5ª QUADRA - SETEMBRO DE 2000


1. FIM DE TARDE
Autor: Alvandir Oliveira
Intérprete: Alvandir Oliveira
Amadrinhador: João Bittencourt

Fim de tarde . . .
Um vento morno acaricia o pasto
Sem muito esforço, sem pressa.

Nesses ermos fundões de campos
As garças são naus silenciosas
Que carregam sonhos perpétuos
Sobre as sangas preguiçosas.

Bois ao longe inanimados,
Tropilhas mansas sem mexer cabeças,
Visão enfumaçada,
Como paisagens de um retrato antigo

Uma nuvem pacholenta
Enveredada de nortes
Escorrega de mansinho . . .
Pois bem conhece os caminhos
Nesses vazios de tormentas.

Bem ali, compondo o quadro,
Um velhito alambrador,
Sem queixumes, sem reclames,
Esticando os seus arames
Com suas mão de suor.

Indaguei-lhe com respeito
Da dureza do trabalho
Pra quem já é tão gasto !

Ele olhou-me com demora,
Puxou um toco de baio,
E sem se servir de atalho
Abriu sua alma morena
Num palavreado tão lindo,
Que eu sorvia traduzindo
Para os meus entendimentos
- Seu moço . . . o que me pesa
Não é o bruto das chagas
Nem este corpo sem viço,
Mas sim, as lembranças rudes
E este fastio de quietudes
Que deixa amostra os meus medos,
Pois nesse sem fim de alambrados
Cada trama que eu amarro
São contas dos meus segredos.


Já senti o gosto das guerras . . .
Das cargas de espadas e lanças,
De clarins ombreando tebas
Pras batalhas enfurecidas.
Mas não são essas feridas
Que ao mussitar me conforta,
Pois quem traz a alma extraviada
Dos amores verdadeiros,
Esquece o largo dos campos,
De sois, luas e pirilampos,
Pra ruminar desalentos
Na solidão dos potreiros.

Pensei que as marcas do tempo
Me livrassem dos meus medos.
Pensei ter enfrenado alpedo
Os temores das tormentas!
Mas a vida nos dá exemplos
Nos conceitos do Divino
Pois até no peito do taura
Há receio de menino.

Tenho receio dos ventos
Quando eles me mostram sinais. . .

Às vezes vem de mansito
Em outras sobre rajadas
Vai varrendo o arvoredo
Remexendo o penaredo
Armando o maior tendeu.
E com os meus olhos nublados,
Espio, mui desolado,
Que tudo o que ele enrodilha
Leva pros lados do céu.

O frio também traz agouros
Nas melenas entordilhadas . . .

Quando o senhor inverno chega
Com audácias costumeiras,
Vem esgaçando porteiras,
Pois esta é a lei dos senhores !
Vai deixando os campos ermos
Fazendo dos ranchos taperas
Com almas gemendo esperas
Recolhidas em seus louvores
E com punhais bem chairados,
Este andarilho inclemente,
Escreve no peito da gente
Seus manuscritos eternos.

Por isso, meu patrãozinho,
Ao semear moirões, tramas e espinhos,
Nesses fundões de Meu Deus,
Também colho a paz que viceja
Neste meu coração de téu-téu.
Pra quando findar a minha tarde
Esta velha alma, então alada,
Posso voejar sossegada
Pelos mistérios do céu.

E o velhito se foi . . .
Com o porte de um Charrua.
E eu fiquei com a alma nua
Neste saber mais contido.
Que não são como as vaidades,
E sim, curando feridas,
Que galoparemos verdades
Pelos mistérios da vida.

2 . CANTADOR DAS SESMARIAS
Autor: Pedro Darci de Oliveira
Intérprete: Érico Bastos
Amadrinhadores: Chico Saga: Violão
Cláudio Martins: Gaita de Botão

A Dalva desperta o dia
Que adormeceu na lagoa.
Os seus olhos preguiçosos
Avermelhados de sono,
Vão demarcar os limites
Das águas e do infinito,
Onde um João Grande, solito
Segura o final de outono.

As lágrimas do sereno
Brilham nas hastes dos juncos,
Como vidrilhos da noite
Que perderam a razão.
Uma marreca piadeira
Mistura sinais de vida
Que passam despercebidas
Entre as flexilhas do chão.

Não sei porque remontei
O mesmo canto de outrora
Nos acordes desta aurora
Sonorizando a manhã,
Quando a Dalva escondida
Na goela de uma cigarra,
Imitava um contraponto
Como o namoro das rãs.

Aqui nasceu um costeiro,
Com misto de pantaneiro
E sangue do litoral ...

Não tinha ponta difícil
E sabia o chão que pisava
Desde a Caverna do Uivo
Ao Canhadão do Enterrado...
Se criou pelos banhados
Dos costados da lagoa,
E tinha aprendido o gosto
Com seu avô... já finado.

Quem faz da noite seu mundo
Tem os astros nos braseiros,
E o cintilar do luzeiro
No picumã de um tição.
Os mates remontam causos
De cada alma estradeira,
Mirando a estrela boieira
Rondar o fogo de chão.

