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23ª QUADRA - SETEMBRO DE 2018

 

1- Eu, Também Rio Grande
Autor: Djalma Correa Pacheco
Declamador: Leonardo Andrade
Amadrinhador: Willian Andrade

Pra mim,
O sol não desenha silhuetas do galpão
Quando a noite engole o dia.
A boieira não se esconde na coxilha
E nem os pirilampos povoam de brilhos
As escuras noites do Sul.

Não há cavalhadas pastando silentes
Num potreiro grande quando a manhã se vem.
Não há relinchos de potros
Nem gritos de valentes torenas
Na lida campeira de deixar manso o bagual.

Pra mim
Não há garras deixadas num canto
Nem cavalos de lombos suados...
Não há porteiras, alambrados
Nem tratores e arados
Sulcando o solo fecundo
Para tirar, da terra, o pão.

Não há mãos calejadas de fazer cordas
Quando a chuva impede o lidar na mangueira.
Não há rodeios, castração, ordenha, bicheiras
Nem laço no ar espichado
Em tiro certeiro nas aspas de um boi.

Aos meus olhos,
Não há verdes se desdobrando
Em canhadas, planuras e coxilhas.
Não há flor azul de aguapé
Nem campos cobertos de branco e amarelo
Da maria mol e maçanilha.

O meu dia amanhece ao som de buzinas
E segue constante no vai e vem agitado,
De quem passa, apressado, pra vida ganhar.
Os prédios dominam as paisagens
E a vista não se perde ao tentar mirar horizontes.
A paisagem que vejo é cinza –
Muitas vezes, doentia –
Na sombra obscura de prédios
Quando a noite engole o dia.

Pra mim,
O campo é distante
E o universo rural a mim chega
Nas fotos do Streliaev
Em poesias do Anomar
Nas esculturas do Vasco
E gravuras do Berega
Que adornam salas e gabinetes
Acompanhadas, algumas vezes,
Por diplomas emoldurados,
Que também são resultados
De muita fibra e grandeza.

Sob meus pés,
Não há barro de mangueira,
E sim o duro asfalto de uma vida urbana
Tão valorosa quanto aquela do interior.
Este universo de concreto,
De aço, pedra e cimento
Faz parte do mesmo torrão
Que nós chamamos de pátria.
De meu talento e suor,
De meu empenho, valor
E trabalho abnegado
Também são feitas nossas façanhas,
Também é feito nosso Estado.

Sim, tenho outro costume, linguajar,
E um outro tipo de lida...
Mas na cidade agitada em que vivo
Também carrego comigo
O atávico sentimento de amor por este solo.
O chimarrão que eu sorvo
Em parques desta metrópole
E a bombacha que eu uso,
Com todo o garbo e orgulho
– Ainda que só nos setembros
Reafirmam o respeito
Que carrego dentro do peito
Por quase 300 anos de história,
De peleias, lutas e glórias
E também alguns tropeços.

Admiro o trabalho do homem campeiro
Mas não recordo tropeadas que nunca tropeei
Meu universo e tempo são outros.
Sou deste clichê chamado “selva de pedras”,
De horizontes estreitos,
De ruas cheias e altos prédios,
De carros, buzinas, fumaça...
Mas sou desta mesma raça
Que tem brio, força, nobreza...
E no meu coração, com certeza,
O telurismo também se expande
Porque, sim! Também sou gaúcho
Porque, sim! Também sou Rio Grande

2. Batalha
Autor: Mateus Neves da Fontoura
Declamador: Carlos Weber
Amadrinhador: Clênio Bibiano da Rosa

O frio que me corre a espinha percorrendo o corpo,
Que me gela os ossos, o espírito e que me escarnece a alma....
É o gêmeo calafrio ... O arrepio-irmão da arritmia que me aquece a carne!
Enquanto a boca me insiste em salivar as fantasiosas divagações de noite e calmaria... lembranças de um tempo que está logo ali, parece ontem!

Talvez minhas pupilas reajam melhor ao convite químico, do que à própria física solar que invade a sala...
Afinal... recém é meia tarde... Dia-de-semana!
Meia tarde de quarta.... melhor abrir as janelas e ver a vida...
Achar uma ocupação... ao menos aos olhos de terceiros...

