no gemido tosco de cambotas pobres.
Eu que enchi bruacas de razões errôneas
pra tropear cargueiros em dimensões só minhas.
... comprei prestígio e poderio de nobre
e zombei daquele despilchado “solo”
que famulento me implorava um cobre ...!

Sim errei ...!
Mais do que um erro um pecado ...

Sei que não basta me redimir no desterro
estou recluso nas grades do próprio erro
cá nesta cela me vejo contrito e brando ...
Como errante sei que sou imperdoável
um quase nada, moribundo, miserável
que certamente segue pecando e pecando ...!


5 - DUAS DATAS
Autor - Colmar Pereira Duarte
Intérprete - Pedro Jr. Da Fontoura
Amadrinhador - Henrique Scholz


Na pedra somente o nome
e duas datas, mais nada.
Nas datas, os dois sinais:
para o nascimento, a estrela,
a cruz... para o nunca mais.

Estrela e cruz, duas datas
e uma vida entre as estacas
que marcam início e fim.
Como a cancha de carreira
de algum bolicho tapera,
coberta pelo capim,
onde se vê – de passada –
alguma estaca cravada,
marcando a cancha, ainda assim.

O partidor é uma estrela,
a cruze é o laço final.
Entre as duas datas, tanta estória
que tempo não vai guardar;
que se um dia fosse escrita
pra que pudesse ser lida,
do início ao fim da vida
seria marcada igual:
maiúscula no começo,
no fim o ponto final.
Mas quanta interrogação,
espantos e reticências,
nas entrelinhas da vida
contida em seu coração?

Era uma vez um piazito
e um mundo por descobrir,
um medo de faz-de-conta,
bicho-papão pra dormir.
Distintos sons pra lembrar:
do pai, gritos com o gado;
da mãe, vozes de acalantos.

Depois, um viver de espantos
numa terra por povoar.
O ritual das madrugadas
em volta ao fogo de chão;
rodeios, domas, potreadas.

Ainda não tinha barba
quando veio o “23”.
O pai era Maragato
e se foi daquela vez,
se juntar a honório Lemes.
Uma tropilha de zainos,
uma espada, um mosquetão;
lenço vermelho esvoaçando
junto ao aceno da mão,
dando adeus, pra não voltar.

A vida seguindo adiante,
com seus ciclos naturais.
Num gateado de confiança
enfrentou o Toro Passo
pra um baile, uma carreirada
ou a sombra de um potreiro
na casa da namorada.


Casamento e rancho novo,
onde o amor foi morar.
Muito trabalho
e os filhos,
chegando como andorinhas
pra encher a casa de sons.
Depois a necessidade
de dar escola pra os piás.
A mudança para o povo,
deixando o pago pra trás.

O pago onde deixou nome
como campeiro de lei.

Não nascera esse cavalo
que o pegasse de mau jeito
numa rodada traiçoeira.
Vista e destreza de sobra,
pisava a orelha do maula,
saindo sempre de pé!
Num rodeio era um respeito
quando apartava novilhos.
Amagava na paleta,
de pingo alçado no freio,
tirando “erguido” o franqueiro.

Se o boi olhasse o sinuelo
bancava o flete no freio,
vinha ao tranco pra o rodeio.

Quando desatava o laço,
podia chegar co’a marca
que o bicho estava no chão.
Seguro e bem a cavalo,
um dia – por patacoada –
passou a mão no cabresto,
num arremedo de laço,
e fez passar a porteira
a zebua caborteira,
na cincha do seu Picaço.

Noutra feita, um touro pampa
que refugava o rodeio,
boleou a anca e se veio
atropelando o cavalo.
Livrou o pingo da carga
e se juntou com o touro.
De encontro sobre a paleta
contra aquela massa bruta,
sem deixar virar de frente,
ia baixando o trançado
com toda força do braço.

A polvadeira subindo,
cavalo e touro rodeando
nessa peleia de morte.
Até que num de repente,
co’ajuda de Deus e sorte,
o touro – tonto a laçaço –
alinhou rumo ao rodeio.

Tropelias como essa
eram coisas costumeiras.
Levaria horas inteiras
contando essas gauchadas
de quem, em qualquer serviço,
honrou sempre o compromisso
e nunca negou quarteada.