Tudo era seu, e não era
Se pra servir um vivente.
O Gica era diferente
De tudo o que já se viu,
Pra ele a vida era a farra
De uma carpeta de truco,
E o resto... é resto e dá lucro
Nos bailes de rancherio.

Por muitas vezes tentei
Ser um ás nesse baralho,
Onde a manilha de espada
Esquenta as costas de um rei.
Mas entrava nas apostas
Sempre de rédea aparada,
E eram cartas marcadas
As flores que não cantei.

Croaldo Souza Amaral,
Lembra dele? . . . Ah! Se lembro . . .
Lá pelo fim de dezembro
Quando o natal vai-se embora,
Se ouvia o som de uma viola
No compasso de um legüero,
E um “tipi” ”, alto e campeiro
Levando a noite pra fora.
Não era um Terno de Reis
Se o Gica não viesse junto.

Dava gosto de se ver
Em desafio contra os grilos,
Cada um no seu estilo,
No seu modo de cantar.

- Porta aberta. Luz acesa...

“O vovô Gica chegou.”
Entrava rumo ao presépio
Pra saudar Jesus nascido,
E anunciar aos mais descrentes
Que Cristo estava presente,
Para guiar seu rebanho
Como havia prometido.

E assim cruzou a querência
Anunciando a boa nova
Qual mensageiro de Deus

Porém o tempo velhaco
Às vezes, sem mais nem menos,
Sem usar qualquer critério,
Escolhe o seu favorito.

E numa destas o Gica
Foi pego desprevenido...
Mas só cambiou de querência,
Ainda é o mesmo gaúcho
Nas sesmarias do céu.

Hoje, quando esta lagoa
Se encrespa num alvoroço,
É ele dando um abraço
No jardim do seu amor.
E um novo Terno de Reis
Contraponteia com os grilos
É o Gica, o Jaime e o Rillo
CANTANDO UM CANTO DE FLOR.


3 . DÉCIMA INCONCLUSA AOS RECUERDOS
Autor: Moisés Silveira de Menezes
Intérprete: Valdemar Camargo
Amadrinhador: Carlos Catuípe

Confrades de rimas rudes,
Tupã foi berço divino
Pra quem aprendeu a cantar
Com claves de vento e rio
Pois, a Mãe de Deus abençoou
As águas do Toropi
Meu rio irmão peregrino
Que serpenteia na serra
Pra se espraiar vagaroso
Pelo verdor dos varzedos.

Irmandade combatente
De noitadas mal dormidas
Onde as guitarras assombram
Os fantasmas que trazemos
E o poema toma forma
Do coração do cantor;
Peço permisso e tenência
Pra o verso sem pretensão
Que vem com cheiro de poeira
De tanto cortar estradas.

O amor desenfreado
Acendrado, impregnado
No corpo e alma da gente
Pelo verso de tiro largo
Nos fez assim, companheiros
Irmãos de noites insones,
Das horas boas e tristes
Se é que existe tristeza
Pra quem canta de alma aberta,
Alpedo, empilhando rimas.

Quando o passado desfila
No potreiro das lembranças
Um corolário de imagens
Vem adornar a existência.
Uma silhueta brejeira
Com crespos em desalinho
Habita pelos recuerdos,
Como se fosse um fantasma
Que em brumas envolto vem
Inquietar as madrugadas.

Malabruja, um mouro negro
Calçado nas quatro patas
Frente aberta, marchador
Me traz imagens distantes
De campo, gado e mangueira
Sem olvidar os passeios
Ao trote sem muito alarde
Quando em pilchas de domingo
Rumbeava ao rumo do povo
Negaceando algum romance.

Talhada aos cinzéis dos ventos
No topo de um plaino grande,
A cidade donde eu vim
Que vista assim de relance
Nos dá ligeira impressão
Do tempo não ter andado.
Engano, são fantasias
Quem chega é sempre um menino,
Quem parte, um homem curtido
Pelos repechos da estrada.

Nas ruazinhas estreitas
Parece ainda viverem
Incontáveis personagens
Que me povoaram a infância.
Um louco trançando notas
Num canto de rimas pobres,
Um andarilho, um ginete
E um gaiteiro repontando
Uns casais desparceirados
Na casa da “carreteira”.

Num bolicho de arrabalde
De variado sortimento
Um rádio marca “Mundial”
Entretinha a parceria,
Com toadas e milongas
Entre chiados e reclames.
Vez por outra um trovador
Desencordoava da idéia
Um versejar bochincheiro
Numa sextilha campeira.

Nas horas lentas do mate
A tropilha dos recuerdos
Vem pastar a tenra grama
Dos varzedos interiores.
O poema brota rindo
Como vertente de cerro,
Como cascata de arroio,
Para encerrar no piquete
Essa potrada gaviona
Que dispersou-se a lo largo.

