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26ª QUADRA - SETEMBRO DE 2024

 

1. Oração do poeta
Autor: Cândido Brasil
Declamador: Cândido Brasil
Amadrinhador:
Matheus Fernandes

Em nome da pauta, da pena do poeta,
da mente inquieta e da alma incauta,
do real e além, do verbo e do canto,
do Espírito Santo da Poesia, Amém!

Oh! Pai nosso que estás
no céu pleno de poesia
dai-nos alento e paz
com a lírica energia
da tua benção capaz
nos poemas de cada dia.

Que seja santificado
o vosso nome bendito,
em estrofes decantado
por menestrel erudito,
com fonema consagrado
em versículo escrito.

Chegue a nós teu reino santo
de letra e acolhimento,
com salmo e acalanto,
canção de ninar ao vento,
literatura e canto
conforme o merecimento.

Seja feita tua vontade
nas estâncias deste plano,
com rosários de bondade
e soneto parnasiano,
ritmo e sonoridade
em vocabulário sano.

Dai-nos o pão em cada dia,
por vossa consagração,
que seja eucaristia
poesia em comunhão
em bendita liturgia
de nota, rima e canção.

Perdoai nossas ofensas
nos ajudando a perdoar
quem oferta indiferenças
à leitura e ao criar
e a gramática das crenças
conjugue o verbo amar.

Não nos deixe fraquejar
ou cair em tentação,
que saibamos pontuar
a razão com a emoção
e teu hino declamar
no altar do coração.

Livrai-nos de todo mal
que venha ferir a poética,
oriente nossa moral
pela cátedra da ética
e a musa espiritual
ornamente a estética.

Que tua benção paternal
nos dê visão e coragem
de pontuar em recital
as figuras de linguagem,
cantando o bem ante o mal
em toda e qualquer mensagem.

Que o exemplo do teu filho
sirva de inspiração
para palavras de brilho
em louvor de exclamação,
do mais puro estribilho
em cantata ou cantochão.

Que o véu de Nossa Senhora
nos proteja nessa viagem,
nas tertúlias mundo a fora
para versejar imagem
com metáfora da hora
nos papiros da paisagem.

Tu és único Senhor
vida, fé, cintilação,
de tudo és criador,
além da nossa visão,
da pena és condutor
e lume de transmissão.

És a unidade total
vocábulo consagrado,
a sintaxe literal
do sentido figurado
o nosso verbo vital,
sujeito e predicado.

És o termo verdadeiro,
luz, salvação e guarida,
o mais fiel escudeiro,
artista de aura vertida,
nosso poeta primeiro,
caminho, verdade e vida.

Porque Santo é o teu nome
e justa a tua postura,
a ti nossa fé assome
com hosana nas alturas,
com retórica e pronome
em sagradas escrituras.

Por tudo te agradeço
nesta humilde oração,
meu verso te ofereço,
sem métrica ou escansão,
tenho mais do que mereço,
por erros peço perdão.

Em nome da pauta, da pena do poeta,
da mente inquieta e da alma incauta,
do real e além, do verbo e do canto,
do Espírito Santo da Poesia, Amém!

2. O cheiro da Noite
Autor: Otávio Severo
Declamador: Douglas Dihel Dias
Amadrinhador: Gabriel Dorneles

I

Extraiu dos matos a fragrância casta
respirando ventos em lufadas vãs,
misturar com lua repleta e amarela
o gosto maduro que habita as manhãs.

Saciar no sereno a poesia noturna
que vaga do céu e se deita no chão,
enredos de pasto na trança morena
que a terra desata com a palma da mão.

O cheiro é feitiço dos tempos ausentes,
incenso prendido na luz das cadentes
que brota das pedras e corre na sanga.

O cheiro do escuro que a noite regala
foi mel entre os lábios da índia baguala
que renasce doce na flor da pitanga.

II

Exalam carquejas no véu da canhada,
queixando-se em mágoas de flor e ciúme.
Vassoura campeira de rudes floradas,
namorada guapa de algum vaga-lume.

Perdida a fumaça do rancho fraterno,
tempero de inverno povoando o rincão,
picumã que viaja nas asas de um pala,
dormindo em pelegos de olor e paixão.

O cheiro da noite se veste de vinho
É um trago mais puro que ofusca o caminho,
Derrama-se em tinto rubor de alvorada.

