TELMO DE LIMA FREITAS
O casal Leonardo Francisco Freitas, Oficial do Exército,
e dona Mariana de Lima Freitas, uma campeira de São Francisco
de Paula, legaram ao Rio Grande, esse Samborjense, que é
uma legenda viva, cada vez mais um mestre, Telmo de Lima Freitas.
Poeta músico, compositor e um inspirado escultor e artesão.
Pai de 3 filhos, Ione, Ana Elisa e Leonardo Francisco (Kiko),
que lhe deram 4 netos e uma bisneta. É autor de incontáveis
composições, cuja principal temática é
a vida campeira, que aprendeu e viveu com os velhos mestres samborjenses.
Norteia seu trabalho pela lealdade que mantém as raízes
do Rio Grande. Longe dos modismos nativistas, evita patacoadas
do gaúcho de anedota, fanfarrão e superficial.
Ao contrário de muitos que definem sua arte como “xucra”,
Telmo é hábil no registro do que chamamos de primitivo.
E não faz música gratuita.
Costuma abordar a atividade ou profissão do homem e da
mulher do sul, com temas como o próprio Esquilador, Costureira,
Taipeiro, Aguateiro e Açougueiro, entre tantos. Muitos
o chamam de “antropólogo”, pois, se requinta
em desvendar homens e mulheres que jamais terão mais do
que vidas anônimas, mas que ensinam e que são ricos
como figuras humanas.
Possui cinco discos gravados: “O Canto de Telmo de Lima
Freitas”; “Alma de Galpão”; “De
Pé no Estribo”; “Rastreador” e, recentemente,
lançou o CD, ”A Mesma Fuça”; recebendo,
com este último, o Troféu “Açoriano”
em duas categorias: Melhor Compositor e Melhor CD Regional. Suas
composições foram gravadas por diversos intérpretes,
inclusive no exterior, algumas com tradução para
o espanhol e italiano. É autor, também do livro
de poesias crioulas “De Volta ao Pago”. Noutras plagas
certamente já lhe teriam posto um “Dom” à
frente do nome, tal a sua importância na música rio-grandense.
Como músico começou guri, pois aos 2 anos de idade
aparece na Revista “Cacimba” com um cavaquinho na
mão, presente de sua madrinha, com postura de quem fosse
tocar. Mas a sua iniciação se daria lá pelos
8 anos, quando ganhou um violão do compositor de cavalos,
amigo dos Freitas, Leôncio Pereira da Cruz, que viria a
ser seu cunhado. Tocava um violãozinho, meio escondido
no galpão, pois o velho não sabia de sua existência.
Lembrou e contou seguinte diálogo:
“O Leôncio, meu cunhado, chegou no aniversário
de meu Pai e disse”: Ô seu Leonardo, vou lhe dar um
presente hoje e acho que o senhor vai gostar. Meu pai gostava
de música e minha mãe tocava um violão: “Cheguei,
meio sem jeito, com cara de cachorro que lambeu graxa, com o violão
na mão, meio tremendo, cantei uma música. O Meu
pai agradeceu, mas não disse que gostou. Depois me chamou
e disse:” Olha vamos dependurar esse violão ai, por
que temos que primeiro aprender a ler, ir pro colégio,
fazer as obrigações da casa. Quando tiver um tempinho,
daí tu vais pegá-lo. Vais ter tua época para
pegar o violão “.
E foi pegando o violão, de vez em quando, tendo como mestres,
seu Neli Rodrigues e Peixinho, que, em 1947, então com
seus 14 anos, participou em São Borja, do grupo musical,
“Quarteto Gaúcho”, composto por Glênio
(gaita de boca), Jaime Fagundes (violão), Lulu (pandeiro)
e Telmo (violão e voz). O Quarteto se apresentava em tudo
o que era lugar, com pilchas gaúchas, mas repertório
nem tanto, pois o que existia, na época, era música
paraguaia, sertaneja, Bob Nelson e mais tarde, Pedro Raimundo.
O “Quarteto”, com muito orgulho, no fim da II Guerra,
recepcionou, em nome de São Borja, os expedicionários
da Força Expedicionária Brasileira – FEB,
Alício e João Messa, que voltavam da Itália.
Conta ainda que: ele, sua irmã e um guri, amigo de infância,
chamado Falcão, cantaram na Praça, o Hino ao Expedicionário.
Apresentador, na década de 1950, do programa gauchesco
chamado “Porongo de Pedra” na Rádio ZYFZ-Fronteira
do Sul – São Borja. Em 1957, foi vencedor, com uma
valsa de sua autoria, do concurso Gaita de Botão, no famoso
programa “Brim Coringa” da Rádio Farroupilha,
dirigido por Darci Fagundes e pelo poeta-cantor, e mestre da guitarra,
Luiz Meneses. Em 1969 participou do 1º Festival de Música
Regionalista, organizado pela Rádio Gaúcha. Participou
ainda, do filme, “A Lenda do Boitatá”.