Bem mais tarde, sol se pondo,
Chegada à boca da noite,
As sombras fazem do rancho
Uma ode à solidão.
Volto dos longes que andei
Em meio ao canto dos grilos,
Tento cerrar esse poema
Nessa décima inconclusa
Deixando aberta a porteira
Para os recuerdos voltarem


4 . UM SALMO A CRUZ DA SAUDADE
Autor: Luis Lopes de Souza
Intérprete: Joel Capeletti
Amadrinhador: Henrique Scholz – Violão
Laudemir Benkenftein - Serrote

O vento sola milongas
Em monótonos rituais,
Num salmodiar aos que passam
No rumo do nunca mais. . .

A querência despertava
Da sensação de abandono,
Com o clarim do relincho
De um tostado malacara
Confidente de seu dono. . .

No fascínio centenário por taquapí e porongo,
Um velhito tapejara
Alquebrado no umbral,
Fazia a estática ronda
No além da estrada real. . .

Rangendo bruacas passavam birivas
Cor neutra nos lenços, chapéus desabados
Na rota longínqua de idas tropeadas,
Na escolta da perna um facão de dois palmos
Templando nas forjas da Grã-Sorocaba.
Por certo um cargueiro levava saudade
Mesclado ao tangido de um férreo versejo,
Que a égua madrinha tirava insistente
Da pauta andarenga de um velho cincerro. . .

No arqueado das juntas passavam carretas
Gemendo cambotas em rude charanga,
Regeira sovada de orelha e canzil
Sulcando uma mossa na curva da canga.
E por sobrecarga levavam saudade
Nos bojos dormidos de fartos surrões,
No eco do grito do audaz carreteiro
E no agudo lamento dos eixos chorões. . .

Mas . . . entre os tantos que passaram
Com nômade anseio de achar outro rumo
O tempo, também passou
Com vigor varonil e arcaicas razões,
Zombando, arrogueiro descambou à distância
Com épica ânsia de vãs mutações. . .

Hoje. . .
Do velhito tapejara
Alquebrado no umbral,
Passam tropas de saudades
No além da estrada real.

Num tapume derruindo
Onde fora o quintalejo,
Resta uma cruz já caindo
No anonimato das eras,
Num bamburral de daninhas
Que medram pela tapera. . .

Na inerte silhueta
Que mistifica a cruz
Há o perfil de um tapejara,
De braços escancarados
Pra romanesca querência,
Como implorando aos andantes
Um tapear de abas, um responso,
Ou um salmo improvisado
Na mais tosca reverência. . .

O vento sola milongas
Em monótonos rituais,
Num salmodiar aos que passam
No rumo do nunca mais. . .

. . . Um tostado malacara
Grameia perto da cruz,
Clinudo, lerdo, estropiado,
Marasmando as invernias
Já sem forças pra o entorno.
Resta o clarim do relincho
Como um másculo soluço
Por saudade do seu dono. . . !


5 . SAGA
Autor: Colmar Pereira Duarte
Intérprete: Cássia Machado
Amadrinhador: Valdir Verona

Um pouco a pé,
Um pouco nas carretas,
Cheguei até aqui com os pioneiros
Vim desbravar um chão desconhecido.
Terra selvagem; mapa dividido
Cortando a América, de sul a norte
(Pobres despojos da caça abatida
que a avidez de Algarve e de Castela,
a dente e garra, repartia em dois).

Depois. . .
Os ranchos de barro e taquara,
Quincha de Santa Fé – casa e trincheira –
E os palanques cravados no chão novo
- Marcos de posse, sinais de conquista.
As labaredas dos fogões ao vento,
Drapejando no ar novas bandeiras,
Nessas planuras de perder de vista.

Num orago
A imagem protetora
Trazida de além-mar – santa e padroeira-
Aos pés da qual rezei
Quando as estrelas
Punham velas no altar do fim do dia.

Plantei a terra aberta pela enxada
Pra o milagre do sonho e da semente.
Dei ternura e amor ao meu marido;
Povoei com filhos a terra abençoada.
Partejei como os bugres meus filhotes.
Cada macha nascido
Outro gaúcho,
Um ginete, uma lança, uma outra espada!

Cada fêmea arrancada do meu ventre
Outra esquecida, nessa luta inglória
De ser mulher no amanhecer da história
Escrita pelos homens, simplesmente.
Fui mulher e fui mãe,
Fui curandeira.
Fiz promessas, chorei,
Benzi tormentas;
Aprendi rezas pra amansar a morte;
Cantei cantigas e curei feridas.

Com pão e vinho celebrei a vida
Com os olhos no céu
Tracei meu norte.

Com mil cruzes
Pontuei o meu passado
Ao enterrar os mortos pelas guerras
Que mudaram fronteiras e tratados.

Na saga que vivi no Continente,
Se nome tive algum foi Ana Terra.
Pois, como Anita, andei fazendo guerra,
Mas não abandonei a minha gente
Que fez deste rincão pátria e querência.
Pra viver aqui o tempo inteiro,
Anônima trilhei o meu calvário
E desprezei o amor de Garibaldi
Para ser mulher de Pedro Missioneiro.

As lágrimas verteram meu desgosto,
Mas o sorriso iluminou meu rosto
Para o amor que das penas nos redime.

