“SOB OS SÓIS DESTE SETEMBRO”
Autor: Nenito Sarturi - Santiago
Intérprete: Cassiana Andrade - Porto Alegre
Amadrinhador: Beto Caetano
No
lombo de um flete mouro
Que até parece voejar
No pastiçal de flexilias
Revisito, em pensamento,
Paisagens verdes, coxilhas,
Várzeas, peráus e alagados
Da velha e boa Querência
É o dom da imaginação
Que, novamente, me salva
Das muralhas de cimento
Onde aprisionei, sedento,
o velho corpo ofegante.
Só o Velho corpo, repito,
Porque a alma, que é andante,
Freqüentemente se solta
Nas asas livres de um grito
E, ao tranco do pingo mouro
Bueno de pata - um irmão
Que também sente as agruras -
Vou beber céus e lonjuras
Nas aguadas do meu chão.
Sob
os sóis deste setembro
De lembranças sanguinárias
devagarito relembro
Figuras tantas, lendárias,
Que povoaram sesmarias
Peleando em hostes contrárias.
Páginas inapagadas
Que ficaram registradas
nos anais da tantas glórias.
Tempo de luta, vitórias
Que refulgem mais ainda
Quando os antigos revivem
Das cinzas, pela memória,
As brasas da nossa História
Que nunca damos por finda
Contemplo um Bento Gonçalves,
Um Neto - a força terrunha,
Um taura que a lança empunha
Com honra e com altivez ...
Heróis sem voz e sem vez
Que orgulharam os seus pares,
Mas deixaram tantos lares
Na orfandade e na viuvez
E,
nos sóis deste setembro
que não se apagam jamais,
Resplandecem Canabarros,
Garibaldis, tantos mais,
Que os pais dos pais de maus pais
Souberam glorificar.
A nós, não cabe julgar
Os atos dos ancestrais:
Apenas reverenciar,
Já que tombaram peleando
Sob o manto de um ideal
Por um Rio Grande imortal
Que continuamos cultuando.
Hoje
são outras armas
- Nem adagas, nem fuzis -
Existem tantos “Brasis”
Da ponta ao coice do mapa.
E há uma vanguarda guapa
Que desbrava, intransigente,
Este Pais - continente
Leste a Oeste, Sul a Norte
Campeando sua própria sorte
Com a velha fibra farrapa.
Por
isso, irmãos brasileiros,
Não nos olhem com surpresa,
Já que o pão que vem a mesa
É fruto desse labor ...
Saibam, também, que o amor
Que nos impele na lida
É que nos faz recolhida
E nos atiça o fervor
De defender com a vida
O pavilhão tricolor.
Mas
virão muitos setembros
Após cessar a fumaça.
E a mesma fibra da raça
Há de fazer reculuta,
Impulsionando a disputa
Que conhecemos de cor,
Onde o trabalho e o suor
Darão razões à labuta
Na brava e eterna luta
Por um Rio Grande melhor.
ROMANCE DE CAMPO E MAR
Autor:
Moisés Silveira de Menezes
Intérprete: Valdemar Camargo
Amadrinhador: Valdir Verona
Quem embarca em barco alheio
Embarca anseios e medos
Abarca sonhos nos braços
Que lançam redes no mar
Buscando nesta labuta
Garantir o pão na mesa
Onde a Luz da lamparina
Ilumina rostos tristes
Todos crentes na esperança
De um dia ter vida boa
E talvez saber que o fim
É o sem fim azul do mar
Para quem mira de longe
Parece um frágil caíque
O barco que abarca um mundo
Que embarcou no continente.
Sarandeia sobre as ondas
Por ora em suaves meneios
Por outra quase soçobra
Em tremendo corcoveio,
Mas no leme, rédea firma
Juvêncio com tino e rumo
Sabe que vida renasce
Na sobre vida dos tombos
Campeiro vindo de Estância
Do mar verde da campanha,
Uma espécie de marujo
De campo verde e macega
Não vê muita diferença
Entre o lombo dos ventenas
E esses barcos araganos
Que buscam na faina diária,
Além de ricos cardumes
Respostas pras inquietudes
E talvez chegar ao fim
Do sem fim azul do mar
Juvêncio
é um desses tauras
Que vieram do mar da pampa
Tentar a sorte embarcado
Nesses barquitos pesqueiros
Quem outrora marcou, curou
Quebrou corincho de potros
Hoje garimpa garoupas,
bagres, tainhas gavionas ...