O cheiro da lua embriaga a amargura
Na alma de um vago que há muito procura
O próprio sentido na cruz de uma estrada.

III

De noite se soltam perfumes de ponchos
No céu dos romances de um catre macio,
As velas seduzem estrelas prendidas
Na luz de um sorriso assoprando o pavio.

Fantasmas de ranchos resmungam nas frinchas
de ventos que trazem notícias de chuva,
pois a madrugada é uma velha assombrada
que deita tapada e se veste de viúva.

O cheiro da noite traz versos guardados
Têm longos cabelos morenos trançados
É um sonho nublado que mal se recorda.

Ficaram aromas, saudades, ressábios...
o cheiro maduro e rosado dos lábios,
da noite infinita que nunca se acorda.

3. Entre as rendas dos vestidos
Autor: Joséti Gomes
Declamadora: Romila do Amaral
Amadrinhador: Ítalo Rossi

A mão que costura os panos
também recorta da história
os remendos pendurados
na imensidão da memória.
Cada linha que alinha
dois panos e duas faces
conhece a lei das fronteiras,
vai e volta pr'onde nasce.

Entre as rendas dos vestidos,
assim também eu me vejo
contrabandeando alinhavos,
alimentando os desejos.
Quantos botões descasados
abraçam o meu descanso
pra depois mandar a conta
no lombo de um passo manso.

Se refugo em cancha reta,
quando a costura se entorta,
é pra não perder a linha
que toda a tesoura corta.
Se o forro traz o recado
das bandas lá do interior,
ainda sem arremate
vou pespontando o amor.

Costurada em crua estampa
volto a ser ponto no fim,
em cada barra do dia
que foi cerzida pra mim...
E depois que a noite chega
e se debruça nos muros,
o breu veludo me abraça
na penumbra do escuro.

Linha vai e linha vem
juntando faces afiadas,
contrabandeando ciúmes
de alguma flor encarnada.
Na cor da estampa vermelha
se destacam rosas brancas
e a tinta tinge o vestido
que vai deitar-se nas ancas.

No balanceio da agulha
que nunca prega o botão,
eu vejo cair as sobras
das tolas rendas no chão.
Também eu fico caído
junto à beira da calçada
pela falta de coragem
de revelar-me pra amada.

Por isso vejo os tecidos
em camadas sobrepostas
rodopiarem na sala
no ensaio de mesa posta.
A quem cabe a contradança
neste bailado especial?
Serão aos tais coronéis,
será a um reles mortal?

A agulha fura o pano,
mas nada de sangue vivo.
Somente a marca que fica
sinalizando o perigo.
Sei de lanças sobre o peito,
sei de dores e de marcas,
mas não aceito o destino
em dois goles de cachaça.

Vou resolver se costuro
um amanhã de cambraia
para te dar, costureira,
um rico pano pras saias.
Se tu quiseres eu bordo,
no meu verso mais bonito,
todas as rimas que brotam
entre as rendas dos vestidos


4. A Dança dos relógios
Autora: Bianca Bergmam
Declamador: Priscila Colchete
Amadrinhador: Geraldo Trindade

Foi há muito, muito tempo, 
Ou quem sabe, ainda nem foi...

Muito pó e pouca vista a confundir os olhos 
Naquela sala antiga, 
Cheia de sonhos, lembranças e adeus.

Muito tempo transcorrido 
Por estas longas eras, de lençóis azuis cobrindo os móveis, 
Sob os olhos mais atentos das aranhas bordadeiras, 
Que cobriram as janelas com suas rendas bem trançadas.

Sob abóbada estrelada 
Vive a sina dos ponteiros; 
Contando histórias de tempos, 
Que o próprio tempo esqueceu.

Sobre a mesa de carvalho, 
A coleção de relógios...

Há um antigo de bolso, 
Com sua tampa de prata. 
Tiquetaqueando tristonho, 
Com o seu ritmo lento, 
Saudades de avôs e netos, 
De tantos e tantos tempos.

Um relógio de parede 
Com seu pêndulo dourado, 
É o guardião permanente dos amores já perdidos. 
Em seus compassos quebrados 
Há engrenagens que choram, 
Quando em silêncio suspiram 
Pelos seus sonhos partidos.

