01
- “Zezinho”, Meu Amigo Imaginário
Autoesr: Carlos Omar Villela Gomes e Bianca Bergmam
Declamadores: Gabriela Oliveira e Jader Guterres
Amadrinhador:
Geraldo Trindade
Achei
meus olhos sentidos aos pés da mesma janela,
No reflexo borrado por um luzeiro qualquer...
Uma imagem distorcida mostrando estranha aquarela,
Seja pra paz de criança ou pras paixões de mulher.
Eu
não entendo da vida, mas me angustia o momento
Que a barba longa do tempo resolveu se apresentar;
São curvas e tempestades por rotas desconhecidas
Que mesmo sendo compridas, sozinha irei desvendar.
O
quarto parece imenso e o mundo pequenininho.
Olhando pela janela assisto a noite bailar...
Se vai valseando com o vento... reinventando caminhos,
Contraponteando os fantasmas que insistem em me assombrar.
A
noite, moça faceira, valseia um estranho baile,
Onde por ser soberana, manda na banda e no tom;
Ela conta sussurrante que estas são horas certeiras,
Iniciando um novo tempo ás custas de um tempo bom.
O
tic tac me apressa, já são quase onze horas...
Vinte e três a quem prefira, não importa a conversão;
O importante é que agora ouço um barulho na porta
E o movimento do tempo aperta meu coração.
A
porta aos poucos se mexe...
Podia ser qualquer um, mas eu conheço seus passos!
Reconheço sua sombra se estendendo pelas tábuas...
O seu vulto de menino com cabelos ondulados,
Adentrando passo a passo, se escondendo dos espelhos
E logo o vejo de joelhos do outro lado da cama.
Um
sorriso escancarado denuncia a travessura;
-Imagina
se o pai sonha que tu andas por aqui?!
Pensando bem não importa, já que só eu que
te vejo...
Ficaria do teu lado sem nunca te descobrir!
E
mais uma vez sorrimos esses sorrisos rasgados,
E mais uma vez o tempo vem me apressar novamente;
O tic tac medonho vem revelando aos pouquinhos
As curvas e redemoinhos já destinados pra gente.
Corremos,
brincamos juntos por tantos anos a fio,
Mas esta noite, Zezinho, é diferente pra nós!
Há uma dor latejante a comprimir o meu peito...
Uma tristeza inquietante, vontade até de gritar:
-Quero
meu mundo de volta!
Quero as bonecas, os dias,
As nossas cinco marias saltitando pela tarde;
Quero um remédio que arde curando os lanhos dos tombos
E as sombras dos cinamomos para acolher nossas artes.
Estou
crescendo Zezinho e tu jamais crescerás!
Meus vestidos apertados já tem mostrado detalhes...
Alguns traços diferentes que nem sei quando surgiram,
Umas vergonhas estranhas que não consigo evitar
E umas vontades que a outros eu não me animo a contar.
Enquanto
tu meu querido... tu serás sempre menino!
Com teu sorriso maroto, a vida inteira nas mãos;
Sempre contando anedotas e zombando do destino,
Correndo solto no campo de alguma imaginação!
Será
que terei saudades?
Será que te esquecerei?
Será que as nossas cantigas
Aos poucos se perderão?
Tu ficarás num passado
Que nunca mais mexerei
Nalgum baú empoeirado
No sótão do coração?
O
tic tac persiste...
As barbas longas do tempo
São tão sombrias assim!
És meu amigo mais caro,
Meu mais fiel companheiro...
O tempo passa ligeiro
E tudo se achega ao fim.
Meu
Deus! Não chora Zezinho!
É tão difícil pra mim!
Te invejo tanto menino, queria ter teu lugar!
Quisera eu poder ser eternamente criança
No feitio das esperanças desses contos que a mãe
leu.
Mas por que a realidade precisa ser diferente?
Por que tenho que ser grande se Peter Pan não cresceu?
Essas perguntas me surgem...
Vou indagando pra vida:
A mãe mentia pra gente?
A vó mentia pra ela?
Será que acreditavam nessas
folhas amarelas?
Não sei... Talvez nunca saiba.
O
tic tac me apressa...
Já é quase meia noite.
Tenho quase doze anos...
É nessa idade, Zezinho,
Que a infância vai acabar.
Os adultos me contaram...
Hoje tudo vai mudar!
Me
abraça forte Zezinho!
Diz que não vais me esquecer,
Mesmo que contra a vontade
Eu vá te deixar pra trás.