Se equilibra sobre as ondas
Quem antes se enforquilhava
Num maula que levitava
Por sobre as ondas do pasto
Quem domou xucro em
Santana
E gineteou nas “criollas”,
Tenteou traíra em Rio Negro;
Fez presença em Vacaria,
Não respeita o mar por grande
Mas teme o desconhecido.
Juvêncio se aferra ao leme
E lembranças passageiras
Dos mistérios do jarau
De tirotear com gendarmes,
Compõe um mundo pequeno
Ante o reino de Netuno
Nas ondas crespas do
mar
O barco navega suave
Buscando vida e sustento
Há uma quietude que inquieta
Quem se aventura na lida
No imenso reino marinho
Onde o peixe é garantia
De quem precisa sonhar
Para alimentar outros sonhos
E amenizar esta angústia
De nunca chegar ao fim
O sem fim azul do mar.
No
lombo de um Baio Ruano
Que ondeava por sobre os pastos
Numa “criolla” a lo largo
Entendeu assim de pronto
Que o sem fim verde do campo
Terminava no alambrado
Mas no leme de um pesqueiro
Num reino sem aramados
A liberdade é completa
E o fim do sem fim do mar
É o começo “por supuesto”
Do sem fim azul do céu.
O CORAJOSO
Autor:
Carlos Omar Villela Gomes
Intérprete: Valter Vieira Ribeiro
Amadrinhador: Rodrigo
Cavalheiro
Voluntário!,
falou, Não disse o nome,
Mas não foi esse o apelido que ficou ...
Os nervos de aço, os braços da tarumã,
Grandes olhos negros feito a própria guerra
E uma compulsão indiscritível pelo incerto,
Pois incerta é a cruz de um voluntário.
Voluntário!,
foi o que disse na tarde derradeira ...
Um piquete, um Coronel, um ideal,
lenço rubro a incendiar no peito
E o fio da espada a prenunciar o mal.
Na soleira um beijo
na prenda
E um abraço em cada um dos filhos ...
A vida é assim,
pensou, existem coisas
Que um macho deve encarar de frente ...
Então deixou seu rancho, sua gente
E partiu, seguindo cego o Coronel.
A marcha já
durava mais de um mês,
Seguindo firme a desenhar estradas;
Arroios, banhadais, minuano, geada
E um que outro tilintar de aço.
O julho cortava firme
com sua lâmina de frio
E mais fria ainda ficaria aquela tarde,
Pois na beirada de um capão antigo
Uma tocaia lhes tomou a vez.
A saraivada de chumbo fez morada
Na tez morena dos de lenço rubro...
Daí a pouco o aço, a cavalhada
E uma carga, descendo o coxilhão.
Coronel, cavalo morto, resistia
Honrando o sangue corrente em suas veias,
Mas a tocaia é uma imensa teia
Que enreda até o mais valente ser.
Seis para um era a conta da peleia,
Conta brutal que o resultado é a morte...
Mas, de a cavalo, “inda” brigava um forte,
fazendo carga contra o fogo algoz.
Era ele sim, o voluntário...
Aquele que deixou sua família
Para se embrenhar no ventre da guerrilha
Atrás de um sonho que julgava seu.
Meio de susto avistou o líder
Já acuado, quase sem defesa,
Enquanto a corja afiava as presas
Para o banquete do festim mortal
De
repente um grito, um turbilhão,
Ecoando no lugar, feito um trovão
De um tempo feio que tomasse o céu...
O fio da espada se tornou arado
Lavrando a carne desses seis covardes
Que se perderam, sem achar quartel;
E então, num galope alucinado
Disparou pelo lançante o voluntário
Lavando na garupa o Coronel.
Herói
de guerra se fez o voluntário,
E em outras tantas batalhas se esmerou...
Uma esquiva, a dor de um golpe seco
E outro corpo que se ia ao chão.