Quantos relógios de pulso, 
Dormindo além das lonjuras; 
Com silhuetas desenhadas 
Na fina luz de uma fresta. 
Tão pequenos, delicados, 
Com mostradores quebrados, 
Arranhados ou refeitos, 
Sonham no escuro seus feitos 
Até a hora da festa.

Sim... 
Foi há muito, muito tempo, 
Ou quem sabe ainda nem foi...

Um velho despertador canta e proclama sua ordem: 
— É meia-noite, senhores. 
A meia-noite dos tempos. 
É hora de levantarmos, nos abraçarmos, irmãos! 
Relógios, todos, acordem! 
É tempo de contar o tempo, 
Do que já foi e ainda não.

A alma de um tempo antigo se espreguiça e se levanta... 
Dá corda nos pequeninos, troca pilhas, troca o tom. 
Enquanto um tempo menino, mirando além do futuro, 
Imprime seus tiquetaques em hologramas sem som.

E os relógios se acordam... 
Dançam acima da lógica. 
Se abraçam, trocam ponteiros, 
Correm para o grande salão, 
Onde um coral afinado de 
Cucos, cordas, badalos, 
Cantam as horas que faltam, 
Para um novo tempo chegar.

A clepsidra chorosa derrama lágrimas puras... 
Há um feitiço bonito, que abraça todo o lugar. 
Traz as histórias das eras, 
Desde os princípios do mundo. 
Relembra cada segundo, 
Que o espaço há de contar.

Mas quem contará ao tempo o tempo que foi contado? 
E quem contará às horas o que ficou no passado?  
Um paradoxo imenso faz o feitiço quebrar 
E eu acordo de susto, sem terminar de sonhar.

Eu me espreguiço e bocejo uns pensamentos estranhos. 
Muito pó e pouca vista aqui no quarto também. 
O meu relógio quebrado, 
Desperta, logo me assusto 
E tudo fica confuso... 
Estou aqui e além.

No paradoxo imenso, 
Minha alma se debruça 
Sobre um altar de loucuras, 
Que o meu tempo constrói...

E a certeza absoluta 
Invade o meu pensamento...

Foi há muito, muito tempo, 
Ou quem sabe ainda nem foi!

5. A semente e o cimento
Autor: Carlos Omar Villela Gomes
Declamador: Pedro Júnior da Fontoura
Amadrinhador: João Bosco Ayala

Eu sou apenas palavras
Pelas palavras de alguém;
Eu não respeito ninguém,
Apenas semeio o nada.
Minha vida é madrugada,
Apesar do eterno sol
E se me fisga o anzol
Da mais pura hipocrisia,
Persisto em fazer poesia
Até meu findo arrebol.

Não tenho nem coração,
Só um músculo pulsante,
Que insiste em levar adiante
Minha pobre encarnação.
As gentes são o que são...
Eu também sou o que sou
E pela vida me vou
Tentando semear o bem...
Mas se a alma não o tem,
O intento se desgraçou.

Eu sou brabo, sou brigão...
Isso jamais aconselho;
A vida surra de relho
Sem dar saída, ou perdão.
Mas faço reflexão
E sei tão bem onde peco...
Onde quebro meus tarecos
Na alma, assim, tão vazia
E insisto em fazer poesia
Das mortes que em mim disseco.

Em mim a alma não vem...
Sou apenas um engodo,
Logrando a alma de todos,
Que certamente alma têm.
Ainda creio no bem,
Apesar de fraudulento;
Creio nas flores, no vento,
Em tudo que é mais bonito...
Pois a semente, acredito,
Germina em pleno cimento.

Assim me vou, mundo afora,
Talvez a lugar nenhum;
Sigo o eterno jejum
Daquilo que me apavora.
Quando chegar minha hora
Estarei de alma serena.
Esta alma tão pequena,
Conforme um dito inclemente
E entenderei, finalmente,
Que tudo valeu à pena!

6. Sextinas ao presente corpo de pó: Eterno futuro
Autor: Alcindo Neckel
Declamador: Aline Linhares
Amadrinhador: Clênio Bibiano da Rosa

(I)
Uma chave enferrujada se perdeu
pela trilha do pensamento abstrato, 
onde o vazio preencheu o passado.
Não se acessa o baú da memória,
nem o jeito de acenar para alguém   
que jamais voltou no trem da estação.