Nas tempestades
Que enfrentei na vida,
Se me vergaram ventos, eu fui vime;
Permaneci em pé sem ser vencida.

Busco há duzentos anos o horizonte,
Lutando sempre contra o preconceito
De ser mulher e de sentir no peito
Amor por essa terra que é tão minha,
Porque as vidas
Vivi – todas que tinha –
Pra conquistá-la
E ter esse direito!


6 . A DOMA
Autor: Telmo de Lima Freitas
Intérprete: João Lori de Abreu
Amadrinhadores: Ana freitas e
Telmo de Lima Freitas

A lua foi testemunha,
Já quase clareando o dia,
O redomão Ventania
Não aceitou o baixeiro.
Bufou ao sentir o cheiro
Das garras do domador,
Num jeito provocador
Se parou “embodocado”
E quando foi apertado
Saiu semeando pavor.

Depois que as coisas chegaram
Aos seus devidos lugares,
Saltava grama pra os ares
No compasso da “soiteira”,
É lindo ouvir a zoeira
De um ginete que se agarra
E, pra completar a farra
Um “pi bi bi ú hu hu “
E o rabo de tatu
Num floreio de chamarra.

Pois bem, agora sou eu
Que te convido, gateado,
Tu me tiraste apurado
Com o primeiro “corcovo”,
Com esta tunda te provo
Que leva por merecer,
Quero fazer tu perder
Esse teu jeitão de louco
Porque senão, daqui um pouco,
Tu periga me vencer.

Dava gosto ouvir a prosa
Do ginete conversando
E o ventena se apoucando,
Num repasso de chilena,
Se terminou o pavena,
Metido a bicho-papão,
Quando voltou pra o galpão
Não era o mesmo gateado,
Tranqueando devirilhado,
Quase de rédea no chão.

Cavalo, às vezes precisa
Levar algum corretivo
O instinto primitivo
Insiste em libertá-lo,
É por isso que o cavalo,
Desde o primeiro floreio
Precisa levar um costeio,
Fincar-lhe num pau-de-arrasto,
Depois, em baixo do basto
Ele conhece o arreio.

Gosto que o potro conheça
O assobio de macaco,
Por mais que seja velhaco,
Cheio de baldas e manhas,
Acostumado co’as ganhas,
Metido a corcoveador,
Às vezes, manoteador,
Sem perder uma parada,
Cada dia, uma encilhada,
Obedece ao domador.

Primeira sova, segunda,
Depois, cavalo de freio,
Que na quina de um rodeio,
Ganha medalha de ouro,
Flor de cavalo, de estouro,
Bom de rédea e fachudaço,
Sabe encostar pra um abraço,
Sabe fazer galanteio,
Quando chega num jardeio,
Ensina a atirar o laço.

As prendas gostam demais
De ver o seu pretendente,
Quando chega sorridente,
Numa manhã de domingo,
Montado naquele pingo,
Enfrenado com capricho,
Quando passa no bolicho
Ele redobra o entono
Porque sabe que o seu dono
Vai rever o seu cambicho.

Conhecimento na doma,
Coragem e habilidade,
Com toda a modernidade
Servirão de ensinamentos,
O velho laço nos tentos,
Poncho emalado e chapéu,
Cabresto forte e sovéu
Serão o seu passaporte
Pra aquele que tiver sorte
De apear na porta do céu


7 . QUEM DEIXA A ALMA TAPERA NÃO DISTANCIA A SAUDADE
Autor: Loresoni Barbosa
Intérprete: Loresoni Barbosa
Amadrinhador: Valdir Verona

Poeira do corredor,
Ensimesmadas coplas ao vento,
Anseios no semblante estradeiro
E uma tropilha de sonhos
Manoteando os pensamentos.
São assim, quando se vão
Os campeiros desatinados,
Deixando o rumo das casas
Em busca d’outros valores.

Os olhares cobiçosos
Desses moços da campanha
Vão engolindo as estradas,
Cambiando o calor da estância
Pela ilusão das calçadas.
Campos, prados e grotas,
Ficam no rastro das botas
E no olhar dos retirantes
Que rasgam os horizontes
Em busca de melhor sorte.

Vão-se os campeiros,
Degustando a poeira dos corredores!
Ficam as taperas,
Abrigando a alma dos campeadores!

Enfim, a cidade
E os olhos pasmos saltam das faces
Numa expressão de surpresa
- Que emudece e assusta –
São léguas e léguas de metrópoles,
São retesados e frios
Os que compõem esta paisagem insólita.

La maula! ... No campo, a lida era bruta,
Pincelada de chuvas, frios e mormaços,
Mas, temperaram feito aço
Ginetes, tropeiros, guasqueiros e esquiladores.
Que pena! A ferrugem do passar dos anos,
Foi correndo a memória
E a altivez desses tauras . . .

Hoje, as mesmas pernas
Que tremulavam nos potros
Entre alvoroços e domas
E os mesmos braços que ampararam laços
E vestiram velos pra iludir tesouras
São aliados a insensatez
De desmembrar as estradas.