Corajoso,
lhe chamavam os parceiros,
Corajoso sim, pela bravura
De fazer brilhar por essa história escura
O sol maduro da honradez e do valor,
Numa outra tocaia traiçoeira
Prisioneiro caiu, foi resgatado
Por outro índio de igual tutano
Antes que a “criolla” lhe mostrasse a cor.
Muitas
lutas travou o corajoso,
Por tantas cargas, machucando o pasto...
Mesma firmeza no semblante gasto,
Mas já cansado de viver assim;
Até que um dia a rosa pálida da paz
Desabrochou nas agruras desta terra,
E a rapinagem, o furor da guerra
Nesse momento se chegou ao fim.
Então
se foi o corajoso, rumo ao rancho,
Buscando o alento e a fé de sua “flor”...
“De que tamanho já estarão os filhos?”,
“Será que o campo continua verde?”
Tantas perguntas de quem tem saudade
E não se agüenta pra poder voltar.
Queria
um mate, uma prosa, uma ternura
E os olhos mansos da mulher amada...
Queria tudo o que perdeu na estrada,
Queria a chance de achar guarida;
Chegou então o Corajoso ao pago...
Encontrou o rancho abandonado
E quatro cruzes repousando ao lado,
Braços abertos como em despedida...
E
então, percebeu o voluntário
Que este foi o saldo do inventário
Dessa coragem que mostrou na vida!!!
NOITE GRANDE
Autor:
Gujo Teixeira
Intérprete: Xirú Antunes
Amadrinhador: Maurício Marques
Noite
grande...!
Dos retratos antigos
pendurados na parede.
Descem os avós
sorridentes
mesmo desbotados pelo tempo
e passeiam pela memória da casa.
Passos macios qual
novelos de lã,
desses que as avós campeiras
com seus teares e mãos mágicas
faziam bicharás para as invernias,
lã por certo de algum cordeiro de Deus!
Os avós também
campeiros,
antigos tal a saudade,
passeiam pela memória
de não esquecer nenhum fato.
São fantasmas
pela memória da casa,
pelo corredor de janelas grandes,
pelo quarto de noites grandes,
pela sala de portas grandes para o pátio.
Na sala...
uma cadeira de balanço para embalar a saudade
e móveis tão antigos, iguais a ela.
São fantasmas
pela memória do galpão
e sopram as brasas do fogo de cão
para que este não morra de cinzas
e reviram a memória do galpão
de quando encilhavam cavalos gateados,
mouros e baios, e quebravam bem o cacho,
um lombilho, aperos de prata,
esporas luzindo o clarão da aurora.
Atavam ao pescoço
um lenço
e terçavam ferro em alguma revolução
pela honra deste lenço bandeira,
de paz e guerra.
As avós...
na paciência de criar filhos, meus pais,
cuidavam sob o olhar atento,
e o carinho das mãos.
Mãos mágicas,
que sabiam como ninguém
fazer pães e tachadas de doce
e cerzir panos e fazer bordados.
Mãos de aceno
quando um filho partia,
pássaro que cria asas e voa sozinho.
Noite grande...!
E os avós que saíram dos retratos
passeiam pela memória da casa,
do galpão, de tudo, e de todos!
Noite
grande...!
E eles voltam para as suas molduras,
janelas de onde vêem e são vistos,
de onde lembram e são lembrados
de onde amam e com toda a certeza,
também são amados.
NUANCES DE PEREGRINAÇÃO
Autor: Joel Capeletti
Intérprete: João Volmar da Rosa
Amadrinhador: Henrique Scholtz
a gurizada
do meu tempo atava
bois de sabugos às caixas de sapatos
para eternizar os viajantes quixotes.
Cruzavam nas cercanias do povoado
ou à frente das portas dos ranchos da vila,
para despejar quinquilharias, leitões,
panelas, peneiras de palha e até frutas
que a intempérie do sul não judiou.
Os homens desse tempo,
esses que cruzavam
de aguilhada em riste,
traziam semblantes finos,
carregados de saudades e esperanças.
Ostentavam a dinastia carreteira
que foi misturando sangues
desde a invenção da roda,
essa que é serventia das cambotas.
...De lá para
cá foram escasseando...
Esta lenta obsolência os foi engolindo...
Mas, para os poucos restantes,
já ter carreteado é um atributo
de brava nobreza crioula.