Me abraça forte amiguinho,
Com todo amor e carinho
Com toda a benção de Deus...
Perdoa alguém que cresceu
E vai seguir seu caminho.
É
meia noite, bateu
O cuco meio maluco
Lá da sala dos meus pais...
Adeus, Zezinho, adeus!
Adeus
às tardes bonitas
Nos galhos das pitangueiras...
Adeus às cinco marias,
Aos tombos e aos cinamomos.
Adeus às minhas bonecas,
Minhas canções e esperanças...
E aos sonhos doces da infância
Que tu também foste dono!
Adeus,
Zezinho, adeus!
A minha infância se foi
E tu também já te vais.
Adeus
Zezinho, adeus!
Zezinho, até nunca mais...
...Ou não!
02 - O
GRANDE ESPELHO DA VIDA
Autor: Adão Bernardes
Declamador: Antônio Barbosa
Amadrinhador: Jair Silveira
Um eterno recomeço
é isso que a vida é
um amontoado de fé
onde sorrio e padeço
é onde se paga o preço
da chaga que nos pertence
quem menos fale e mais pense
se revela mais astuto
nesse grandioso reduto
onde o amor sempre vence.
Não
se pode mergulhar
duas vezes no mesmo rio
porque a água já seguiu
seu eterno caminhar
e também vive a mudar
o interior do ser humano
cada aurora novo plano
pois a cada passo errado
vem um novo aprendizado
que se extrai do desengano.
É
a busca da perfeição
essa meta inatingível
um mero sonho impossível
que vai além da razão
é o caminho da ilusão
mostrando em cada investida
que toda mágoa sofrida
nos lapida nos matura
nos fortalece a estrutura
pra entender melhor a vida.
E
o manso se torna bravo
ao vencer sem agressão
lidera sem opressão
com retórica e conchavo
faz do opressor um escravo
conquista porque não mente
por só malhar ferro quente
e fazer do amor a pauta
é a doçura da flauta
se impondo sobre a serpente.
Nossa
vida é um grande espelho
reflete o que a gente faz
se vê paz, nos mostra paz
ao ver sangue é o tom vermelho
leva o bem e o mal parelho
cada rota é assinalada
e ao chegar na encruzilhada
se vê a rosa e o espinho
quem escolhe o seu caminho
sabe o que vai ter na estrada.
As
vezes tempo não sobra
nem pro arrependimento
cada instante é outro momento
cada passo outra manobra
a própria vida é quem cobra
e quem perde a direção
mergulha na escuridão
vê que num ponto de vista
cada ser é um trapezista
sem rede de proteção.
No
entanto a continuidade
é o que me faz refletir
obrigado a prosseguir
convivendo em sociedade
para sentir-me a vontade
mesclando o bom e o ruim
estou descobrindo enfim
que cura pra dor ou tédio
qualquer tipo de remédio
fabrico dentro de mim.
Sem
queixas prossigo em frente
senhor dos próprios problemas
não sou vítima dos sistemas
injustiçado ou carente
hoje caminho consciente
por onde o mundo caminha
como quem segue uma linha
enfrentando o que vier
e se sofrendo eu estiver
com certeza a culpa é minha.
03 - FACES
Autor:
Jorge Claudemir Soares
Declamador: Douglas neves
Amadrinhador: Eduardo Dedéco
Eu
tenho visto muitas faces!
Faces de gente que sente,
faces de gente que mente,
e faces de gente que chora.
Tenho visto faces risonhas
e outras tantas tristonhas,
de quem fica, ou vai embora.
Já
vi faces que enganam
em sorrisos mentirosos,
conheço rostos ardilosos
que disfarçam sentimentos.
Vi faces de olhares famintos
escancararem os instintos
ao esmolarem o sustento.
Encontrei
um riso largo
num rosto trabalhador,
que trocou o seu suor
pela fé e a esperança,
mas, já vi um salafrário
ganhar um farto salário
pra explorar uma criança.
Tenho
visto tantas faces
e semblantes diferentes,
pois, já vi um inocente,
sem motivo, condenado;
vi também um criminoso
em escárnio indecoroso
escapar de ser julgado.
Existem
faces solidárias
onde o amor é comum,
e, cura de um a um,
os males de um amigo.
Vislumbrei faces iradas
carrancas falsificadas
onde o ódio faz abrigo.