Mesmo sendo ventania,
pelos filhos se fazia
dócil, com voz de veludo,
quando contava uma estória
Ou segredava acalantos:
“Dorme criança linda
teu sono doce e puro,
porque não tens ainda
cuidados com o futuro...”
E as mãos ásperas, pesadas,
calejadas pela lida,
eram suaves como asas
acariciando os cabelos
da criança adormecida.

Quando meus irmãos se foram,
buscando rumo e razão,
fiquei ouvindo seus “causos”,
vendo seu envelhecer.

Hoje sinto que essa pedra,
com duas datas e um nome,
resume a vida do homem
como num livro fechado.
E, ao relembrar o passado
como minha referência,
nestes versos choro a ausência
de quem fez tanto na vida
que aqui vejo resumida
a um nome com dois sinais:

Uma estrela pra um começo
e uma cruz... pra o nunca mais!


6 – PAISAGENS DO TEMPO
Autor - Sebastião Teixeira Correa
Intérprete - Loresoni Barbosa
Amadrinhador - Francis Barbosa

Olhei o tempo, pelo vidro embaçado das retinas,
onde uma nuvem, mansa, de neblina,
aquerenciou-se, sem pressa de ir embora ...

Olhar o tempo e enxergar a própria estrada;
é ver nos rastros a força das pegadas,
na saga de traçar a própria história!

E assim, eu pude ver, lá ... bem distante,
um campo largo, e a cruzar risonho
num flete alado, galopando sonhos,
um pequeno guri, de olhar radiante.

De calças curtas ... pés descalços ...
camisa aberta, esvoaçando ao vento;
Ah! Liberdade! Como é feliz esse guri, por certo
que são felizes todos os libertos,
Porque é liberta a felicidade.

Adiante, um pouco, eu vi surgir um moço,
pilchas de gala e lenço no pescoço,
entonado no mas, de alma gaudéria;
guapiando potros, pelos tironaços,
zombando a sorte, e nos sofrenaços,
vibrando o sangue rubro das artérias.

Eu vi o moço, outrora vaqueano de muitas jornadas,
perdido, vagando, sem pilchas, sem nada,
na fria calçada de um mundo em concreto ...

As changas do povo não são para os tauras,
que apenas entendem de domas, de maulas,
e as lides campeiras, que os fazem completos.

Então, não mais vi ...
Apenas senti a dor e a tristeza que o moço viveu,
changueando misérias, curtindo lembranças,
perdendo a esperança de um dia voltar ao chão que era seu .

À sombra dos ranchos, sombrios, meia-águas,
os goles de mate, são goles de mágoa,
que as ervas caúnas amargam ainda mais ...

O pago terrunho é apenas saudade;
A vila é seu mundo e a realidade
Que sangra nas folhas de muitos jornais.

Que pena! A distância hoje me separa
do meu primeiro flete, de taquara,
mas, que tinha em si, minha alma de menino.

E repontava as tropas “faz-de-conta”
pras sangas mansas, onda cada “ponta”
sorvia um pouco desse meu destino.

Mas, nesse tempo, havia águas limpas
e uma pastagem, que era grama e terra,
e havia torenas e se fazia guerra
pra defender a honra da querência;

Por isso, é tão difícil aceitar, que agora
hajam gaúchos dobrando os joelhos às invasões de fora,
rasgando a história, que legou a crença ...

Não deixem morrer a nossa cultura,
que é seiva tão pura, com cheiro de cão;
Façamos dos palcos, as nossas tribunas,
gritando protestos às tropas reiúnas
que infestam os costumes do nosso rincão.

Que todo o xucrismo da nossa poesia
entoe cantigas de um novo alvorecer,
pra que meus olhos, nublados pelo tempo,
possam ainda ver, guapiando tentos,
a braura da pampa renascer.

Que diacho! A injustiça campeia na pampa,
e há outra neblina cobrindo os olhos dos nossos iguais;
Estão nos roubando e ninguém se levanta!

Estão acabando com as nossas raízes,
Estão nos trocando por outras matizes,
Não deixem que matem os nossos idéias!!!