Mas “e quem sabe”? ...
Sempre a me indagar o velho “demoninho”... pequeno Anhangüera ao lado esquerdo....
“E quem sabe... se não é a quarta uma parte inteira do que a alma... do que o corpo pede? Quem sabe as tuas pupilas reajam melhor ao convite químico, do que à própria física solar que invade a sala?”

Demônios...
Sempre a insistir...
Me afrouxem um pouco! Procurem um outro redemoinho... senão um outro louco!
Afinal, posso dizer... estamos empatados! Um por um! Não quero mais!
Pois já perdi..... já vi o fim de tudo ... e era cedo.
Não era a minha hora... e não será!
Confio em mim! É o que me basta....

Ah! O que dizer? Como chamar de ruim o que sacia?
Como desprezar o máximo estertor de liberdade?
O clímax motriz de cada célula do corpo?
A leveza dos sentidos? A cor do toque? A maciez do som? O volume do olfato? A inteireza das palavras? 
Desprezar a fuga dos freios dos princípios? O esquecimento do ego?
A supremacia da vontade?
Como agradecer... deixar passar, a sublime insensatez do “ninguém sabe”, do “ninguém viu”... “segredo nosso”!?

Afinal.... sempre foi o “eu me garanto”.... “paro quando quiser”....
“O que cabe na palma da mão não me domina”... “será só hoje”....
Sempre foi o “não da nada!”.... e “se der alguma coisa a gente reparte”...

Será?.... reparte mesmo?
Ledo engano...  ilusão poeiril que se desfaz na primeira toada....
Ninguém repartirá contigo a salvação. Ponto final!

Quando chega a hora... vale mais o “cada um por si”....

E o brabo mesmo é enxergar a hora....
Ninguém te ensina a entregar os pontos... a ser derrotado.
Somos sempre “nós.... os vencedores”....sob as insígnias da honradez e da conduta!

Ganhar é fácil... o espelho ajuda!
... quero ver perder...

E a primeira coisa que se perde é o respeito.... a vergonha própria
Depois a família... a mulher, as filhas....
Os amigos já não estendem as mãos....
O pensamento é um labirinto insosso
Anda na volta e não encontra o rastro...  não encontra o gosto, não encontra o cheiro, já não tem razão...
Eu aprendi penando: o peito cura... quando é só ferida....
E se viaja longe quando não se quer voltar...
Cuê pucha! a vida é de fato uma batalha!
Mas.... estando a guerra ” um por um”... me agrada o empate!
Afinal a morte é só o resultado.... o prêmio de consolação ...pelo bem, pelo mal... há  nada além....

Eu sigo assim... chiripá e vincha! Alma larga e lança!
Na pena, o peito aberto em poema pra sangrar estrelas se preciso for.
Enfrenarei as nuvens das minhas incertezas... acalmarei minhas tormentas.... Com a serena benzedura de uma cruz de sal...
E serei garrucha de um tiro só... minha palavra o projetil de chumbo O básico produto a fazer inertes as voláteis reações da alquimia dos desejos...

Carrego em mim a humildade... de quem se viu no espelho e não se enxergou.
A certeza de que a queda é uma questão de tempo... ao desprezo das alturas...
Carrego em mim a esperança... de seguir voando, na dança que dispensa as asas da fantasia e que voa de igual maneira, vestindo a túnica inflexível da realidade...
 
Guerra é assim, tiro por tiro... um leão por dia...
Olho na mira, dedo no gatilho... esmoreça e  esteja pronto para arcar com as consequências.... para aguentar a queimação de um tirambaço... a frustração que nos surpreende a queima-roupa.

Por isso digo, afinal e por final, amigos meus... graças a Deus:
Que a vida.... cuê pucha! A vida é de fato uma batalha!