A chuva e o mormaço temperava
a alma de coragem e paciência,
formando sábios laboriosos,
transponentes de léguas de solidão.
As carretas, lembrando
o poeta,
pareciam caravelas singrando mares,
abrindo pastos no verdor dos campos,
na mais simples das analogias.
Vinham quinchados de santa -fé,
em couro ou até de zinco toldadas.
Faziam as vezes de paiol e prefeitura,
carro de defunto e casa de família,
farmácia de remédios e bolicho,
ou até, não raro, oratório e prostíbulo.
Então, revendo
a história,
desde os tempos de Garibaldi,
que arrastou em duas carretas,
puxadas por duzentos bois,
dois lanchões desde a Lagoa dos Patos
até a Lagoa do Rio Tramandaí,
podemos dizer que esses quixotes
são cavaleiros da távola redonda
peleando sempre de peito franco.
Com seus ponchos ao
vento,
guri, que é grumete, e o cusco,
perdidos na neblina dos tempos,
são os fiéis depositários das estradas
e desse transporte que sucumbiu.
Porém, com obscura consciência,
carregam no sangue a vanguarda
de ideologia e de pleno heroísmo
que herdaram dos ancestrais.
Ainda lembram dos remotos,
quando dizia-se, a boca cheia,
que moço com uma carreta
e quatro juntas bem parelhas,
já podia casar e ter família.
Trazem os causos de bolicho,
das voltas de mate ao pé do fogo
e enxergam, por vezes, fantasmas
no literal chiar das cambonas
Por isso, que, quando
volto no tempo...
No tempo de piá, de faz de conta -
lembro deles, uns três ou quatro,
solidários, educados e amenos,
passando uma vez em cada mês,
gritões para as suas oferendas
mas calmos e pausados nas falas
quando as “Donas”, das janelas
ou dos parapeitos, negociavam...
Não é
atoa, que, varando jornadas
tragam conforto nessas penosas viagens.
Talvez busquem na epopéia das carretas
motivos bastante para retornar.
Quem sabe mostrem nos olhos marejados
a independência de códigos e posturas,
e que se entenda, em todos os quadrantes,
que foi em carreta de boi, por terra,
que a humanidade foi crescendo.
Por isso, hoje, quando
vejo esses poucos,
tranco lento, às beiras da sociedade,
percebo no seu íntimo mais profundo,
quando algum menos informado
cria coragem para interromper
a jornada e lhes pergunta, incauto,
por que não trocam seu obsoleto
meio de transporte por algo melhor,
o porquê da perseverança infinda.
Eles se recusam por razões claras.
Talvez pelo orgulho de controlar,
plenamente, seu modesto ciclo de vida.
Por isso, nessas oportunidades,
quando são parados pelas ruas,
e essas perguntas insensatas
são feitas, educada e dignamente,
quebram o espelho das retinas,
baixam a cabeça e nem respondem.
...Com
suas naus preguiçosas,
gemidos dolentes e rastros compridos...
Austeramente seguem em frente...
E, os que ficam com suas indagações
sem serventia e sem respostas,
deveriam saber que eram inoportunas
e, pelo desagravo, seria providente
desculpar-se pelo inconveniente
ou envergonhar-se de ter perguntado.
RELATO DO POSTEIRO SÓ
Autor:
Moisés Silveira de Menezes
Intérprete: Márcia Raquel Graciolla
Amadrinhador: Fernando Graciola
Num
ermo fundo de campo,
no contra forte do cerro,
bem onde o rio faz a curva,
no pago da minha infância
plantava-se, um rancho tosco,
de barro, palha e taquara,
onde habitava um sólito,
de origem desconhecida,
ganhando a vida a lo largo,
quebrando potro gavião.
Deixando a estrada
real,
num galope a rédea curta,
para direita, desviando o perau,
a picada, estreita, pedregosa,
terminava num de repente,
na boca “ancha” escancarada
da cancela, um monumento
de moirões de guajuvira,
onde encimava um forneiro
sentinela num mangrulho.
Um campestre verde
escuro
entremeado de ervas ralas,
no plano se esparramava
buscando sombra do oitão
da centenária figueira.
Quase irreal a figueira,
desfiava a vida em recuerdos
calado, palmeando um mate,
traços rudes de ameríndio,
perfil de angico imponente.