Ah! Campeiros, por que fraquejaram?
Por que não ficaram sonhando
Com este mundo de muros, mas longe dos rumos
Que os levaram e embretaram
Entre os luzeiros comprados
E a escuridão das favelas.

São confusos os horários da cidade,
São furiosos os trens desta metrópole
E até parecem o boitatá raivoso
Rasgando a cidade em quatro,
Engolindo homens nas tocas
Cuspindo outros no rastro,
Ora entranhado na terra,
Ora varando viadutos.

E os campeiros ? . . .
Onde estarão os campeiros ?
Os que outrora repontaram sonhos,
Hoje, repontam saudades,
Fazendo da vida, duras vigas,
Dependurados no pico
De algum abismo aprumado,
Fitando ao longe, abismados
As tropas tão alinhadas
No invernadão de concreto.
De dia constroem prédios. . .
À noite escoram barracos.

Eis o perfil desses campeiros atuais:
Pealando sonhos sem patas,
Laçando esperanças mochas,
Embuçalando a realidade troncha e amarga,
A campear pelos campos asfaltados
Rastros das almas gavionas.

- Que almas, senhores ?
Se elas, de a muito ficaram
Campeando sonhos alçados
Pelas taperas caladas . . .
- De que valem estas noites de luzeiro
Se o amanhecer é uma cambona tisnada . . .

-Quando clarearem seus olhos
Tomem por rumo a boieira,
Degustem no más a poeira
Repontando seus sonhos pobres.
Deixem tapera os barracos
E voltem pro’s seus valores!
Aqui tem cheiro de pasto,
Tropilhas pedindo basto
E pouso pros campeadores.


8 . TRANSCENDÊNCIA ATEMPORAL EQÜINA
- LEMBRANÇAS E LAMENTOS DE UM CAVALO -

Autor: Guilherme Collares
Intérprete: Francisco Azambuja
Amadrinhador: Guilherme Collares

Nasceu e morreu cavalo. . .
. . . E várias vezes veio a nascer. . .
. . . Viver. . . e morrer cavalo. . .

Era península Ibérica
- Flor de Espanha em sua estampa -
Numa carga contra os mouros. . .
. . . Lança, espada e cimitarra. . .
. . . O corcel de um cavaleiro rodou, ferido de morte. . .
. . . Menos mal que o escudeiro andava bem-a-cavalo
- Num flete tordilho-negro, menestrel de Andaluzia -
Sacou seu senhor na anca. . . pra’os rumos de Salamanca. . .
. . . Como se fosse um Rei Mago seguindo uma Estrela-Guia. . .
Foi esse mesmo cavalo que, ao comando de seu dono,
Não veio a perder o entono. . . atropelando gigantes. . .
Traído pelo reflexo das pás ao sol. . . do moinho. . .
. . . Caiu, ferido na testa. . . sem rumo e na mesma cancha
Que tombou o tal Quixote. . . que vinha desde La Mancha. . .

E ainda assim sua sina
Era nascer. . . crescer. . . viver. . .
. . . E tornar a morrer cavalo. . .

Mirava – da baia escura –
Por minúscula escotilha do galeão que o trazia,
A imensidade vazia daquele Atlântico Oceano. . .
. . . E o esforço sobre-humano obrigando a buscar terras
- expandindo o território da América que nascia. . .
. . . O cavalo para a guerra
Era um sol iluminando
As sombras da noite fria. . .

E brigou no Novo Mundo. . .
. . . O povo Asteca o cultuava. . . e a nação Inca corria. . .
. . . De medo daquele monstro
- Nunca visto nestas terras –
Que aquela “gente barbuda” montava nas correrias. . .

Veio, enfim, o seu descanso,
Quando esta terra morena acolheu os buenos pingos
- Escapados das batalhas.
Foram crescendo as manadas
- Selvagens em sua essência –
Douradas a sóis e ausências de dono, leis e obediência. . .
. . . Sem ter mais rumo e tenência
Que o vento da pampa grande
No desalinho das crinas. . .

Porém DEUS, que tudo sabe. . . de Seu trono onipotente
- De há muito tempo passado – já havia determinado:
“- Cavalo, te pus no mundo para que ajudes meus filhos
A cumprir como todo empenho as tarefas que lhes dei ! ”

Foram nascendo as estâncias . . .
. . . E o dia-a-dia na lida de pechar touros nas grotas. . .
. . .De ser nau sob as cambotas de tropeiros e teatinos. . .
. . .De compor fração andante dos centauros deste chão.
Quem tinha um pingo sabia ser este, a maior valia
- A mais preciosa iguaria que um taura tinha na mão. . .

Foram crescendo as cidades. . .
. . .Mudando as necessidades. . .
. . .Transformando-se as verdades. . .
À medida que o progresso ia encurtando as distâncias,
Morreram, no rumo, as ânsias de tropas e comitivas. . .
. . . Os pingos perderam tronos para a indústria automotiva. . .

Ainda assim seguia nascendo. . .
. . . Vivendo. . . morrendo. . .
. . . E sofrendo como cavalo . . .