3. Os Bens
Autor: Rodrigo Bauer
Declamador: Pedro Jr. da Fontoura
Amadrinhador: Clênio Bibiano da Rosa

Há bens que a gente não guarda no cofre nem no galpão...
Não são passíveis de compra, de venda ou avaliação!
Não há como compará-los com outros bens em questão...
Só são visíveis aos olhos da alma e do coração!

São bens que a gente não pega, que não se pode tocar...
Nema visão os conhece, ninguém consegue escutar...
Têm gosto, mas é distinto, transcende do paladar...
Têm o perfume das coisas que vêm pra nos inspirar!

É desses bens incontidos, despidos e existenciais
que os homens, hoje, carecem em suas vidas banais...
Coisas que o tempo não come, riquezas imateriais;
princípios, honra, caráter... Firmeza nos ideais!

São bens que o homem recebe e marcam na sua mente
feito iniciais avoengas queimando no ferro quente...
Eles se dão pelo exemplo queleva-se eternamente!
Não há como transferi-los para uma conta corrente!

Eles andavam no mundo, povoavam campo e cidade...
Faziam parte dos homens, do todo e suas metades...
Mas, de repente, uma doença acometeu a verdade
e vem rareando a vergonha no seio da sociedade!

E aqueles bens que eram fartos em toda a população
e que norteavam a vida no mais longínquo rincão,
foram sumindo na poeira, esvanecendo e, então,
tornando a via de regra uma sutil exceção!

Essa doença se espalha com força de pandemia,
engole credos e raças, paixões, ideologias...
Urge encontrar-se um remédio, já chega de anestesia!
Algo que, além da ganância, combata a demagogia!

A responsabilidade é minha e também é sua,
decontinuar reprimindo mesmo a menor falcatrua!
Não basta apontar o dedo, mostrar onde se situa
essa moléstia da alma que se espalhou pelas ruas!

Há bens que não silenciam dentro da gaveta escura...
Um dia eles transbordam e arrombam a fechadura!
Têm força de corredeira de água límpida e pura...
Há bens que rompem a pedra e saem da sepultura!

É desses bens que eu preciso, dessa energia sem fim
que vem da ética e filtra o não de dentro do sim...
Há bens que não se corrompem, são como um velho fortim!
São esses bens os que eu quero que estejam junto de mim!

4. Dona Branca
Autora: Suelen Mombaque Schneider
Declamador: Judite Carlet
Amadrinhador: Charlise Bandeira e Jeferson Monteiro

A casa emudeceu-se...
A sinfonia do chiar da chaleira
Calou o mate que não mais roncara.

A casa emudeceu-se...
A percussão de tuas panelas
Não mais emitiam suas notas.
Faziam melodia para um timbre
Rouco, sofrido, desiludido
Que em cada lágrima desafinava.

Somente o ruído velho de uma janela falava,
Somente um acoite de ventos tocava uma nota
Nas portas antigas sem rastros de botas.
Somente fantasmas dançavam esta música
Orquestrada de reminiscências num teto sem estrelas.
Dançam sem pés...
Dançam sem mãos...
Sapateiam e sarandeiam sem membros e compasso.

Quem sabe algum gemido ainda habita
Pelas tábuas de angico aprisionadas de angústias?
Ou quem sabe algum sorriso esquecido talvez console
Vidros sangrados de janelas trincadas
Pelos gemidos cantados em algum dia frio?

E quem sabe o calor que um dia a casa recebeu
Seja quem seque a madeira que uma parede sobreviveu
Úmida de lágrimas após ventanias e furacões?

Calou-se a casa...
Calaram-se as janelas...
Calaram-se as portas...
A tua voz calou!

Não há cheiro de manjericão
Na panela de ferro do teu feijão.
Só restam aromas de flores mortas
Coroando o teu caixão.
A rainha de meu reino!

O amor a assassinou,
O amor a sangrou
Até não restar mais sangue
Pelos ventrículos e átrios do teu coração.

Dona Branca, quantas saudades...
Branca era tua alma,
Branca era tua aura,
Branca era teu nome
E hoje és branca de luz!

Quem sabe eu pegue este tal de amor
E o entregue para ser condenado,
Com um juizado bruto e malvado,
Para lhe dar a punição que bem merecer.
Maldito amor!