Tarde longe, sol se
pondo
entre o palheiro e o amargo
como esperasse por algo,
na cancela firmava o olhar,
depois, passeava as mãos calejadas
tirando dois ou três acordes
de uma guitarra alquebrada,
e uma coplita pungente
escapava da garganta
fazendo eco ao redor.
Alguns dizem ser louco
por alto, meio variado, de lua,
recluso de pouco assunto,
mas respeitado por bueno,
pois, o rancho era paradouro
para mascates e andejos,
que traziam novas do povo,
- A causa, uma morena trigueira,
que bateu asas prá o mundo
num agosto já “mui lejo”.
Também cantavam a meia boca
que um gateado Lunarejo
em lida braba de estância,
saiu vendendo os arreios
por duas léguas de campo,
e talvez num desacerto
de mau jeito largou o taura,
que ficou assim, tantã de idéia,
quando a melena em alvoroço
bateu de seco no chão.
Pétrea estátua
parecia,
quando, arrinconado em si
ruminava anseios potros.
Olhar cinzento, estirado
no corredor do horizonte,
como quem busca um lucero
pra alumiar estrada e rancho,
estampa do velho monge
e jeito de quem tem tempo,
por já ter lido o destino.
Nunca contava de si,
nada lhe era indagado,
tampouco d’outros falava!
Na roda de mate e prosa
assunto sempre bailava
entre os que fazeres de estância,
alguma queixa, chistes, relatos,
parece que comprendiam,
que há um mundo todo à parte
nas razões de um solitário.
- À noite em
horas inquietas,
quando a pensar me entretenho,
a imagem chega de longe
rondando a tropa dispersa
de um rodeio de recuerdos;
- Faz parte da minha infância
o velho ermitão do posto,
que por um ou dois motivos
enclausurou-se na soledade
daqueles fundos de campo.
Jamais
lhe entendi as razões,
se a china ou o boléu do gateado.
Mas, garanto, nada mais feio,
que um amor quando se afasta
e o corcovear de um ventena.;
- Apenas a copla triste
de quando em vez salta alpedo
do baú das remembranças
e aflora em tom de milonga,
quando relembro meu pago.
ÚLTIMO ATO
Autor: Colmar Pereira Duarte
Intérprete: Pedro Júnior da Fontoura
Amadrinhador: Leonardo Charrua
A
morte chegou de quieto,
com alpargatas farpudas
de tanto campear viventes.
O
sol recém despontara
sobre os pastos serenados
daquela final de agosto.
Mateando,
de frente à porta,
ia pensando recuerdos
por não ter com quem prosear.
A
vida é um rio de esperanças
que o tempo enche de remansos
onde nadam as lembranças
quando não se sonha mais.
Estava
assim distraído
quando tocou o seu ombro.
Quis levantar
mas tombou, soltando a cuia da mão.
A
cuia rolou pra longe
deixando um rastro e um som...
A morte o deixou caído;
Quebrou a cuia do mate,
sofrenou seu coração.
Quando
alguém chegou à porta
que emoldurava o silêncio
daquele quarto vazio,
achou seu corpo de borco,
com o rosto contra o cão;
como, num tronco de angico,
uma casca de cigarra
deixada na mutação.
Morreu
tal como vivera
sem aviso,
sem alarde.
Seu
último confidente
foi essa cuia de mate da manhã,
do fim de tarde,
que rolou da mão sem vida
deixando um rastro e um som...
Morreu
tal como quisera
por gostar da solidão;
Solteiro,
sem neto ou filho
para chorar porque se foi.
No
velório,
só o silêncio acompanhava o balanço
da chama das duas velas
no ritual do relembrar.
Companheiro
como poucos
nunca negava o estribo
ou deixava um compromisso
para um passeio
ou um serviço.
Mate pronto,
água caliente
ou de pingo pelo freio,
mas não largava na frente,
sempre esperava o convite.
E
os silêncios que ele tinha
guardados de muito tempo?
Daqueles que só os amigos
podem juntos desfrutar.
Quando as brasas dos borralhos
se acomodaram para dormir,
já não chiam as cambonas
nem há causo pra contar,
cada qual com seus recuerdos
confidenciando segredos
nesse dialeto casmurro
onde a palavra é demais.