O destino apagou tudo na estação...
O trem que levou seu amor se perdeu
pelas lembranças escondidas de alguém,
refém num mundo progressivo, abstrato,
conturbado por resgatar na memória,
o insucesso de acessar o passado.

A enfermidade apagou o passado,
suprimindo a despedida na estação
que marcou uma vida na memória.
O baú não abre, a chave se perdeu
na vastidão do submundo abstrato,
guardião das cenas lindas de alguém.

Num mero retrato está esse alguém!...
Mas, a mente não reconhece o passado,
a foto paira num olhar abstrato,
mesmo destino daquela mera estação,
na metáfora, que a chave se perdeu
pela deterioração da memória.

A curto prazo, se foi à memória,
da estância, do chimarrão de alguém...
A secreta paixão ardente se perdeu
nessas vacilantes agruras do passado,
retrocedidas, a cena desta estação,
que segredos se escondem ao abstrato.

Sua lembrança é um simples abstrato,
derivada de uma ausente memória,
refletida no passar de cada estação,
onde a morte sempre levou alguém...
Já não existem saudades do passado,
aquele triste ponto final se perdeu!...

Perdeu por ocaso num rumo abstrato!...
Passado se degenerou na memória!...
Alguém se apagou com a estação!!!
                        (II)
O baú da memória está sem chave,  
trancafiando a leitura dos livros,
o amor dos filhos e daquele que partiu...
Pessoas próximas tornaram-se estranhas,
o mundo faz suas voltas pelo presente,
a esconder o passado do seu futuro.
 
Uma vida não desprovida de futuro!!!
Preso está o conhecimento, sem chave,
onde guardou as imagens do seu presente,
sem imaginar que já leu tantos livros...
Agora, até as letras se parecem estranhas
na semelhança da saudade que partiu!...

Toda recordação num galope partiu,
com ausências de rastros no futuro,
onde o destino vago, a quem estranhas,
não entende de baú e nem dessa chave,
não entende do sentido de tantos livros,
se os textos se afugentam no presente.

A ilusão desacredita o presente!...
Igual uma caravela que partiu
dos relicários desses antigos livros,
à deriva ao inesperado futuro,
por entre horizontes vazios, sem chave,
para navegar por águas tão estranhas.

A bela senhora, entre luzes estranhas... 
O destino pairando ao seu presente!...
A esperança de encontrar essa chave
para acessar o seu passado, se partiu!!!
O escritor de luz previu seu futuro,
escritas certas, por entre secretos livros.

Agora restaram somente seus livros,
onde meras memórias foram estranhas!...
O espírito seguiu ao seu futuro,
rumo da estação, agora do presente,
visando encontrar quem um dia partiu...
Um novo trem espera, a alma é chave!!!...

Chave do baú na memória dos livros!...
Partiu a esmo, sem incertezas estranhas!!!
Presente corpo de pó: ETERNO FUTURO!!!

7. Sinchaço
Autor: Henrique Fernandes
Declamador: Fábio Malcorra
Amadrinhador: Fernando Graciola

Brandia o vento no campo
salmodiando um canto triste
num preludio de saudade...
A capa emaladita
se acomodou na garupa
de um lobuno venta larga;
As quatro patas calçadas
e a cola atada ao sabugo
pra cruzar passos e sangas.

O chapeuzito zebruno
que fora preto na essência,
perdeu a cor com as chuvas
e as soalheiras de março.
No ombro um pala encarnado,
o sovéu enrodilhado
e o manguito pendurado
com o fiel preso no braço.

Assim se saiu para o campo
ainda com a manta do orvalho
espreguiçada no pasto.

Já pressentindo a pegada,
o lobuno venta larga
vinha ladeando a picada
pelos garfaços da espora.
Talvez por isso essa hora
seu Astor benzeu a face
com o sinal da santa Cruz.

Quando chegaram na várzea
o lobuno estaquiou as orelhas
para aguçar o ouvido.
Se ouviu de longe o mugido
da mocha pampa extraviada
que desgarrou-se da tropa
direito a mata fechada.

Faz três dias que os cachorro
andam no rastro da pampa
que se apartou do rodeio.