Já
vi faces de opulência
pregando solidariedade
em nome da santidade
ostentar mantos dourados.
Enquanto ali ao seu lado
como se fossem destroços
rostos
de peles nos ossos,
putrefam abandonados.
Até
já encarei a loucura
no desvario de um drogado,
e, vi no olhar esbugalhado
a sua mais pura verdade.
Já vi uma face abstêmica
levar uma vida sistêmica
e, cometer insanidades.
Tenho
visto tantas faces
de naturezas transversas,
faces de ideias diversas
transigirem em seu ideal.
Já vi um inocente soldado
matar porque foi mandado
por um comandante do mal!
Um
dia, vi um grande amor
no rosto de um apaixonado,
e, prostrei-me emocionado
com tamanha doação.
Aprendi que o amor constrói,
e que, tudo aquilo que destrói
nunca vem do coração.
As
faces que se mostraram
ensinaram-me tudo que sei,
e, o que eu pude, guardei
pra usar de ensinamento.
apresento-me a quem não sabia
sou o “Senhor da sabedoria”,
um velho chamado “Tempo.
04 - DOS
VALORES DA ALMA
Autor: Henrique Fernandes e Jadir Oliveira
Declamador: Jadir Oliveira
Amadrinhador: Jadir Oliveira Filho
Qual é o ponto de partida?
A morte ou o nascimento...?
Parei pensar um momento
Nestes mistérios da vida...
E encontrei dividida
Minhas respostas incertas.
São duas portas abertas
Que se fecham num instante,
Porém o mais importante
É saber que as duas são certas...
“Vejo valores inversos!
Ou seriam invertidos...?
Não sei bem qual o sentido
Da matéria do universo...
Talvez por isso em meu verso
Busque o significado
Do que é certo e errado
Do que é torto e direito...
Valor...!não é um conceito
Valor...! pra mim é um legado!”
Eu insisto nos valores...
...Mas sou apenas mais um,
Que vê o senso comum
Diplomar falsos doutores...
Porém não guardo rancores
Muito menos me condeno
Pois tenho o contra veneno
Pra tudo quanto é peçonha...
...Trago na cara a vergonha
E o olhar sempre sereno...
Consiste
a perenidade
De sempre andar e seguir,
Na sina de evoluir
Para o bem da humanidade.
Se este mundo de igualdade
Tão falado nas poesias,
São apenas utopias
De platônicas paixões...
Eu confesso aos meus fogões
As amargas profecias.
E
mesmo assim acredito
No valor que vem de dentro
E ao versejar me concentro
Num manancial infinito
E a cada verso escrito
Chega uma nova mensagem
Nos dando força e coragem
Para buscar lá no fundo
E entender que este mundo
É uma casa de passagem.
De
que adianta convenções
Que as sociedades inventam
Se os valores se alimentam
No seio dos corações
De que adianta orações
Todo dia toda hora
Se não chega ao pai que chora
Nem tão pouco a mãe aflita
Só são palavras bonitas
Ditas da boca pra fora
Todo
dia o mundo finda,
Todo dia ele começa...
A vida passa de pressa
E mesmo na pressa é linda...
Feita de idas e vindas...
De chegadas e partidas...
Nossos sonhos dão guarida
Para as razões de assim ser
E aprendemos a viver
Compreendendo as despedidas.
Já
nascemos sabedouros
Que um dia partiremos
E que um dia secaremos
A água do bebedouro...
Por isso que o meu tesouro
Esta na simplicidade,
Na valia da amizade,
Onde o ouro da matéria
São resquícios de miséria
Para os ricos de vaidade...
Destes ares que respiro.
Olho pra dentro e reviro
Minhas vaqueanas quietudes
E avisto as atitudes
Dos atos mais verdadeiros
Consentindo que o dinheiro
Não compra nossas virtudes.
Muda
pouco o quase nada
Ao passo que o tempo passa
Mas meu verso se adelgaça
E bota sorte clavada,
Deixando marcas na estrada
Deste plano passageiro,
“-Os últimos serão primeiros-“
Diz a sagrada escritura!
Como saber a essa altura
Qual é falso ou verdadeiro?
Por
isso é que não entendo
Tanta atitude maleva
Se daqui nada se leva
E pra morte não há remendo
Critico mas não ofendo
Quando protesto cantando
Sei o caminho onde ando
E morrerão meus ideais
Se um dia eu não puder mais
Fazer meu verso opinando.