Até que, um dia, este flete
- Os cascos na pedra dura -
Carroceando as incertezas nas misérias de uma vila,
Foi vendido pra’o “salame” . . .
. . . E embora não contivesse a pura indignação,
Topou a morte de frente . . .
. . . Cansado. . . triste. . . impotente . . .
Com um fio de sangue pingente do “redemunho” da testa . . .
. . . Desencarnou afinal . . .
. . . Mas como ainda era crente
E temente ao seu Senhor . . .
. . . Pediu pra falar com DEUS . . .

“ - Senhor meu DEUS dos Cavalos:
Não me queixo nem me nego
A cumprir vossa vontade . . .
. . . De ajudar a humanidade
No trabalho e no lazer . . .
Mas vos pergunto, em verdade,
Que sina temos, que o homem,
Nos cause tanta tristeza,
Sentindo tanto prazer ? “

“ - Senhor meu DEUS dos Cavalos:
Eu vos peço e vos reclamo
Que esta dita raça humana reconheça o que vos falo:
O homem com suas ciências . . .
. . . Sua bendita inteligência . . . adota a forma da besta
Mais vil, cruel e insensível que o mais maula dos cavalos !

“– Senhor meu DEUS dos Cavalos:
Eu vos suplico, em final. . .
. . . Derrama tua divindade . . .
. . . Semeando, na humanidade, o respeito e a bondade. . .
. . . Na convivência terrena entre homem e animal ! . . .


9 . RELATO DE CAMPO E MAR
Autor: Nenito Sarturi
Intérprete: Paulo Ricardo dos Santos
Amadrinhador: Clóvis Mendes

O temporal foi se armando
Lá pras bandas do poente,
Arregimentando os ventos
E entropilhando as nuvens
Que até então, emolduravam
O céu, pendendo a escarlate.

O pescador e seu filho
- Um gurizote franzino
Mas de olhar penetrante,
Esperto e já “veterano”
No ofício que deu-lhe o pai
Foram recolhendo as tralhas
Pra dentro do barco tosco
(Sua lida e ganha-pão).

“- Vê se te apressa, Juvêncio,
Não vê que vem se formando
Um pé-de-vento violento
Que, se nos pega de jeito,
Nos arrasta mar adentro ?

- Vamos, guri, não te achica
Que hoje as águas já nos deram
O que tinham que nos dar !
Tua mãe já ta preocupada
E, garanto, atarantada,
Por certo está a rezar.“

O gurizito, obediente,
Foi se aprumando, contente,
Içando as velas surradas,
Deitando os remos nas ondas
Que cresciam, num repente.
Na proa o velho Laureano,
Com a fibra de campechano,
Dava de mão em suas redes
Com alguns peixes minguados
Que “inda” lograram pescar.

Enquanto o barco guapeava
Peleando, entre as fortes vagas,
O piazito imaginava
Como seriam as plagas
Que ouvira o pai comentar.

Como seriam os campos,
Planícies e pradarias
De onde, um dia, como tantos
Cercados de desencantos
Seus pais ousaram partir ? . . .

No casebre litorâneo
Crescera, em meio à labuta,
Sob o signo da luta,
Curtido de areia e sóis.

Sentindo a brisa, por gosto,
Fora “templando” seu rosto
Nas maresias de agosto,
Contemplando os arrebóis !

E, entre magoas e alegrias,
Os pincéis da fantasia
Pintaram – com maestria –
A inquietude de seus dias
Entre espinhéis e anzóis.

Em meio a contos e cantos
De domas, de gineteadas,
De tropas, de carreiradas,
Peleias e outras façanhas
Fora crescendo o piazito . . .
A questionar-se, solito
Como seria esse “mundo”
Além daquelas montanhas ? . . .

Quando no catre, contrito,
Um pensamento esquisito
Tomava forma, insistente,
E se alojava, inclemente,
Nos confins de sua mente
Para depois florescer . . .

Tanto foi que, certa feita,
Depois de noites e noites
De insônias e de açoites,
De refletir e sonhar,
Num esforço sobre-humano
Chamou o velho Laureano,
A velha mãe Ambrosina
E, num jeito respeitoso,
Aquele filho zeloso
Passou a confidenciar.

Contou-lhes o que lhe ia
No fundo do coração:
Que também tinha vontade
De sorver a liberdade,
Qual ave de arribação . . .
De buscar outras paragens,
Beber do mel das paisagens
Que ouvia o pai descrever.

A mãe velha ouviu, paciente,
Todo o relato sentido
E, num gesto comovido,
Beijou o filho, silente,
Enquanto o pranto latente
Rolou no rosto sofrido.

E o velho Laureano, taura
Que enfrentou tantas refregas
Negaceando os desenganos,
Juntou, da névoa dos anos,
A força pra não chorar.
Abraçou o rapazote
E, quando apontou-lhe o Norte,
Teve ainda a fidalguia
Daquele filho abençoar:

“ – Vai com Deus, filho querido,
Rebenta teus aramados,
Em busca dos descampados,
Das várzeas e coxilhões;
Vai em busca dos rincões,
Furnas, peraus e grotões
Dos quais eu e tua mãe
Não esquecemos jamais . . .