Maldito amor que descumpriu os salmos,
Que desobedeceu a lei contida nas escrituras,
“O amor é benigno,
Não é invejoso,
O amor não trata com leviandade,
Não se ensoberbece.”

Eu então mando prender este tal de amor,
Que é capaz de fazer um coração parar,
Que de tanto amor...
Que de tanto amar...
Sufocou-se!

E sem mais folego, Dona Branca,
Agora em espírito, ainda te espera, bendito amor.
Pois o amor vence a morte,
Onde a casa da eternidade é capaz,
De trazer a paz que o corpo não tinha.

Sem mais rancho, Dona Branca dança pela terra,
Esperandoque seu par consumido pela doença,
Escute seu grito de amor num coração de esperanças.
E num rito de perdão,
Ter enfim, o afago,
Ter enfim, o beijo mudo,
Ter enfim a sua casa sem ruídos agoniantes.
E num abraço dancem juntos a sua música,
Num teto de constelações,
Num chão de nuvens,
Na melodia do céu!

5. O Sorro e a Lua
Autor: Leandro Araújo
Declamador: Wilson Araujo
Amadrinhador: Vladimir Guará

A noite calma e serena
Nos toca seus magros dedos.
Vultos por entre as sombras
Perambulando seus medos
Onde as quietudes cortadas
Pelas histórias contadas
Revelam tristes segredos.

Na boca da noite grande
Se ouve gritos de socorro.
Canto triste de urutau,
Ao longe late um cachorro,
Na grota se escuta forte
Um berro com jeito de morte
Por entre os dentes do Sorro¹.

Cusco do mato, ladino,
Ladrão e sobrevivente.
Pro cordeiro ele é um lobo,
Pra cachorrada um presente,
Sestroso filho da fome
Que traz astúcia no nome,
Selvagem por acidente.

Então vestiu-se de noite
Portando presas de pua.
Sentindo o cheiro do sangue
E o gosto da carne crua,
Passos macios no pasto,
Vaqueano, sem deixar rastro,
Na companhia da Lua².

Lua cheia de dezembro
É quase o mesmo que um sol.
Na escuridão é um guia,
Para o campeiro um farol,
Seguia o Sorro quietita
Jorrando sua luz bonita
No campo como um lençol.

O Sorro por solitário
Reprovou a companhia.
Não que temesse a Lua,
Linda dama que o seguia.
Remoeu-se de estranheza
Ante a sublime beleza
Que a luz da Lua continha.

Perdoa-me, dona Lua,
Mas tenho que lhe falar.
Humilde bicho das trevas
Uso o breu para caçar.
Não sei porque me acompanhas
Meus truques e minhas manhas
Teu clarão vai estorvar.

Lua manteve o silêncio.
A mensagem compreendeu.
Muda baixou os olhos
Sob a nuvem se escondeu
Aos poucos sumiu seu brilho
E então o lobo caudilho
Na escuridão se perdeu.

Um novo dia passou
E a noite rendeu-lhe a guarda.
O Sorro, por seu instinto
De caçador veste a farda
E novamente a surpresa,
Fora da grota a beleza
Da luz da Lua lhe aguarda.

Luz bonita! Sedutora!
Com tons de azul e calor.
Embrulhou entranhas do Sorro
Com seu brilho encantador,
Que então não sente mais fome
O que sente tem outro nome,
Outra forma e outra cor.

O Sorro angustiado
A cada noite que seguia
Mais e mais queria a Lua
Seu lume, sua companhia.
Quando chovia, chorava,
Na nova desesperava,
No crescente, renascia.

E a Lua ao longe lumia
Sem uma palavra dizer.
Mirava o Sorro minguando
Zombando de seu sofrer.
O bicho com a alma nua
Olhava pra luz da Lua
Sem saber o que fazer.

Enlouquecido, prostrado,
Sorro não dormia mais.
Cordeiros já não caçava
- virou chacota dos demais -
Não entendiam seu tormento
Muito menos o sentimento
E o estrago que ele faz.