Quase chegando no mato,
cerrou na boca o palheiro
que se quedava em braseiro
coloreando uma tragada
pensativo na empreitada
do seu ofício campeiro.

Emparelhou na canhota
encurtando a rédea chata,
sentindo a boca do pingo
que sujeitava no freio.

Viu a pampa num clarão
e adentrou sem alarde
pelas frestas da macega
que dava na costa do mato.

Investiu contra a novilha
pra que estourasse no limpo
de uma resteva de trigo.

O bico da bota no estribo,
foi desatando o sovéu
chamando o pingo na espora.
Os cachorro garronearam
a pampa enfurecida
que saiu limpa pra lida
pra um embate campo a fora.

Semeou um tiro de corda
laçando pelo gargalo
aquela armada fachuda
como se laça cavalo.

Deixou que a pampa se "fosse"
espichando os "tento" forte
na argola dá sobre-sincha.

Era um palanque o lobuno
nos esteio das quatro patas,
que no chão se enraizava
tal um angico na terra.

Tava quase degolada,
com um palmo de língua de fora
teimando contra o sinchaço
bem acoplado na corda.

Foi quando ouviu que do mato
um berro de desespero
e ganiços de cachorro
ardia os olhos da pampa
que mirava seu terneiro.

O mais duro dos sinchaços
sentiu dentro do peito...
A pampa mocha bravia
buscara o mato fechado
para parir sua cria.

Aquela rudeza vaqueana
manoteou seu sentimento
e a cena daquele momento
encarcerava a agonia.

Largou as rédeas ligeiro
para afrouxar o sovéu...
...a pampa entregue na forca
levantou e se parou tonta
cambaleando já sem força
a meio passo do céu.
Vendo de longe o terneiro,
que do mato saiu berrando
como chorasse clamando
pedindo por compaixão.

Enxugou da face uma lágrima
que brotou da própria alma...
Apeou e largou a pampa
que investia nos cachorro
pra não pegar seu terneiro.
Ralhou com os três ovelheiro
ja recolhendo o sovéu...

Se enforquilhou no lobuno...
...voltou pensando na lida!

"Por nada o tempo é uma escola
que nos ensina a cada instante...
...Se são os bichos ou a gente...
...a vida é vida pros dois...
... o respeito nasce pra todos...
E o amor também se iguala
quando falamos de filhos...
...para os homens e para os bois.

8. Dona Cucha e a casa dos Leões
Autor: Luis Cesar Soares
Declamador: Luciana Ávila
Amadrinhador: Ìtalo Rossi

O ipê semeando flores ao vento…
O tranco lerdo do cavalo…
A carrocinha… O leiteiro…
Minha mão junto a mão de meu pai,
Áspera, calejada, protetora… 
São vivos recortes na memória!

A rua da Ladeira, 
De calçamento irregular
E gradil nas casas… A Casa!
Imponente, mística, mágica!
Por fora morada de janelas e tijolos
Ancorada em pedras e argamassa.
Por dentro, rodeada de mistérios
E de passagens secretas…
Por essa época, meu pai era construtor,
Seu suor erguia alicerces, edificava sonhos e 
Ressuscitava casas antigas, como aquela.
E eu? Eu era uma criança minúscula, 
De tenra idade e que pouco entendia, 
Pouco compreendia da vida, e dessas casas…

Lembro bem daquele dia…
Da chegada e do susto!
Duas colunas, cresciam, gigantes,
Amparando o portão de ferro,
No topo, dois estáticos leões!
Nunca tinha visto coisa igual,
Assim tão real, tão perto,
Em ossos de concreto!

As dobradiças rugiram
E solene o portão se abriu…
Sob a mira dos leões, juntei
Coragem e cruzei o portal,
Do outro lado uma vovozinha
Com olhos de esmeralda,
Cabelos em tufos de algodão e
Traços angelicais... Era Dona Cucha!
Que na passada me enlaçou feito urso
E apertando minhas bochechas cochichou:
      “Essa guria tem que comer feijão!
       Está magrelinha e sem sangue!”

Seguimos pela lateral da casa,
A calçadinha salpicada de limo,
Vasos, pedestais, flores e
Sorrindo para os passarinhos,
Um anjo, não lembro se
De gesso ou plumas,
Amparando uma bacia
De água cristalina.
Ao passar por ele
Ela o repreendeu: 
     “Não seja mal-educado Serafim
      Dê bom dia para as visitas!”