05 - ROÇA NOVA – NOVA ROÇA
Autor: Adão Vargas Dias
Declamador: Neiton Perufo
Amadrinhador: Marcus Morais
Com
arado ¨vira-o-ferro¨
E minha junta de bois,
Vou romper grama e macega
Na capoeira do ¨Repecho¨,
Bem perto do corredor.
Faço
o ¨repique¨ de enxada
Na coivara, entre os tocos
(Onde o arado não ¨pega¨)
Destoco aquilo que posso
Preparo a terra a preceito...
“vou planta” de saracuá
Um ou dois terços do eito
E, entreverado na verga,
Largo um catete a meu jeito
Na
roça lá do repecho
vai uma quarta de planta.
Terra nova (preta e buena)
É plantio que se ¨levanta¨.
Enquanto cresce o plantado,
Tenho doma, uns desgarreios,
Changuiar com irmãos de lida
Pra ganhar mais uns trocos.
QUE
PENA, PARCEIRO,
É
UM SONHO MEIO ACORDADO,
APENAS UM DEVANEIO.
E
com o olhar fixado
No teto de seu casebre,
Volta ao presente e recobra
A dura realidade...,
É
que as luzes da cidade
Lhe cabrestearam pra o povo,
E aqui, no mais,
Sem retovo,
Quase tudo é compulsório,
E as angustias se acolheram
Com tristezas sinuelas,
Numa ¨vila dormitório¨.
O
sono se fora embora, ficaram as relembranças.
Era
o que lhe confortava, em suas noites insones.
Na
madrugada embarcava num coletivo ¨estufado¨
No qual era levado
Como bicho ao abatedouro.
As
noites eram compridas,
As horas não tinham pressa.
Os cuscos do vilarejo sonorizavam as angustias,
Vocalizando tristezas com uivos de desalento.
Reculutava rebanhos de Merinos ¨pura seda¨,
Na vã esperança escassa de conciliar o seu sono.
E
as madrugadas chegavam sem galos cantarolando,
E como alguém sem vida própria,
Sem prosear, sem dar risada,
Seguia olhando pro ¨nada¨
Juntar-se a outros iguais
Como tropa que ¨afunila¨pra o brete final.
A
causticante argamassa penetrava-lhe em mãos e alma,
Uma névoa de cimento lhe semeava ¨sal¨ nos olhos...
Lhe encrudecia o chorar e confundia seu pranto,
Que brotava de seu ego como um doce acalanto.
Não
mais contava aos iguais
Que fora feliz um dia,
Somente o catre e a prenda lhes eram sim confidentes,
E se faziam presentes, em suas horas de dor.
Queria
um dia voltar pros pagos de onde viera.
Deixou de sonhar quimeras com o luzeiro do povo,
Vendera campo e roçado pra ganhar salário fixo,
E hoje em dia, chomico, não lhe sobra um real,
Morando numa favela, margeando uma perimetral.
Novo
ofício aprendera, por óbvias necessidades,
Bem diverso lá de ¨fora¨, onde vivera liberto:
Peão campeiro, lavrador, esquilador e tropeiro.
Coisas que aqui no luzeiro
Poucos já viram ou acreditam
Por isso vive solito no meio de tanta gente,
Devagar, se consumindo,
Em andaimes pendurados
Qual perigosos ¨pingentes¨
Entre
tijolo ou cimento,
Não há Pedro, não há João
É mais importante um número,
Não nome de certidão,
Em um crachá sobre o peito,
Lhe impõe esta condição
Fecha
os olhos e vê tanto,
Muito mais que aqui no povo,
Terneiradas em retovo
Pelos trevais das ladeiras,
Açude de águas claras,
Cordeiros em escarcéu
E o verde de uma coxilha
Beijando¨o azul do céu
Há coisas em nosso meio
Mui difícil de aceitá- las
O homem perde a liberdade
Justamente por buscá-la
VAI
EMBORA. DEIXA O PAGO
MAS SONHA UM DIA VOLTAR.
06
- FAZ TEMPO SOU PÉ DE ESPORA
Autor:
Gujo Teixeira
Declamador: Valdemar Camargo
Amadrinhador: Henrique Scholz
Venho
ao meu tempo senhores
contar de um tempo antigo,
que nunca vi, nem estive
mas que em mim sobrevive,
sem ter razões pra partir...
Tempo
humilde de ranchitos,
tempo de prosas e preces
de andantes de a cavalo,
de romances e pealos
que ao tempo, nunca se esquece...