7 - A AVÓ DE TODAS AS SANTAS
Autor - Adão Quevedo da Silva Filho
Intérprete - Cássia Machado
Amadrinhador - Maurício Marques

Dona Isaura já beirava
um século de existência,
gastou toda bem querença
com filhos, netos, bisnetos;
dividiu tantos afetos
que pra si apenas tinha
uma pequena pontinha
do tempo que lhe restava.

Ainda sobrava ternura
nos seus olhos tão humanos.
Deus, talvez pôs por engano
uma santa aqui na terra,
até Deus que nunca erra,
vendo sua alma branquinha,
deixou que ficasse velhinha,
cuidando lá das alturas.

Ela sabia os segredos
da antiga sabedoria:
é o homem tolo quem cria
seus abismos e tormentas
e quanto mais ele inventa
menos conhece a si mesmo
e deixa escorrer, a esmo,
a vida por entre os dedos.

Por isso ela compreendia
as inquietudes das almas,
quem não decifra seus traumas
não encontra porto algum
e vive a afundar, um a um,
seus navios da incompreensão
juntando na contramão
seus tesouros sem valia.

O que mais me desencanta
é saber que qualquer dia
vou encontrar ali, vazia,
a cadeira de balanço ...
Não mais os seus olhos mansos,
nem a sua face serena,
só a lembrança terrena
da avó de todas as Santas.



8 - DESPEDIDA NUMA NOITE DE AGOSTO
Autor - Vaine Darde
Intérprete - Wilson Araújo
Amadrinhador - Carla Zambiazzi

A tarde cai mais cedo no horizonte
porque sabe que te vais ...
As estrelas vestirão ponchos de nuvens esta noite
E, de hoje em diante, as outras noites,
nunca mais serão iguais.

A tarde cai desconsolada
murmurando seu pranto incontido
no rumor da ventania.
Vaga pelo pampa um prenúncio de aguaceiro
que já vem riscando luzes
nublando de lágrimas o cristal da poesia.

Desaba um temporal no lusco-fusco
como se fosse a última tentativa do dia
de impedir tua partida.
Mas, tu te vais, pelo mundo grande,
procurar caminhos ...
Em que noite inquieta, tu me deixas,
que noite triste pra ficar sozinho!

Todas as palavras são inúteis
para que eu te convença,
pois já não ouves o amor que te festeja
com cânticos de sanga sobre o catre,
já não te encontram a prosa musical
da cada mate.
E a poesia órfã, a pobre poesia
que nos teus pés rasteja.

O zaino está inquieto.
Há um alvoroço alvorotando o arvoredo.
O vento, em vendaval, violenta a várzea aflita.
E tu te vais ...
É sempre cedo quando verga a última esperança
de quem amou além do medo
e, de repente, se acovarda
e teme e sente o açoite da distância.

Ah, por que me deixas numa noite de agosto ?
Tu sabes que meu sonho te acompanha
nesta hora nupcial de sol já posto
quando os bichos se aconchegam na campanha.

Não haverá fogo capaz de proteger-me
da gélida solidão da tua ausência,
nem poncho que repare
a falta que me faz
o calor dos teus abraços.

Eu estarei só
abandonado a todas as distâncias,
condenado a todas as sentenças,
triste e só, triste e só,
descrente de todos os auxílios,
vivendo, na querência, o mais rude dos exílios.

É melhor que tu te vás.
Pois, terei, pelo menos, o consolo
de que estarás distante e estarei alheio ...
Pior é sofrer a tua ausência
a todo instante de silêncio e indiferença
no convívio amargo
do amor partido ao meio.

Eu sentirei a tua falta
em cada noite de insônia na solidão do catre,
pois tua ausência viverá presente em mim
até que o coração me abandone ...

Bueno,
se te vais,
o último ônibus para o povo
se aproxima da porteira
e a noite choraminga
sobre a quincha do capim.

Se vais embora,
que seja agora,
adeus!
Eu ficarei sem ti.
E pior que ficar sem ti,
eu seguirei sem mim.