O coração em pedaços.
Alma charqueada de dor.
Querer algo tão distante
Fez do Sorro um sonhador.
Então, aceitando a derrota,
O Sorro voltou pra grota
E quieto morreu de amor.

Glossário:

  1. Sorro: espécie de cão selvagem,também conhecido como graxaim ou cachorro do mato. Muito comum na pampa em suas duas subespécies, uma do campo e outra do mato.
  1. Lua: inspiração para poetas eamantes. Também conhecida como o satélite natural da Terra.

6. Pingo de Corredor
Autor: Matheus Costa
Declamador: Neiton B. Peruffo
Amadrinhador: Matheus Costa

Na volta da encruzilhada
vão quatro sombras adiante.
Pastando a lua minguante
num espelho de banhado.
Vultos desembuçalados;
...Sem domador ou encilha.
- Outros pra vasta tropilha
dos que foram “olvidados”!

Dois tordilhos, um gateado…
...mais o zaino marchador;
Todos num só corredor,
nenhum com rumo certeiro!
Sem soga, forma ou potreiro
- confundindo a liberdade -
sentem a talha da idade
e a judiação dos janeiros.

...Basteira antiga, curada
por lua, água e mormaço.
...Pata pelada do laço
de algum andejo ladino.
- São eternos peregrinos
da sina triste e pesada
dos que findam sem morada…
...dos que vagam sem destino.

Potrada de todo pêlo
co’a marca do “Deus-dará”
vindos do lado de lá,
n’algum descuido mundano.
E neste rumo cigano
(que pouco lhes dá valor)
são pingos de corredor
cedendo ao passo dos anos.

...Um é bolido do arreio
por gente de muito perto.
...O outro - de tranco incerto -
puxou gaiota e arado;
Mas, agora é refugado
pela mão dos sem piedade,
que, pelo mal da verdade,
nem recordam o passado.

E o vento que lhes castiga
trança a crina e vai embora!
...Assoviando campo afora,
contra o murmúrio dos cascos.
- São fletes de tempo gasto,
que a vida já não faz jus
de benzer a dor das “cruz”
sofridas por geada e basto.
 
Léguas depois, certamente
irão juntar-se por diante
aos seus tantos semelhantes
d’outro rincão - extraviados -
...Talvez um mouro bragado
ou mesmo um baio potranco,
que ficou matreiro e manco
sem nem ser amanunciado.

Hora mais ou hora menos
a indiada passa e cobiça
alguma égua inteiriça
que engana ter bom jeito.
Mas logo lhe dão defeito:
- Esta é sobra d’outra gente!
...E, juro, nem de presente,
levá-la penso ou aceito.

Um, mais curioso, repara...
...e desconfia, por certo!
...Pensa em contar que viu perto,
a cavalhada de alguém.
Mas - cauteloso - porém…
...deixa a notícia escondida;
E se ninguém der partida,
diz não ter visto também!

(...)

O zaino, traz no pescoço
um borrão de marca alheia;
Cicatriz mal vista e feia
que a razão, a gente sabe.
...Foi feito por mão ladina,
que deixa crescer a crina
pra esconder o que lhe cabe!

Por conta da vida curta…
...do fardo, ou da dura sina;
Talvez, nas próprias retinas
não verá, por sua vez:
Depois de posto pra estrada,
os murmúrios da peonada
penando a falta que fez.

Solidão - penso comigo -
seja o mais duro castigo
de quem carrega consigo
toda estranheza de andar…
...no descaminho da sorte
e mesmo que, para a morte,
faltam léguas por chegar!

- Deus abençoe a potrada
que anda - cruzando o tempo -
repontados pelo vento
que açoita e também afaga.
- Deus abençôe os cavalos!
...que eu possa, ao menos, cantá-los
além da distância larga!

(...)

Na volta da encruzilhada
vão quatro sombras adiante.
Tão antigas - o bastante -
pra saberem que o rigor
não será o pior temor
nem o acaso mais pobre
para um cavalo que sobre
por pingo de corredor!