Dizem
que o homem já nasce
com o destino traçado.
Ninguém veio por acaso
mas cumprindo uma tarefa.
Como se fosse uma peça
de um tabuleiro invisível
onde um Deus joga xadrez!
Como
um tonto personagem
de um circo de marionetes
numa cena repetida
pela vida,
tantas vezes,
preso a uma cruz de cordões.
E a mão que nos move os passos
estabelece os fracassos
e determina as conquistas.
Dos
marionetes artistas
este foi coadjuvante.
Passou nos palcos da vida
sem despertar atenção.
Acho
até que foi por isso
que nunca quis se casar.
Para não subir nesse palco
como artista principal.
Mas
a morte entrou em cena.
E
nesse Ato Final o pôs no meio da sala,
com luzes ao seu redor.
Todos
rezavam por ele.
Todos tiraram o chapéu.
E o levaram do cenário
com as flores e o caixão.
Com todos os seus silêncios
guardados para nunca mais
HOMENS
E PÁTRIAS
Autor: José Henrique Azambuja
Intérprete: Wilson Araújo
Amadrinhador:Cléber Brenner
Ronda
noturna ao tranco largo
coxilha alta e um mouro negro
trocando orelhas, carrega destro,
no lombo firme o andarilho,
poncho às estrelas.
Um
assobio quebra o silêncio,
floreado ao léu,
prateia a lua!
E
o vulto negro contra o horizonte
na imensidão de campo e céu,
abre as narinas sorvendo o aroma
da noite prenha de planta e flor.
Cruzando
o ar, pontos de luz
vagam nos campos
pintando cor.
Chiar
de cascos, tinir de esporas,
mascar de freio, som de barbela,
e, o mouro negro e seu campeiro
cortam na noite o vento leve soprando nela.
A
lua grande espia astuta
o andarilho no seu andar,
cruzando pastos, sangas e grotas
na imensidão da pampa nua,
sombra e luar.
Enfim...
um marco!
Sinal político
da divisão de dois países.
No mesmo tranco
o mouro negro segue a estrada,
a mesma estrada, a mesma terra,
os mesmos pastos e o mesmo vento,
tropeando aromas todos iguais.
Ficou para trás a vã divisa
de duas pátrias que ele cruzou,
para o campeiro fazendo rumos
de nada serve àquele marco
que lá ficou.
E
nem mesmo o mouro mudou o andar,
o ar é o mesmo, os mesmos campos,
o verde é o mesmo, tudo é igual.
O
gado pampa igualmente lá,
rumina o trevo no seu descanso
rondando o cocho do mesmo sal.
Homens
os mesmos, buenos e malos,
fogões acesos, os ranchos toscos,
luz de candeeiro marcando pontos na noite larga,
mesmos destinos a persegui-los no tempo a fora,
também as mesmas penas e mágoas, duras e amargas.
A
língua é outra, são outras falas,
porém nem tanto, pois se compreendem
tal qual irmãos da mesma terra,
unidos sempre na mesma luta de homens livres,
seja na paz, seja na guerra.
Muda
a bandeira, trocam as leis,
seguem os sonhos e sentimentos,
e àquele andante monge dos rumos
nem se apercebe por onde andou.
O
mouro negro trocando orelhas
ao tranco largo, mascando o freio
a bater cascos pelo caminho
que não mudou.
Homens
e Pátrias trocando sonhos,
e uma esperança de paz nos campos
de duas querências e um só pago.
DÁDIVA
Autor: Luiz Lopes de Souza
Intérprete: Paulo Ricardo dos Santos
Amadrinhador: Rodrigo Cavalheiro
Como
um mísero desprovido e coitado,
só te ofereço um gesto acanhado e rude,
este poema também pobre e tresloucado
que ao teu sorriso alcançará plenitude...
Quis tanto te dar riqueza,
sesmarias de beleza,
os frutos do meu labor...
Mas...
plantei razões para o meu canto
e um conta gotas de pranto
regou searas de dor,
...para humildade do teu sonho
só bastaria uma flor...
Então...
na busca de flor mais bela
refuguei outros caminhos,
com bruacas de carências
que juntei pelos caminhos...