9 -ROMANCE DO TIO ABEL

Autor - Guilherme Collares
Intérprete - Patrocínio Vaz Ávila
Amadrinhador - Guilherme Collares

Nove leitos de hospital,
paredes e rostos alvos...
...e o Cristo crucificado,
olhando – compadecido -
aquele arrastar de cruzes
de miséria e de doença...
...restolhos de tempo antigo
naquele quarto de dores.

Pinga o soro endovenoso
em contraponto ao gotejo
de uma sonda intra-uretral...

- Eu pareço um surrão furado,
água que botam por riba
sai dereto lá por baxo!

E um xistoso e dolorido
sorriso, de meia-boca,
aviva o rosto do Abel.

Aquele corpo que outrora
soube agüentar muita lida
de cercado, de mangueira
e de lombo de cavalo,
hoje afocinha no pasto
- no sobre-lombo de um pealo –
de oitenta anos bem postos
que a vida, porteira-a-fora,
vem lhe ajeitando a mangueada
- costeada da “tar da prosta” –
direito à cruz de pau-ferro,
na costa de uma picada.

- Por que é que o tar Deus dos branco
faiz isso co’os negro véio?...
...por que é que a morte não veio
no estôro duma rodada?...
- E aquela tropa morruda
que nóis atiremo n’água
no Passo dos Enforcado
- Camaquã de gaio-a-gaio -
e o meu gateado cabano
se entregô pra correnteza...
...não fosse a cola dum tôro
que me cruzô no costado!...
- Por que é que o tar Deus dos branco
não me feiz essa gauchada?...

- Morrê não é o bochincho!...
...morrê sozinho é que é!
- Não tive fio o muié
que me ajudasse estas hora.
- E essa mardita demora
em dá co’a cola nas pedra!

- E o neto do patrão véio,
que hoje trabaia no povo,
nessa tar de capitar...
... quando guri, só andava
grudado na mi’as bombacha...
...por que é que o tempo não acha
pra vê os que le pertence?...

- Moça, óia aqui...
...o meu braço tá inchando!...

A enfermeira... contrariada
com a pouca remuneração,
sem a menor caridade
ou compaixão ao seu próximo,
ainda xinga o negro velho
quando a agulha sai da veia.

- Quem será que vai cevá
o mate do meu patrão?...
- Quem será que vai ficá
im riba do fogo grande
pra não dexá isfriá as marca
nos dias de marcação?...
- Quem vai insiná os negrinho
como se encia um cavalo?...
- Quem vai descascá marmelo
e mexe tacho de doce
no calorão do verão?...

- Quem vai mostra pros mais novo
o rasto da capinchada
e o sinar das resbalada
nas barranca dos arroio?...
- Quem vai insiná os negrinho
a pialá de bolcado?...
- Quem vai desfazê os mandado
quando a tormenta se enfeia?...
- Quem vai – de garganta cheia -
cantá um chote bem marcado,
fazendo viola e costado
pra cordeona botoneira?...

- Quem vai conta pros negrinho
do tempo em que o avô deles
boleava toro aragano,
das gadaria bagual?...
- Quem vai mostrá pros mais novo,
ou pros criado no povo,
que home e cavalo novo
se conhece pelos óio?...

- Tá na hora do remédio,
abre a boca, seu Abel!

- Isso é amargo como um fel...
...se, ao menos, viesse um mate!...

E um sol ilumina o rosto
desbotado e descarnado,
num sorriso de alegria,
que há muito já não saía
da boca do negro velho.

- Trouxe um mate Tio Abel...
...custei um pouco, mas vim...
...acaso o senhor achava

que o seu negrinho mimoso
não ia deitar o toso
pra cuidar do negro velho?

- Acaso o senhor pensava
que o seu negro não lembrava
daquele tempo passado,
quando só andava grudado
nas dobras da sua bombacha?

- É certo que lhe agradeço
por me ensinar o que sei...

...e se achei rumo na vida
sei de pronto, e com certeza,
que é por saber com clareza:
trago na alma a firmeza
que dos antigos herdei.

- Agora sim, Deus dos branco,
que o meu negrinho já veio!...
...agora esse negro veio!...
pode morrê descansado!...
...que os tempo não são os mesmo
e os home tamém não são!...
...mas quem plantô bem-querença
nos cercado da amizade,
colhe amor e leardade
nas safra do coração!