7. Bento Gonçalves Carneiro, O Vampiro Sul Brasileiro
Autor: Carlos Omar Villela Gomes
Declamador: Rodrigo Cavalheiro
Amadrinhador: Geraldo Trindade

Me tira esses “zóio”, “zoiúdo”,
E vai procurar teus “cupinchas”...
Sou cria do oco da grota
E logo rebento tua cincha;
Eu venho de “treztrezontonte”,
Mistura de bicho e soldado...
Não sei se minha adaga ou meus dentes,
Qual deles que “tá” mais afiado.

Me vira essa fuça, tinhoso,
Que a noite é salão do meu baile...
Eu dito o compasso e a dança
E quem não quiser que se peale.
Eu faço somente o que as gentes
Repetem nos palcos de guerra...
Pois tomo meu trago mais quente
Do que outros derramam na terra.

Por isso me chamam de monstro...
Eu gosto de sangue a granel...
E sangue é “tão” bom que estes versos
Já tão vermelhando o papel.
Faz tempo que os homens se matam
Por pátria, por Deus, por mesquinhos...
Se sempre tem sangue “a la farta”,
O que tem demais uns golinhos?

Eu sou um vampiro gaúcho,
Criado nas“revolução”...
Mas quase revira meu bucho
As rusgas de irmão contra irmão.
A morte já dava risada
E eu, mesmo monstro, tremia,
Mirando essa gente aloprada
Matar e morrer sem valia.

Meu lenço que hoje é encarnado,
Não sei de que cor era antes;
Não lembro se fui maragato
Ou se ele é vermelho de sangue.
Eu sugo esse sangue por “bóia”,
Pra mim é sustento e cachaça;
Porque sou o monstro da história
Se os outros derramam de graça?

Talvez seja porque eu beba bem na fonte,
No pescoço apetitoso dos “cristão”;

Se um vivente se descuida pela noite,
Vou direto e sem terceirização.

Não me julguem se a mordida foi fatal,
Eu não tenho nenhum mal, eu tenho é fome;
Diferente da brabeza irracional
Que carrega o meu compadre lobisomem.

Dispara agora, “zoiúdo”,
Capa o gato, pica a mula;
Que este vampiro esfomeado
De vereda já te pula.
Eu venho há quinhentos anos
Acompanhando vocês
E o que eu faço é fichinha
Pra o que tua espécie já fez.

Eu “tive” na Cisplatina
Mirando a saga malina
De matar por um país;
Eu “tive” lá nas Missões
Bombeando tantos canhões
Massacrando os guaranis.

Nas cargas dos farroupilhas
Eu mirei as ventanias
De uma pátria a despertar;
E ainda me compadeço
Que a guerra cobrou seu preço:
Matar, matar e matar!

(Na feita levei três “taio”
Defendendo o meu tocaio.)

Eu peleei no Paraguai todo gabola,
Abracei noventa e três e errei o bote;
Poisnotei que pras chacinas e degolas
Este pobre vampirinho é só um filhote.

Assim foi em vinte três e vinte quatro,
Assim foi em cada campo de batalha;
Sobre os pulhas do passado meu relato...
Para as pulhas do presente, faca e bala!

Muita gente me quer mal só porque eu sugo,
Mas é minha natureza, por favor;
Porque ficam me tirando pra verdugo
Numa terra onde tem tanto sugador?

Tem tantos sugando a pátria,
Até aí nada de novo...
E sempre quem paga o pato
É a gente humilde do povo.

Tem outros sugando crenças,
Mais uns sugando verdades,
Massacrando os diferentes
Por banditismo ou vaidade.

Cada um suga de um jeito
Cada direito sugado;
Atrás da orelha há uma pulga,
Que de tanto suga-suga
Secou a teta do estado.

Me sinto peixe pequeno,
Esse é meu grande resumo...
Eu sugo só o suficiente,
Somente pra o meu consumo.
Eu sigo costeando a história,
Não sou velho nem sou moço...
Eu sou é bem conservado
Com suquinho de pescoço.

Bento Gonçalves Carneiro,
Vampiro sul-brasileiro,
Se despede de antemão;
Pois o sol termina a festa
E eu vou tirar uma sesta
No fundo do meu caixão.