Saindo daquele túnel verde,
Uma escadinha de pedras girava,
Dando acesso a porta!

Ali se erguia a cozinha,
ampla, arejada, iluminada, 
Ornada de azulejos lusitanos,
No centro, a mesa comprida,
Um trilho bordado, e sobre ele,
O caldeirãozinho onde dona Cucha 
depositou a penca de chaves.

Um gato preto, cruzou macio, 
veio me olhando dos pés à cabeça, 
Foi nítida sua arrogância, seu deboche!
Passou por mim e sentou-se na cadeira,
Na ponta da mesa, feito rei em seu trono…
Charlatão? Morisco? Codinome Napoleão!

Um aroma de café 
Se espalhou pela cozinha,
E meu pai desapareceu!
Na tentativa de distração
Dona Cucha na ponta dos pés,
desceu uma lata florida,
De onde saltaram merengues…
Pretexto pro interrogatório…
A idade?  O mano? A mãe?
A velhinha falava com os olhos,
a meio tom, sempre cochichando,
Como se tudo fosse um grande segredo!

Concluída sabatina, sai excursionar!
No meu encalço, o dito Napoleão,
Sempre me seguindo, me vigiando.
Vi que a sala era maior que nossa casa,
A lâmpada descia por uma cordinha 
E era rodeada de vidrinhos… 
O corredor recheado de retratos…
Na estante, livros e mais livros…
Do outro lado, na parede, pratos,
De todas as formas e cores…
Morri de pena da dona Cucha,
quanto trabalho para pôr a mesa!

Ao canto da sala, uma escada,
Que se ia ao quarto do “Seu Sótão”,
Não me contive e escalei os lances,
Da porta, avistei as telhas francesas…
Caixas, mais caixas, e uma vidraça
Focando a copada das árvores na rua,
Um canário cantava ali na soleira, 
Me aproximei e vi as colunas,
Com os dois leões rabugentos! 
Achei melhor deixá-los quietos,
Pisquei para o canário e ele,
Compreendeu meu código…
Só eu não compreendi,
Como o tal do “Sótão”, dormia lá,
sem colchão, sem travesseiro, sem cama!

No varandão dos fundos outra escada, 
Com urgência desci, algo me chamava…
Na parede, um chapéu de palha, desfiado,
Esquecido por algum espantalho!
Um violão com braço fraturado,
E pinoteando dentro duma caixa,
Um par de olhos radiantes,
Me convidando para passear…
Ah... Como eu sonhava ter um cavalo!
Quando suas patas trocaram o chão,
Dona Cucha se materializou sorrindo... 
Captei na hora, a fofoca do Napoleão!!!

Longe… longe… A estridência,
Dessas matracas de ambulantes,
Por esse motivo, voltamos para cozinha…
De relance flagrei dona Cucha 
Com a mão dentro do caldeirão
Foi tudo rápido e sutil, porém, 
Suficiente para ler seus lábios!

           “Abracadabra… 
        Uma pena de urubu,
       Duas solas de sapato,
       Uma asa de morcego,
       E meia língua de sapo!”

Os olhos verdes faiscaram e
De dentro do caldeirãozinho 
surgiu uma moeda de prata.
Dona Cucha saiu e logo voltou, 
olhar maroto, nas mãos, 
o embrulho em palha de milho!
Rapadura pra comer com limonada!
Sorrindo baixinho ela dizia…
“Limpa o sangue e engrossa perna!”


Já era tardinha, quando,
O portão voltou a rugir!
Saímos em direção à rua,
No alto os leões carrancudos!
Na área, Napoleão parecia inchado 
Devia ser ciúmes, pobre coitado!
Meu amigo canário sobrevoou o anjo e
pousou na borda da fonte cantando,
Disfarçadamente acenei.
O coração saia pela boca e
Eu finalmente saia para rua,
Seria minha primeira cavalgada!
O portão voltou a rugir pesado, 
Estremecendo a terra!
Dona Cucha e suas asas ficaram lá,
Presas, eternizadas, no passado!

9. Náufrago de mim
Autor: Danilo Kuhn
Declamador: Guilherme Suman
Amadrinhador: Jorge Araújo

I.