- Bebi..., relutâncias
de cambichos,
pelos balcões de bolichos
ébrio, errante e pecador...
golpeei tragos de desejo,
morrendo pelo teu beijo
embriagado de amor...
-
Senti..., teu aroma inebriante
num desvairo de saudade
no meu olfato de amante...
e a minha alma boêmia
perdeu-se branda e silente,
na fantasia eloqüente
desse teu cheiro de fêmea...
- Vi..., teu vulto manso e frágil,
surgindo numa miragem
para consolar os fracassos
de meu capricho em evidência
que, segue um olhar de aquarela
da mais casta das donzelas
se despindo da inocência...
As flores...!
Sim... encontrei...!
Entre as lindas as mais lindas
mas não satisfeito ainda
aqui estou de regresso...
- Não posso te dar uma flor...!!!
Tu mereces muito mais
do que a mais perfeita flor
que encontrei, no universo...
- Restou, o meu poema para ti...!
...também te dou, neste regalo malgrado,
toda a pureza desta mágica virtude,
tu mereceste deste poeta olvidado
toda riqueza que quis te dar e não pude...
... ao fenecer nos perenais da saudade
entenderás, na pedra da frialdade,
a sanidade desta dádiva de louco...
... o meu poema pouco vale na verdade,
mas nele flui amor e fidelidade
maior grandeza, de quem te dera tão pouco...
ROMANCE
DO PEÃO DE ESTÂNCIA
Autor: José Machado Leal
Intérprete: Patrocínio Váz Ávila
Amadrinhador: Leandro Bellano de Farias
Fronte
altiva, jeito franco,
marcas de tempo e sol,
bota garrão-de-potro,
nazarena sete-cravos,
chapéu quebrado dos ventos,
pilchas sovadas da lida,
Um figurão de gaúcho!
Chamava-se João Mariano.
Profissão: peão de estância.
Peão porque o avô também foi
e o pai lhe ensinou a lida;
peão por caprichos da vida,
por que nunca soube ler,
ou talvez peão por querer,
nunca para ser escravo,
mas para ser um campeiro livre,
dono do próprio nariz.
Nessa luta por direitos,
João Mariano não se apressa.
- Quem tropeou no campo largo,
nos carijos, mate-amargo,
ginete de potro e pampa;
quem refez a própria estampa
no manancial farroupilha,
ganhou direitos de encilha,
é parte da própria estância,
conhece tempo, distância
e o jujo que dá em coxilha.
-
Quem conhece o “fel-da-terra”
na perda do bem-querer,
faz da lida um prazer,
pois tudo exige o talento
que da bravura é sustento.
E aquele que anda sozinho,
abre seu próprio caminho
seguindo as trilhas do vento.
E mesmo se o “cobre” encurta,
ou se a vida fica osca,
O velho peão se garante.
Tem rancho, cavalo e campo,
do patrão um trato franco,
quase irmão na igualdade.
Não é coisa de cidade,
peão é produto crioulo,
o mesmo que fumo em rolo,
só se ganha com amizade.
Mariano veio do ontem,
cruzando todos os rios,
abrindo picadas na serra,
cravando cercas no pampa
e guardando na memória
aquele gado crioulo
que a vida inteira juntou.
Um dia mudou a prosa,
trocou o pelo da barrosa,
só o peão nunca mudou.
Mas a sentença
do tempo,
pior que o banco dos réus,
vai esquecer João Mariano
dando lugar ao moderno
tal qual neblina d’inverno,
querendo mudar o pago.
Da canha nem mais um trago,
sumindo inté c’a bombacha,
nem guaiaca e nem faixa
pras pilchas do índio vago.
E o moço que tudo sabe
das histórias de outras gentes,
perguntará, bem sem luxo,
como era o tal gaúcho?
Andava a pé ou de moto?
Não deixou nenhuma foto?
Era bárbaro ou cristão?
Certamente,
assim será!
Pois ninguém manda no tempo.
Se o velho um dia foi novo
e andou cheio de retovo
explorando terra e mar,
o “gênio” não vai parar
e mesmo que finde a trova,
a vida ainda se renova
tal como um tiro de laço!
E o Mariano lá no espaço,
namorando a lua nova.
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