Se tu ”atrapalhar" meu sono
Te puxo uma maldição!

Tem uns “loco” que eu não mato,
Só vampirizo as ideias...
Bebem sangue, mordem forte
E sugam que é umas teteias...
Se é do teu interesse,
Cuidado que tem um desses
Sentado aí na plateia!

Não te preocupa, vivente,
É só tu não me “acordar”...
Mas ele “tá” bem campante,
Mirando tua jugular!!!

8. Epígrafos de Vida e Tempo
Autor: Paulo Ricardo Costa
Declamador: Fabricio Vargas
Amadrinhador: Fernando Graciola

Coloquei reticências nas frases da vida,
Por saber que a vida não tem ponto final,
E refiz as metáforas de palavras seguidas,
Seguindo o caminho do meu próprio ideal.

Dei tempo ao tempo, sem tempo a seguir,
E fiz conjugação de algum verbo no singular,
Busquei no passado o meu futuro por vir...
E aprendi que o amor é o verbo a conjugar.

Coloquei reticências em frases e letras...
E me refiz na poesia, no abstrato dos versos,
A linguagem mais simples, estrofes perfeitas,
Adjetivando a palavra, na lavra do universo.

Mas a mão amojada de escritas e rimas...
Prefácios estranhos no ataúde do tempo,
Que fez da pena numa cena de esgrima,
Banhada na esfinge de áuricas e ventos.

Três pontos contínuos de um mesmo sinal,
Apontando um rumo que vai mais além...
Sem ponto de chegada sucessivo universal,
Que mostram o caminho do fim que não tem.

Advérbios esquisitos de sujeitos ocultos...
Adjuntos separados de número e numeral,
Predicados prediletos, imagens e vultos,
Fontes e fonemas de epigrafia anormal.

Escritas bonitas que na folha se enfeita,
Onde a pena rasteja sem pena do fim...
Para muitos são versos escritas perfeitas,
Para outros a pena que tem pena de mim!

Escrevo o que sinto e sinto que devo...
Transpondo ao papel e para ele não minto,
Estranho conceito que logo me embebo,
Vedado ao segredo das coisas que sinto.

Nos dedos as marcas já gastas do tempo,
No tempo os sonhos que enfeitam o papel,
Epigrafia imperfeita de sons e sentimentos,
Na esperança que avança de um termo fiel.

Coloquei reticências nas frases da vida...
Caminho entreaberto, entre acento e sinal,
Deixei um espaço com parêntese em seguida,
Interrogação pretendida no meu ponto final!

Fiz texto e pretexto com mesmo sentido...
Escravo das letras e das rimas perfeitas,
Balbuciei palavras ao pé do teu ouvido,
E não fui compreendido nas formas estreitas.

Epigrafei a minha vida em tempo real...
Num sujeito oculto que vagou pelos dias,
Adjetivando palavras bem longe do banal,
Descobri a metáfora que me fez poesia

9. Pra Quem tem Alma de Campo
Autor: Sebastião Teixeira Correa
Declamador: João Gabriel Guimarães
Amadrinhador: Jorge Araújo

Nasci no campo, como nascem tantos outros,
Ouvindo os potros em relinchos, de retoço,
Os sons da vida nas vozes da natureza
E a correnteza do arroio, antes do poço

Um céu azul, com sol de ouro na paisagem,
Densa pastagem pelas várzeas e coxilhas
Noites bordadas pela luz dos vagalumes
Doces perfumes das flores das maçanilhas

Um rancho simples, onde à sombra do beiral
Tinha um ritual pra os fins de tarde, o chimarrão,
A prosa mansa da família reunida
Gente sofrida mas com alma e coração

Tinha meu mundo num pedaço do meu pago
E um sonho vago de romper as cercanias
Para saber que mundo é esse dos povoados
Tão afastados da campanha em sesmarias

Vim descobrir por entre os muros e calçadas
Feições judiadas que perderam a  referência
Nossos irmãos changueando a vida por misérias
E nas artérias seiva bugra da querência

Não se ouve nem um “buenas meu parceiro”
O tempo inteiro é só barulho e correria
A insegurança cada vez tá mais presente
E o que se sente é a ausência de alegria