No meu universo, extremo,
feito um barco sem remos,
em meus versos, tão enfermos,
me vi náufrago de mim.

Navego minhas lonjuras
em mares de desventuras
e povoo as amarguras
nos ermos dos meus confins.

Reticente quarentena...
Minha mão esgrima a pena
pelas grades do poema
em meu eterno calvário.

Minha alma, emoldurada
nestas estrofes rimadas,
verseja a dor e mais nada
deste pranto solitário.

Na folha branca, deserta,
meu ofício de poeta
de minhas veias abertas
sangra a tinta da poesia.

Metáforas, uma a uma,
esmaecem, entre brumas...
Em asas perdendo plumas
pousam palavras sombrias.

Ando perdido no tempo,
a vida é um relógio lento
entre luas, cata-ventos,
neste conflito sem fim.

Ferido de tua saudade,
ancorado a um fim de tarde,
neste mar que me invade
me fiz náufrago de mim.

II.

No meu universo, extremo,
feito um barco sem remos,
em meus versos, tão enfermos,
me vi náufrago de mim.

Singrando noites escuras
em busca da própria cura,
me perco a tua procura
na lira de um querubim.

Em lírica quarentena,
vou divagando este tema,
solfejando cantilenas
do meu verso imaginário.

Minha alma, debruçada,
se vê só e confinada
ante a folha, timbrada,
do meu próprio inventário.

Na areia branca, deserta,
desvendo a palavra certa
que a alma sonha e desperta
no véu da minha poesia.

Nesta solidão em trauma,
entre palavras e espuma,
aporto a minha escuna
salgada de maresia.

Ando perdido no tempo,
a vida é um relógio lento
entre luas, cata-ventos,
neste conflito sem fim.

Ferido de tua saudade,
ancorado a um fim de tarde,
neste mar que me invade
me fiz náufrago de mim.

10. Sombra copada
Autor: Matheus Costa
Declamador: Érico Padilha
Amadrinhador: Fernando Graciola

Busquei na sombra copada
que existe no olhar dos meus,
um pouso para a jornada
que por diante se estendeu;
Esquivei sóis, de cruzada...
...dos que a tarde ofereceu.

Cinamomo de tapera
que é solito mas acolhe
anseios de alguma espera,
e o medo que nos recolhe...
Ou pra que a chuva severa
da descrença não nos molhe.

Igual a poncho de lã
cardado para o rigor
existe a sombra mais sã
na copa grande do amor...
...Guarida pra’o amanhã
e aos longes que alguém se for.

Busquei na sombra copada
que existe na luz da prece,
um alento à caminhada
daquele que reconhece
que a alma suporta a estrada
se acaso o corpo esmorece.

E os outonos demorados
com passagens doloridas,
nos deixam marcas, recados,
nas folhas que são varridas...
Como fossem um passado
despido das nossas vidas.

Restam galhos – cerne duro –
pra sustentar a razão
de compreender este apuro
constante da solidão.
...Resilientes e tão puros
silêncios de brotação...

Ramada dos meus caminhos
em trejeito familiar,
sombra terna – sem espinhos –
templo aberto para estar
nas vezes de ser sozinho...
...procurando onde parar.

Figueira de raíz firme
plantada em colo de avó...
Sombra paciente e sublime
tingida de idade e pó...
...mas que protege, e imprime
salvação pra velhos nós.

Umbú de tanta lembrança
com casca de avô campeiro...
Sombra do rastro criança
que deixamos por primeiro
e o presente não alcança
por teimar sumir ligeiro.

Coronilha que tem pua
pra livrar toques estranhos...
Florida em “madre xirua”,
abraça e não deixa lanhos
num filho, que é parte sua...
...Sombra sem fim, nem tamanho!...

Espinilho em campo feio
curtido de judiação...
Sombra sem qualquer floreio,
humildade presa ao chão...
Pai, firme, prezando o seio
maior, da fraterna união.

Eu conservo este reduto
tão ímpar e elementar...
...sombra que matura frutos
pra fome de quem buscar
por remanso absoluto,
sem pressa de continuar.

Distintas sombras amigas
reencontro no sem fim...
As conheço por antigas...
...e as procuro, pois assim,
socorrem, quando castiga
o mormaço que arde em mim.

SHOW DE INTERVALO

RENATO JR E GRUPO

 


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