Tempo
adoçado na sombra
de pitangueiras floridas
imaginando outra vida,
talvez diferente desta...
Onde sonhar... Era vago.
Querer... Um rumo distante
Ser... Uma obrigação eterna,
Na condição mais fraterna,
de saber envelhecer...
Quem
teve longe um amor,
nesta vida caminheira
sabe que a estrada real,
fez seu rumo desigual,
deixando apenas, poeira!!!
Conto
de um tempo igual,
diferente nas pessoas
que tinham almas tão boas,
quanto um carinho de mãe.
Mesmo tempo, outro rumo,
“quem mudou mesmo, fui eu...”
E o tempo reconheceu
e quis seguir do meu lado...
Um ser de destino alçado
sem saber onde apeiar,
com esperenças terrenas
querendo desencilhar...
Um
ser ainda incompleto,
procurado um dialeto
pra com os tantos, pensar...
Destino
inquieto que tenho,
de querer mais do que posso...
Conto de um tempo que é meu
conto de tempo tão nosso
Minhas palavras, meu modo
sem respeitar leis ou datas
ouvindo de longe as patas
da cavalhada em retoço
batendo bombos na terra,
qual carga braba de guerra.
No mesmo ciclo que encerra,
- heroismo e compromisso -
e um barbaresco feitiço
de alargar as fronteiras
ao mando de quem as queira,
tanto pro bem, ou pro mal...
Tempo
exato e racional,
de quem viveu, sem viver.
Na alma, o pouco de um ser,
que nunca soube direito
o que deve, ou não ser feito,
quando de fato morrer...
Senhores,
conto de um pago
de vacarias extensas
de pradarias imensas,
de gado alçado e cavalos
de empurrar éguas nos valos
pra diminuir a manada.
De couro farto, e de charque,
de tropas, e corredores
de patacões e Senhores,
os mesmos, que agora falo...
Tempo é roseta de espora,
cutucando a vida inteira...
Na
sina mais caborteira,
que Deus, escolheu pra um “home”.
Que é de honrar o seu nome,
a descendência, e a família
de seguir a própria trilha,
sem se perder no caminho
buscando, sempre pertinho,
a luz, que a lua inda esconde
e quem sabe, não sei donde,
um dia achá-la, sozinho!
(um
trago agora e mais outro,
pra me “adoçá” o pensamento)
Eu
sou mais claro que o vento,
“mais puro que a estrela D´alva”
o amor, é a razão que salva,
quando a razão anda a esmo.
Por isso, o tempo que é meu,
é também, de tantos outros
que eternizaram nos potros,
a mansidão de si mesmos...
Reconheci o meu tempo,
dentro de tantos escritos
entre o saber, e seus ditos,
de entender a distância.
Daí talvez esta ânsia,
este querer infinito,
este buscar desmedido
tentando achar um sentido,
pra algumas dores da alma
que o corpo, amarga e acalma,
dentro da sua verdade.
Temos nossa identidade
é a própria paixão pagã
de acordar toda a manhã,
sem saber nosso “adelante”
sabendo que cada instante
que a vida nos cobra o preço
somos o ontem do avesso,
campeando um novo amanhã.
Senhores
peço licença.
Talvez o tempo que eu falo,
seja a maior diferença,
entre a verdade que tenho
e toda essa minha crença...
Sou
o que quero e consigo,
e o que campeio no fim...
Não sou de um tempo de agora
Faz tempo sou pé de espora,
com outra igual, junto a mim...
07 - Quando Cordas Pedem
Tangos e Milongas
Autor :Luís Cesar Soares
Declamador: Luis Afonso Ovalhe Torres
Amadrinhadores: Marcus Morais e Cleonice Nobre
Num
findar de tarde mormacento...
Por birra com o angico,
o Jacarandá roceiro pulou o alambrado,
e foi crescer na beira do barranco abaixo do olho d’água.
Queria fazer sombra pra cacimba!
Servir vaqueiros e boiadas...
Do
sangue verde que pulsava nas veias,
Transpirava flores novas na primavera...
Pala roxo, floreado, bordado da natureza.
Uma espera incontida pelas comitivas,
água fresca pras mateadas do fim de tarde...
Ia
sonhando com a liberdade, nos delírios de campear
bois nas ramadas, eterno viajante de raízes profundas...
Nos verões... Galhos e folhas...
A busca de fronteiras além-campo.
Um apaixonado por floreios de cordeona!