Quanto a nós . . . cá ficaremos
Em meio a barcos e remos
Pois o galope dos anos,
Que atropelou nossos planos
E nos branqueou as melenas,
Nos deus as águas serenas
Da paz, do amor, da verdade.

Mas ouve nossos apelos:
Leva em teus “magros” peçuelos
- Repletos de mocidade –
Um municio de paciência
Para abrandar a ansiedade
E entrega àquela Querência
A nossa grande SAUDADE ! . .


10 . RECUERDOS AO PÉ DO FOGO
Autor: Jadir Oliveira
Intérprete: Antônio Barbosa
Amadrinhador: José Ronaldo Halfen

Mais uma noite campeira,
Chega encostando os gravetos
No velho fogo crioulo
Que acendi no meu galpão.
E ali, por detrás do cerro,
A tocha rubra do sol
Vai dando buenas pra o pago;
Se despedindo pachola;
Vai aquecer outros pagos,
Do outro lado do mundo.

Cala-se a voz da cigarra
Cantora das tardes buenas
Dando uma vaza pra o grilo
Que chega pedindo cancha,
Abrindo alma e garganta,
Cantando pra o vaga-lume
Velho andarengo noturno;
Que vai bordando as canhadas
Trazendo um pouco de vida,
Para a noite cor de breu.

Enquanto corre o amargo
Um velhito conta estórias
Sobre os mistérios da noite.
Causos de bruxas, fantasmas,
Assombrações, lobisomem,
Da grande cobra de fogo
Que vaga pelas taperas,
Protegendo algum tesouro
Que algum antigo escondeu;
Mas bueno.
Para um campeiro
Que passa os dias domando,
Quebrando queixos de potros,
Tosquiando crinas, castrando,
E volta ao galpão, cansado,
Seco por um mate amargo,
O que pode a noite trazer ?

Ah! . . . Pode trazer mil recuerdos,
Saudades de um tempo antigo,
Que vem na água do mate,
No picumã das paredes,
Nos acordes da guitarra,
Que me faz voltar no tempo,
E entrar no tempo da infância
Galopeando rédeas soltas,
No meu cavalo de pau.

Me lembro . . . naquele tempo
Quando ainda era guri,
A noite já me encantava.
Me recordo, quantas vezes
Sentado na pedra grande
Que tinha ao lado do rancho,
Ficava contando estrelas.
E a cada noite, mais uma,
Vinha aumentar minha conta
De faz de conta de piá.

Recordo . . . das noites quentes,
No lombo de uma coxilha,
Eu pegava vaga-lumes.
E depois voltava ao rancho
E soltava no santa fé.
Pois, nos meus sonhos de menino
Que nunca fora no povo,
Na sua doce ilusão,
Criava a própria cidade
Sobre a quincha do galpão.
Ah! . . . Meus tempos de criança,
Que bom pudessem voltar.
Acendo outra vez o pito,
Encosto mais um tição,
Dou uma encilhada no amargo,
Para endoçar as lembranças.

Quando o dia amanhecer,
Recomeça o alvoroço
E a dura lida do peão,
Que empresta a força ao trabalho
Na espera que finde o dia,
Pra de novo junto às brasas,
Galopear recordações
No lombo de uma saudade
Enfrenada pela noite,
Na estância do coração.


11 - CANTO A UM IRMÃO DE IDEÁRIO
Autor Moisés Silveira de Menezes
Intérprete: Valter Vieira Ribeiro
Amadrinhador: Carlos Cattuípe

Meu Irmão de Rimas livres
permisso pede o cantor
para opinando saudar
terra dos ancestrais
pois, provinciano é meu canto
que brota como vertente
pelas encostas dos cerros
coxílias, campos e arroios
onde um reduto de bravos
faz verso por teimosia.

quando um verso alça a perna
no lombo da fantasia
carrega trezentos anos
de entreveros e patriadas,
escaramuças fronteiras,
masculina confraria
que se forjou de a cavalo
e faz de mim sonhador,
que tal um “chicho” andarilho
buscando um lenço encarnado.

A bandeira maragata
vinda dos plainos da Ibéria
prá drapejar no pescoço
dos bravos de Gumercindo
Uniu guerreiros bilingües
sob ideais igualitários,
concedeu-me identidade
e aura de libertário,
pois, “o rincão donde eu venho
sabe o que herdei de meu pai

O tempo parou rodeio,
velhas garruchas cruzadas
simbolizam paz na Pampa.
Ensarrilharam-se as armas
depois da última carga
no Seival em 26.
Arados sulcam os campos
“Ouro do rio, o arroz é sol, o arroz é rio”,
cantam as várzeas costeiras
em louvor ao suor do peão.

Das barrancas do Rio Uruguai
viste o peão, rumo do nada
retirar-se derrotado
ante o ronco dos tratores.
Esse mesmo peão campeiro
que no vagar da gaiota
foi descobrir já mui tarde
que a propalada igualdade
não passa pelo barraco
na viela da vila pobre.