Em toda a São Borja, Telmo fez muitos amigos, entre os
quais Cláudio Oraindi Rodrigues, um alegretense inquieto,
cheio de causos e pesquisas de folclore e de História ,que
morava em Nhú-Porã. Recebeu Aparício Silva
Rillo, quando o jovem poeta, recém-casado foi ser contador
dos Pozuecos. Telmo e Rillo ficaram amigos e parceiros de gauchadas,
pescarias, e, principalmente, de inquietações poéticas.
Acabaram fundando o CTG Rodeio dos 7 Povos, em Nhú-Porã.
Rillo escreveu uma peça de teatro, que fez muito sucesso
em Nhú-Porã, em São Borja e em Porto Alegre,
denominada “Domingo no Bolicho”, onde Telmo era ator,
gaiteiro, violeiro e cantor.
O surgimento dos Festivais de Música Nativa, projetaram
Telmo de Lima Freitas, de forma maiúscula. Com seus diletos
amigos Edson Otto e José Antônio Hahn, criou um dos
mais consagrados grupos de arte e cultura nativa que o nosso estado
conheceu. “Os Cantores dos Sete Povos”, que ao longo
de uma dúzia de anos fez com que gravitassem em torno dos
inseparáveis companheiros alguns dos mais consagrados expoentes
da música do nosso pago, desde Nelson Schardong a Carlos
Castillo, Jarbas Pessano, Paulinho Pires, Joãozinho Pereira,
passando por Adão Lamadril, Zé da Gaita, os aplaudidos
irmãos José Luiz e José Carlos Santos, Xuxu
da gaita e Beto Bolo, Heleno e Fátima Gimenez, dentre outros.
Com os “Cantores dos Sete Povos” Telmo teve suas vitoriosas
composições participando ininterruptamente das 11
primeiras edições da Califórnia da Canção
Nativa e de inúmeros outros festivais e apresentou-se nas
principais capitais do país, como Brasília, Salvador,
Rio de Janeiro, São Paulo, etc., tendo constituído
o grupo artístico que representou o Brasil, em 1980, nos
festejos do 3º Centenário de Fundação
da Colônia de Sacramento, no Uruguai.
É dele uma das mais notáveis composições
surgidas ao longo dos 30 anos dos festivais nativistas, a Célebre
Mazurca ESQUILADOR, Calhandra de ouro na 9ª Califórnia
Canção Nativa. e tantas outras, muitas das quais,
tem sido repetitivamente gravadas pelos mais aplaudidos cantores
do Brasil e até de fala espanhola. Vencedor, de inúmeros
festivais, tendo recentemente vencido a 9ª Guyanuba de Sapucaia
do Sul, com a música Fogão à Lenha.
Muitas de suas composições, são consideradas
hoje, clássicos da música gaúcha, entre elas,
Prece ao Minuano. Outras composições, passados vários
anos de seus lançamentos, continuam sendo executadas, como
é o caso, entre outras, de Morena Rosa, Bolicho do Tio
Candinho, Lembranças, Prenda Minha e Primavera de Sonhos,
e tantas outras. Mas é “Retorno” a música,
que, de maneira especial, mexe com seus sentimentos, e, razão
pela qual tem por ela um carinho muito especial, pois foi composta
ao lado de sua mãe, dona Mariana, enquanto esta confeccionava,
talvez uma bombacha, na sua velha máquina de costura, lá
na São Francisco de Borja.
Telmo prossegue, levando sua arte para os mais variados rincões
do Pago e do Brasil, comparecendo esporadicamente a um ou outro
festival musical.
Mas nem só de música viveu Telmo de Lima Freitas.
Desde cedo, sempre teve gosto pelas lides campeiras. Quando guri
fugia para a campanha, com os tios Dango, Santana, Gil, campereando,
especulando, querendo saber tudo: Como se domava um potro, como
se apartava um boi, como se trançava um laço.
Telmo sentou praça, no 2º Regimento João Manoel,
aonde chegou a cabo. Passagem que ele nunca esquece, e, que foi
marco na sua vida. Lá, bem no garrão da fronteira
missioneira, e por isso mesmo, da “Velha Cavalaria do Rio
Grande”, tem “muito pra contar”. Por ser um
exímio campeiro, foi logo apartado para o que no Quartel
chamavam de “Amansa Cavalos” e, como tal, prestou
valiosos serviços ao Exército. Ajeitava os cavalos
caborteiros, e, por bom servidor, tinha permissão para
sair do quartel, com o cavalo encilhado. Naquela época,
teve como seu grande amigo e parceiro, Galeno Fontela que lhe
ensinaria tocar gaita de botão.
Após
dar baixa do Exército, começou a trabalhar na cidade.
Entre outros afazeres, trabalhou nas Casas Pernanbucanas, depois
num outro comércio, como vendedor das tintas gato, que
os mais antigos devem lembrar, pois eram usadas para engraxar
sapatos e botas.