10 – RAIZES BEDUINAS PARA UM CANTO GAÚCHO
Autor - Moisés Silveira de Menezes
Intérprete - Waldemar Camargo
Amadrinhador - Cássio Ricardo

Livre, surgiu no deserto
tripartido por amor
à tenda, à lança, ao cavalo.
Nômade, migrou no rumo
que lhe apontava a inquietude
na sina eterna de andar.
Inconforme o sangue bérbere
o faz aportar na Europa
pra fazer história e Pátria
ao comando de Tarique.

Maraghat, margem esquerda
do grande rio solitário
berço dos avoengos
Os que de lança e guitarra
traziam desertos no olhar
Sob tormentas de cascos.
Os estandartes do Islã
conquistam o Velho Mundo
fazendo casa e quintal
nos altiplanos da Ibéria.

Por quase oitocentos anos
beduínos ensinamentos
modificaram a paisagem,
artes, costumes, crenças.
Surge a Espanha sarracena,
fulgaram raios de Allambra,
lendas, miragens, visões,
lindas moiras encantadas
cantam os cantos dolentes
dos poetas de Sevilha.

No silêncio das montanhas,
fixada a alma errante,
vai dar vazão aos encantos
das velhas canções mouriscas
na plangência das guitarras.
O tempo o vai esculpindo
sem olvidar velhas crenças
e um guerreiro libertário
vai-se forjando “al despacio”
no contraponto dos dias.

Por instinto e dinastia
cruzou as distintas raças
que foi montando a lo largo.
Mais tarde, Mendoza trouxe
pra pampa sul-ameríndia,
da cruza moura-andaluz,
os potros que alaram homens
que honraram a cor do lenço
e amaram belas mulheres
no intermédio das guerras. Entre Astorga y El Teleno
Leão, província espanhola
se aquerenciaram aos poucos.
Bombachas largas, vistosas,
jalecos, faixas bordadas,
botas altas e sombreros,
chasqueiros por profissão.
Arrieiros vagos, no entanto
migram por campos e mares
rumo ao sul americano.

Uruguay – la pátria nueva
del señor de lo desierto.
Alli, el gaucho maragato
apareció en San José,
fita roja en el sombrero
con divisas de muy lejos
“por mi pátria”, “por mi amor”,
“Todo por la libertad”
debajo de un cielo azul
con los sueños por delante.

Argentina, pampa larga,
também recebe “el moruno”,
cavalgando a “la jineta”
um flete, olhos de águia
força de ventos e rios.
La tierra Sul ameríndia
templó aun más su carácter
payador y guitarrero
fuerza y aliento de gigante
corazon y alma de ñandubay.

93, clarinadas
cavalarias em carga
espadas em mãos de ferro
lendárias “divisas rojas”
nas hostes de Gumercindo
invadem a pampa gaúcha
de à cavalo entram na história,
viram lendas, causos, mitos,
la gente noble y valiente
rio grandense e maragata.

Nos tempos claros de paz
andejos cruzam os campos
dois idiomas para “el gaucho”,
três bandeiras, um só canto.
Habitam cifras, milongas
no bojo das andaluzas
que sonorizam a pampa
como a quebrar o encanto
da moura da salamanca
que se escondeu no jarau.


11 – NEGRO HERÓI
Sesmaria Estudantil – Categoria |Mirim

Autora e Intérprete - Sttela Monson Tolotti
Amadrinhador - Cássio Ricardo


A mãe África
Viu seus filhos,
Arrancados de seu ventre,
Serem jogados à imensidão
Dos mares desconhecidos,
Que ainda guardam em suas profundezas
O eco dos chicotes e gemidos
Dessa gente sofrida.
E aqui chegaram.
E do litoral espraiado
Vislumbraram as belezas
Desta terra abençoada.
Não era para seu desfrute, no entanto,
Toda aquela exuberante natureza,
Pois das entranhas da pátria querida
vieram para os confins
Da sofrida escravidão
Ah, negro,
És um bravo guerreiro,
na saga dos desfavorecidos.
Por séculos, fostes o braço forte
No trabalho mais árduo
Para desenvolvimento também
Deste querido Rio Grande.
Ah, negro,
És um herói.
Sobrevivente ao esquecimento
Da tua própria existência
Pelo preconceito