Sobrevive só nos poemas
a mítica personagem
que sovou potros e arreios
riscando o lombo da história
e moldou nos bate-cascos
um Rio Grande romanesco.
Mas, o presente sem brilho
Nos olhos tristes da china
Por cento vai nos legar,
Um amanhã sem tapejaras.

Perdoa se divaguei
Nesse poema que é só teu.
Pesou-me o poncho molhado
Por intempéries da estrada.
Se o boi é bicho, também sou
mas sob o couro, a alma de poeta,
respeita o boi e o peão tropeiro,
ambos são frutos dessa vida rude
que os faz irmão
por vocação e ofício.

Meu irmão, cerro esse poema
Invocando os céus em prece
Sob a Gran-Cruz de Lorena.
Que São Francisco de Borja
Te ilumine vida e verso
E tua lua andarenga
Entre tantas outras luas
No céu das tuas visões
Continua vida afora
Andalunando contigo.


CORAÇÃO GAUDÉRIO
Melhor Poesia – Sesmaria da Poesia Estudantil
Autora: Vera Lúcia Becker Klein
Intérprete: Silvana da Rocha Kanoff
Amadrinhador: Cássio Ricardo

Ao longe ponteia as cordas
O Tocador de violão
E em cada nota que soa
Algumas lágrimas vão
E esta história se faz
Sem rédeas na mão

Contava o mulato velho
Causos de um coração gaudério
De amor e paixão
Ouvia quem por ali passava
Via o mate e não hesitava
Ao derredor sentava pra escutar com atenção

Pois contava,
Encaixava versos de tamanha perfeição
Penso que até Jaime Caetano Braun
De lá onde está
Vá se interessar e se orgulhar do negro
Que até dormindo faz versos a rimar

E teve quem visse naqueles versos
Brotados com o anoitecer
Sua história acontecer
E assim lembraria
Da prenda linda por natureza
Que não se deixa esquecer

E eu, gaúcho criado guapo
Não me pude conter
Fingia não ver
Mas o negro, o que tinha de pobre
Sobrava de experiente
E naquela noite, num repente
Me vi naqueles versos
Como se virasse do avesso o coração que carrego
E apontasse ali naquele fogo de chão
Minha vida que até então
Não pude esquecer

Dizia o negro meio no trago
Que existia no pago
Um moço de coração calejado
Apaixonado por prenda lindaça
Daquelas que não se esquece

Porque até quem é bravo padece
Ao jeito dessa morena
De pele alva, cintura pequena
Olhos de amarelo, lábios de mel
De flor no cabelo, toque cruel

Lá se ia o negro velho cantando
Que a gaúcha demasiado linda
Pelo peão se encantara
Que aquele amor completara
Feito o acordeão e a viola

E quem os visse num chamamé parava
Porque tão certa era a marca
Que podia sentar e olhar
Pareciam flutuar
De tão suave que bailava

Perpassava a fumaça pelos caibros do galpão
E o negro velho continuava a rimar
Amor e solidão
Ia então dizendo agora
Do sabor do mel campeiro
Que tinha aquela boca faceira
Que só traz saudades

Que sem dó nem piedade
Fazia lembrar o doce amargo
De estar naqueles braços
Banhado de aconchego
Aquecido como água para o mate
Tirando a liberdade
De quem não domina um sentimento

Eu que me vi naqueles versos narrados
Interrompi dizendo nos mesmos versos grilados
Que se destinou em nossas vidas
Estarmos separados
Ir um pra cada lado
Vivermos de lembranças
Pensar em casamento, viver um lamento,
Imaginar crianças

O motivo, não sei porque
Não me faz crer
Que este amor maior que meu Rio Grande
Se mande embora sem nem ter hora
Nem pedir permissão
Vai entrando de contramão
Invade minha mente
Me deixa impaciente

Ela é nova, eu moço
Sei que me espera pra vivermos o reencontro
E hoje aqui no retoco
Me faz outro quando escuto
Nesses versos remendar
O que é um peão nessa vida sem amar
Vive de ilusão
Se esvai o pensamento como fumaça em galpão

Agora digo sem medo de errar
Que assim como fizeram meus antepassados
Hei de pegar o meu pingo
E voltear pr’outros lados
Nem que precise cruzar fronteiras,
Atravessar estâncias
Visto meu pala, me vou
Busco minha prenda sem relevância

Campo afora se apontando a alvorada
O tocador se terminava à luz do candeeiro
E ia dizendo:
Escute este negro velho
Eu te aconselho moço valente
Pega o teu pingo e vá a galope, contente
Quem sabe não te espera pilchada
Tua prenda amada pra bailar o chamamé

Enxugo as lágrimas
Me vou em contento
Dou de rédeas na estrada
Já me imagino lá correndo
De encontro a seus braços

Sem pensar no tempo passado
E viver o que virá
Pra depois contar como que de riso aos piá
E junto lhes ensinar
A lição que aprendi:
Nessa vida só se é feliz
De verdade com que se quer.

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