Gigante resoluto, de garrão fincado ao pé do serro.
Amante de braços abertos oferecendo pouso e
guarida aos tropeiros...
Acordava
com alaridos de sabiás madrugueiros.
Nos escaldantes verões, eram cigarras...
Ah! Pobres coitadas! Cantavam desesperadas
pra depois morrerem enforcadas,
na trama das finas cordas vocais!
E
o Jacarandá, por que precisou morrer?
Na eternidade dos segundos,
o tempo caborteiro disparou na cancha reta,
paleteando as estações!
Já
velhito, o estático cerne maciço de lei,
olhou de soslaio pra figura atípica que se achegava:
Braços de tronqueira;
Bombacha rota arremangada a meia-canela;
Melenas tordilhas sobressaindo
num negro chapéu puído.
A
lâmina soberana aos ombros
era o Decreto de Hefesto*!
Era a sentença de morte, era o juízo final!
Leve como pena e pesado como aço em brasa,
das costas ao chão, o taura soltou a carga
como um campeiro a largar um marca-touro.
Fez o sinal da trindade mirando os olhos do réu,
que mudo e atônito, sequer contestou a sina:
Nascer e crescer, pra depois morrer decapitado!
Não por traçador de serraria,
mas por duros golpes de machado!
Das
manoplas partem golpes mortais,
Esculpindo a carne!
Do Condenado:
Nem lágrimas, nem ranger de dentes...
Só o triste ruminar de lembranças, sonhos acalentados...
Ser livre, andar pelos campos, pra depois da lida dura,
sestear nos pelegos com uma cordeona!
O
sol desponta a trote largo...
Sem fôlego, esvaído, vem abaixo.
Sentença lavrada no próprio couro!
Galho a galho o poncho verde é desfiado,
esquartejado, como a necrópsia de um moribundo.
E
o jacarandá, por que precisou morrer?
Sem velas, sem candeeiros, sem velório, sem carpideiras...
Atrelados, salino e oveiro, arrastam o ataúde de quatro
rodas,
que parte choramingando com os pedaços do finado.
A
procissão segue lentamente...
Sem parentes ou amigos.
Um homem, uma junta de bois
e um cusco lampeiro. O cortejo fúnebre
ruma pras “casas” guiado pela boieira.
Passam
as invernias...
As tropas costeiam o olho d’água
onde nasce um novo Jacarandá.
À léguas, seu ancestral embalsamado é movido
pra banca.
Enxó, plaina e formões trabalham nos dias de chuva.
O alquimista de mãos ágeis invoca poderes!
Traça fórmulas, rabiscos,
entalha o cerne linheiro dando forma e vida ao inanimado!
Secaram
as veias por onde muita seiva correu,
pra que dedos calejados extraiam notas e ponteados,
fazendo brotar sinfonias mágicas duma caixa!
Pra que tímpanos degustem afinados acordes ao
Ressoarem claves de antigas partituras!
As
cigarras suicidas cantam desesperadas...
Os sabiás madrugueiros fazem dueto.
Por isso morreu o Jacarandá!
Porque uma cordeona desgarrada,
choraminga saudades!
Violeiros clamam guitarras...
Paixões suplicam tangos e milongas e
pares de cordas pedem viola!
* Hefesto: Deus Ferreiro na mitologia.
08
- ROMANCE DE LUA GRANDE
Autor: Paulo Ricardo Costa
Declamador: Fabrício Vargas
Amadrinhador: Adão Quevedo
A noite traz seus encantos...
Vestida em ponchos de luz,
E a um par de olhos, seduz...
Tisnado a prata de um manto...
Que inunda as flores do campo,
Entre perfumes de açucena...
Quando sonhar vale à pena,
O amor é tropa em reponte,
Bebendo a água da fonte...
Dos lábios de uma morena;
Encilho
belas lembranças...
No potro de uma saudade,
Quando tua imagem invade,
No corredor das distâncias,
Matreira como esta ânsia,
Que minha alma atropela,
Quando a lua mais bela,
Vestida de véu e grinalda...
Pelo horizonte desfralda,
Pra se debruçar na janela;
E
ela me traz uma imagem,
Com olhos em cor de jade,
Qual a mais bela divindade,
Que enfeita esta paisagem,
Benditas sejam as miragens,
Que dão vida às madrugadas,
Espelhando-se nas aguadas,
Que ao campo descortina,
Para alimentar as retinas...