Muito conhecido como tropeiro, pois quem chegasse a São
Borja, para comprar gado bom, era logo recomendado a procurar
o Telmo, conhecedor do ofício, e, homem de toda confiança
para os negócios, e que, juntamente com o compadre e amigo,
Lucas Araújo, intermediava compra de gado, cavalgando por
todo o interior missioneiro. Sempre muito arraigado ás
coisas da terra, seguia amando a paisagem, aprendendo o segredo
dos rios e dos pássaros, dos bichos do campo, mas sobretudo
estudando o homem rural missioneiro, sabendo-se um igual, dono
de seus arcanos, devoto de seu culto pagão.
Foi cortador de arroz, e, chefe de “comparsa”, com
oito peões fortes sob o seu comando, na hora de cortar
o temido “arroz jacaré”, deitado no barro ou
na enxurrada.
Sua fama de bom tropeiro, de bom conhecedor de gado, de ajeitador
de cavalos caborteiros, acabaria levando Telmo para bem longe
da querência. Foi lá pelos idos de 1958, quando foi
para Goiás, como Capataz, para montar e organizar uma Estância
para o Dr. Francisco Laranja, com seu parceiro de sempre, Lucas
Araújo. Devido a problemas de saúde de sua mãe
voltou.
Foi então que deixou o campo, e, resolveu fazer curso de
enfermagem no Rio de Janeiro e, se tornou enfermeiro do SANDÚ,
posteriormente transferido para Porto Alegre, de onde se voluntariou
no Serviço de Prevenção e Repressão
aos Crimes Contra a Fazenda Federal, que viria a ser a nossa Polícia
Federal, onde atuou como Agente Especial e desde 1990, está
aposentado.
Escreveu uma Plaqueta, tipo literatura de cordel, em versos para
os pais, professores e alunos, na sua eterna luta contra as drogas,
que foi editada pela Secretaria de Educação e Cultura
de Cruz Alta, com a experiência do tempo em chefiava a INTERPOL,
quando se tornou uma autoridade no combate a esse flagelo.
Na corporação, sempre foi um funcionário
exemplar, e, é ídolo dos colegas e companheiros,
a ponto de ser o seu nome escolhido para o Galpão Crioulo
da Associação das Policiais Federais do Rio Grande
do Sul, em Porto Alegre.
Ostenta com muito orgulho, o fato de ter sido homenageado, e,
emprestado seu nome para o Galpão do 2º Regimento
João Manoel, em São Borja, unidade onde serviu.
Também, na cidade de Itararé, no interior de São
Paulo, foi alvo de homenagem por uma entidade tradicionalista
que passou a denominar-se Piquete Tradicionalista Gaúcho
Telmo de Lima Freitas.
E foi assim que se fez gaúcho e brasileiro, como um homem
de charqueada, que já salgou o garrão nos saladeiros,
sempre com a faca bem afiada, para defender seus ideais, naturalmente.
Esses ideais que, vem defendendo com maestria, nas cordas do pinho,
nos botões da cordeona, nas muitas composições
que escreveu, e que vai semeando o que colheu nos ensinamentos
do pago. Fronteiriço que é, nunca esquece a querência.
E quando o galo dobra o canto,
O “amargo Santo já” lhe “faz Fiador”.
E fica Ruminando penas
Nas suas “longas novenas de madrugador”.
Homem que conhece todos os caminhos do pago, a sua história,
os seus costumes, o seu código de honra, pelo qual vive,
e morrerá, se preciso. Pela intensidade com que vive suas
emoções podemos dizer que tem o Rio Grande como
coração. É um gaúcho
Atualmente, vive, na companhia de Dona Iara, sua esposa, numa
casa de pedra, em Cachoeirinha, decorada a preceito, com antiguidades
raras que recolhe em suas andanças, onde se nota o bom
gosto do exímio artesão que é. Lá
estão, também: seu violão, sua coleção
de gaitas de botão, seus cadernos com suas músicas
e seus poemas. Tem anexo, um galpão, que chega a ser meio
místico e meio mágico, de tão rústico
e autêntico que é. Lá estão: o seu
cavalo preferido, os seus cachorros companheiros, o cavalete com
seus arreios, sua oficina e sua bancada de trabalho, seus avios
de cozinha onde se diverte, e aos amigos, com os pratos que prepara
com extrema competência, e, é claro, o seu catre
para a sesta. Lá estão, os frutos de seu artesanato,
arte em couro, barro e madeira. Qualquer antigüidade na sua
mão, como que num passe de mágica, se transforma
numa jóia de raro valor. Ali, no seu mundo mágico,
estão seus sonhos campeiros, o seu amor indesmentido ao
pago, a sua vocação de apóstolo, o seu caminho,
e o seu ideal eterno...
Sintetiza sua vida da seguinte maneira:
“Meus Sonhos antigos, hoje realidade, neste pedaço
de chão que estou vivendo, carregando na alma algum remendo
que a vida sersiu, como bem quis; mas ergo a voz missioneira,
mui minha, e grito aos quatro ventos: - Sou Feliz!”.
Assim é: TELMO DE LIMA FREITAS! Um autêntico apóstolo
no que concerne à difusão dos mais profundos valores
ético-culturais do gauchismo.
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