Dos que não reconhecem
O próprio irmão.
Irmão sim, porque
Junto com os índios e portugueses
Foi o lastro deste povo
Que enobrece o nosso Estado.
Ah, negro,
Recordas com orgulho
E com uma certa nostalgia,
Da província dos teus ancestrais,
Eu sei... mas
Olha ao teu redor
E não esquece jamais
Que este pago
É hoje teu chão,
Onde campereias
Com bravura
Na labuta do dia-a-dia,
Seja entre os quero-queros
Da planície pampeana,
Lá no dorso aveludado da serra
Ou nas areias brancas da praia
Onde o mar se joga
Feito um touro bravio.
Estejas onde estiveres,
És uma presença constante
Nesta peleia sem fim
Para conquistar
A verdadeira liberdade.


12 – MINHAS RAÍZES GAÚCHAS
Sesmaria Estudantil – Categoria Juvenil

Autora - Débora Bitencourt
Intérprete - Gabriel Weber
Amadrinhador - Cássio Ricardo

Sou um pequeno poeta
mas respiro fundo se é para falar do sul.
Pois só eu sei o que sinto
ao olhar as águas deste doce mar,
ao ver nos campos este dourado arrozal,
ao sentir que cada gaúcho,
ainda peleia pela vida.

Declaro então em versos,
O meu amor pelo lenço vermelho,
Pela música que me afronta com suas rimas.

Porque nós não vamos entregar pros homens
O céu espraiado do Rio Grande,
Que de azul tão intenso
Faz com que a gente chegue mais perto,
Do patrão lá de cima.

Eu sei o que soprou em mim
Foi esse minuano,
De tantos caminhos e descaminhos,
Que maltrata
Mas deixa aqui dentro as raízes da tradição.

Tradição que eu cultivo
E deixo bem cevada,
Pra um dia, meu neto poder tomar
Em uma cuia de chimarrão.

E falo mais
Minha Querência tem terra forte
Que agüenta até raio-guacho
E onde Corrêa já se abrigou.

Pois eu venho lá de Palmares
Onde o trilho começou
E deu rumo pro gaúcho,
Seguir firme a diante.

Mas falo alto se é para dizer de onde vim,
Tenho em mim o orgulho
De encilhar o meu petiço, velho Guaporé,
De usar pala e ler Quintana
Pois ele sabe,
Que essa terra é encantada e encantadora.
E que não gaúcho que não seja poeta,
E que não há poeta
Que não se renda aos encantos do sul.


13 – RELATO DE UMA CAMPEREADA
Sesmaria Estudantil - Categoria Adulta
Autor e Intérprete - Fernando Galimberti
Amadrinhador – Cássio Ricardo

Galopeei quando moço, tantas estradas,
e o pingo que a mim sombreava,
já não existe mais...
Foram-se, dos meus quase todos,
é triste a clemência do Patrão velho do céu.

Enfrentei a invernia, já menos moço,
como um potro novo, enfrentando a doma.
Só que o pingo, ainda que mal domado,
tem a chance de ser redomão.
E eu, que enfrentei a vida, já não tenho mais.

O laço, a lida, a força
tudo a mim agora parece escassear,
ando ao redor do galpão,
desmedido na importância,
onde um dia fui patrão.
Como é triste o fim...
Cada aurora me consome, como as folhas,
que o outono leva ao chão.

Vão escasseando meus dias,
já menos moço, pra os frios do inverno.
Braços cansados para dura lida,
e a alma, bem mais perto da morada eterna.

Meu abrigo é o potro matreiro,
que me fez tropear essa vida,
não peço cena nem choro de china.
Quando a mim faltarem as rimas,
que geraram as calmarias em acordes,
Que dedilho no antigo violão.

Não quero chorar...
Passará então o tempo,
ventos pra qualquer lado.
Refrescarei então minha alma,
nas entranhas da querência eterna,
pra o rancho que me estranha,
pois lá sequer deixarei um gado,
apenas o riacho com águas,
que um dia também se vão.
Como um dia me fui.

INÍCIO DA PÁGINA