Num véu de noite, estrelada;
Daqui,
de onde te vejo...
Por entre os galhos do arvoredo,
Guardando nossos segredos,
E algum sonho de andejo...
Eu sinto o gosto de um beijo,
Timbrado em ouro e metal,
Quando um majestoso ritual,
Unia o calor de quatro mãos,
Que chega aqui pr’ao galpão,
Com o cheiro do aguapezal;
Que
as horas longas que passo,
Aos tombos com a solidão...
Atiçando um fogo de chão,
Que já não aquece o espaço,
Só o calor dos teus braços,
É que me trazem acalanto,
Enquanto um grilo faz canto,
Num contraponto de cigarra,
Pra alma soltar as amarras...
E os olhos inundar de pranto;
Quem
diz que homem não chora,
É porque não sabe o que é amar!
Como pode não poder chorar,
Se a lágrima, é um rio corrente...
Quando a alma da gente...
Transborda na inércia da dor,
Por saber que aquela flor...
Que era a parte doce da vida,
Partiu sem uma despedida...
Pelo vazio de um corredor;
E nestas horas de ausência...
Que o galpão veste-se de luto,
E até o silêncio eu escuto,
Martelando minha consciência,
Talvez exista uma ciência...
Pra um amor que perpetua,
Com a noite banhando nua...
O manto santo da aguada,
Pra’os olhos ternos d’amada,
Virem espelhar-se na lua;
Mas ficaram flores murchando,
No que restou de um jardim,
E outras, que havia em mim,
Viverão não sei até quando...
Talvez estejam esperando,
Bem antes que a noite finde
Ver o corpo da minha linda,
Estendido sobre um catre,
Ou afogando uma saudade,
Num mate de boas vindas
Que
o tempo tenha levado,
O que eu deixei pra depois,
E o rancho que ergui pra dois,
Possa até ser habitado...
Pois, se for do teu agrado,
Boto a encilha num redomão,
Enfreno um potro coração...
E dou um destino pra gente,
Vendo patear em teu ventre,
Um pithãozito chorão;
E
daí, eu farei poemas...
Na clave de uma lua cheia,
Enquanto o vento ponteia...
Nas folhas das açucenas,
Se a vida anda, pequena...
Para tanto amor que trago,
Talvez ao mundo me largo,
Qual um cometa errante...
Para ser-te apenas, amante,
Nas noites mornas do pago;
09
- O ÚLTIMO VÔO DE UM ENCARVOADO
Autor: Maximiliano Alves de Moraes
Declamadora: Liliana Cardoso
Amadrinhador: Jadir Oliveira Filho
Nascia
fronteiro
Como tanto outros
Que a própria vida amadrinha
Pra que percorram a linha
Dos ofícios de um campeiro...
Quem
foi parido no campo
Por certo vai alambrar,
Fazer corda, ser tropeiro,
Capataz, peão ou caseiro.
Quem foi parido no campo
Pode ser esquilador,
Ser mascate, bolicheiro,
Carreteiro ou domador.
E
ele, assim,
Quando piazito changueava
Curando “pique” em comparsas.
O seu berço humilde e pobre
Repontava-lhe ao labor.
Também ganhou alguns cobres
Na lida com parelheiros,
Corpo franzino e ligeiro,
Foi nas canchas vareador.
Pele
escura como a noite,
Olhar de estrela boieira,
Peito estivado de sonhos
E uma alma leve e branca
Qual nuvem que paira só
No limpo céu da fronteira.
Já
mocito, negro guapo,
Tirou boladas em domas,
Tenteou a lida da trança,
Pegou por dia em cercado,
Foi efetivo em estância,
Mas terminou despachado.
Assim,
então,
Viu-se na vida um estorvo,
Sentiu vontade da morte,
Pediu pra Deus pra morrer,
Pois quem dá a luz é que apaga!
Quem cuida a porta é quem cobra!
Mas
a vida é mesmo um conto,
Em certa manhã de maio
Morre o coveiro Anastácio.
Não há ninguém para enterrar!
O negro, ofício vazio,
Naquela tarde de frio
Passou a mão numa pá.
O
negro, pele de noite,
Olhar de estrela,
Que não foi um peão de estância,
Muito menos domou potros,
Virou coveiro de ofício.
Com a morte do Anastácio
Morreu um, nasceu o outro!
Dali
em diante,
Bem, dali em diante
O preto, antes vagante,
Virara sepultador.
Sua arte a inumação.
Sempre lidando solito
Dava descanso ao proscrito
Em seu cerrado caixão.
Sepultou
índio valente,
Pai de família e ladrão.
Abriu cova pra criança,
Aterrou corpo de andante,
Sentou lápide de peão.
E
este seu funesto ofício
Dava-lhe ar misterioso:
Preto, sinistro e sisudo,
Levou a alcunha de corvo.
Deixou de ser um estorvo
Pra tumulizar a vida!
Sendo
corvo, um encarvoado,
Como narrara Simões.
Esperava nos galpões
Notícia de algum finado.
Anos
a fio dando fim
Em corpo isento de alma.
O encarvoado enterrava
Quem se ausentava da vida.
Era uma lida sofrida
E por isso foi aos poucos
Passando a entender os loucos,
Vendo na morte guarida.
Quando
cobria de terra
Mais um ente que se ia
Sentia uma pá de cal
Em sua própria alegria...
Um
dia, não tinha morto,
A vida dera sossego.
Em sua cama de pelegos
Dava boca ao pensamento
E sepultando a vontade
E a gana de andar no mundo
Ele cavocava fundo
O campo santo da desilusão.
Não
pôde ser peão campeiro,
Não pôde galopear potros,
De tanto dar fim nos outros
Resolveu dar fim em si.
Foi hora de dar pra outro
O que Anastácio lhe dera.
A alma virou tapera
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- FRENTE E VERSO DE QUEM ANDA...
DUAS VOZES PARA UM MESMO SER
Autor: Luciano Salerno
Declamadores: Luciano Salerno e Carolina Rempel
Amadrinhadores: Denis Magalhães
Fernando Aguiar - Robson Paines
Sou
frente... do rubro crepúsculo no firmamento,
Trago por dentro o gen do centauro das coxilhas,
Levo pelas trilhas a coragem da gesta guerreira,
A fibra da casta campeira onde o orgulho rebrilha.
Sou
verso... Nas parábolas que ensina a natureza,
Trago a riqueza em metamorfose pelo chão,
Sou infinito clarão que verte essência e sentiment,
Alma terrunha que por dentro dispara o coração.
Sou
frente... levando na rédea um zaino pelo rodeio,
Sou alma com mil anseios diante da vida ingrata,
Com estribos de prata, sou tropeiro de ventos haraganos
E do mestre Aureliano* sou poesia da pampa retratada.
Somos
sementes na terra, palavras e sentimentos...
somos alento, pergunta e resposta no pergaminho dos avós,
Para um dia a sós, os olhos beberem a metáfora do
saber
E assim florescer o quilate da essência de todos nós!
Com
o olhar inerte no tempo que se foi pra não voltar
Ao longe vou procurar o que perto um dia não perdi…
E ao final descobrir o por quê da insistente interrogação:
Qual a razão das coisas simples nos fazerem sorrir?
No
ciclo das estações vou exalar poesias em fragrâncias,
Sou alma de estância num inventário a permanecer;
Vou guarnecer a porteira do romance de longa estrada...
E pelas canhadas, refletir o pasto serenado ao amanhecer.
Sou
frente... força e lenitivo pra quem procura amparo,
Sou verso claro com a mensagem de viver um tempo lindo,
Sou frente sempre sorrindo já que por dentro ela me conduz,
Sou alma, eterna luz de quem segue amando e construindo!
Sim!
Não! Verdade! Mentira! Antigo e Moderno!
É o sentimento fraterno nas duas vozes do mesmo ser
para fortalecer nas sesmarias a sólida identidade
E pelas contrariedades o ciclo do amor deixar florescer.
Sou
frente... ao trote largo pelos caminhos da querência,
Pois a procedência deixa marcas em mim pelas planuras
E nas alturas nuvens tordilhas galopam livres com os ventos,
Pra depois apeiar sentimentos com repechos de alma pura.
Sou
alma... povoada de sonhos e desejos infinitos...
E o que hoje sinto é o íntimo tempo em recorrida,
Busco em contrapartida o que o criador leva e trás,
Em recoluta levo a paz para iluminar outras vidas.
Estamos
petrificados em lágrima e eternizando sentimentos,
para neste momento ser frente e verso pelos confins!
E assim a cada amanhecer ter a liberdade consciente,
Levando para sempre a querência num poema sem fim!
*
Referente a Aureliano de Figueiredo Pinto
– Poeta Rio-grandense
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