Tem certas horas que me perco em pensamentos
E por momentos saio pra longe de mim
Imaginando ouvir o som da cachoeira
Vida costeira lá dos rincões  de onde  vim

Enquanto aqui, vou me esquivando das malícias
Chegam notícias de mais campos degradados,
Monocultura modificando a paisagem
E a triste imagem dos campeiros despejados

Já não consigo acreditar neste progresso
Que é retrocesso por ganância,com certeza,
Talvez meus netos vão pagar toda essa conta
De quem afronta e maltrata a natureza

Se um dia, enfim, o campo então virar lembranças
Por circunstâncias ou vontade de alguns poucos,
Eu quero estar, qual cerne bugre ao descampado,
Garrão trancado, dando laço nesses loucos

Vejo em meus sonhos de guri de alma campeira
Serra e fronteira num abraço fraternal
E a pampa larga, que se perde na paisagem,
Dando passagem pra um saludo ao litoral

Às vezes penso quando olho pro futuro
Onde procuro ver meu mundo mais adiante
Que é necessário muito amor por este Estado
Sempre judiado pela casta dominante

Homens de bem, homens de fé e mãos grosseiras
Cerrem fileiras nesta luta contra o mal
Choram os rios com suas águas poluidas
Sangram feridas na minha alma de rural...

10. A Casa do Poeta
Autor: Vaine Darde
Declamador: Ayrton Machado - Tio Ito
Amadrinhador: Cesar Sosa

Não sou poeta!
Mora em mim um louco
que tem crises
de roseira em gestação,
girassol em plenilúnio.

Um desses tradutores
de ocasos e auroras,
guardião do encantamento,
aprendiz de vaga-lume.

Não exerço domínio sobre ele,
ao inverso:
ele versa sobre mim.
Talvez seja um doente incurável
acometido por noturnas convulsões
de fonéticos delírios
onde  - em transe -  manipula
a frágil metafísica
da poesia rebelada
na floreira dos gerânios.

Há noites em que o estranho inquilino
se insurge em vigília na insônia iluminada
a bater, inconsciente, os tambores do alfabeto
pra ordenar  o imaginário em sonoras paralelas.
Talvez, por isso, eu me veja nos espelhos
com auroras nas olheiras e a lua nos cabelos.

Sou a casa do poeta
que me habita, desde sempre,
com hipérboles lunares
e metáforas rurais
pra enfeitar a velha casa
com floradas de fonemas.

As pessoas me confundem
com o mágico inquilino
e, por vezes, me sugerem
uma rima de estima,
um acróstico idílico.

Eu sou apenas a vivenda,
o refúgio itinerante
onde o vate tece o léxico.

- Ah, meu tóxico olhar
de crepúsculos urbanos
e a notívaga figura
de feições amarrotadas!

Quanta vez, mal adormeço,
o poeta me arrebata
dos lençóis para o papel
que eu apenas interpreto
qual escriba extasiado
ou fiel escriturário?

Quanta vez sou conduzido
pelos longos labirintos
do grafismo do impossível?
- E ninguém sabe a razão
do meu sono insaciável
e meus olhos tresnoitados!

Quando eu mal cabia em mim,
ele veio, ainda menino,
me habitar
sem que eu soubesse,
que escrever não era vício,
mas que a vida exercitava
a aurora do poeta
que de mim fez domicilio.

Depois, povoou minha adolescência
Com nerudas residentes,
lorcas sem capa
e intraduzíveis maiakovskis.
Invadiu os meus espaços
com cadernos e rascunhos,
numa Torre de Babel
em línguas de fogo e pluma.

Eu ando com ele pelas ruas
e por seus olhos visualizo
e que outros não enxergam:
a febril percepção do luar nos girassóis,
o minúsculo arco-íris das abelhas nas corolas,
o pleonasmo de botões na roseira inaugural,
as promessas de amores nos olhares transitórios...

Habituei-me a ser sua habitação
e temo que, em breve, ele se mude:
As casas também envelhecem
e, em mim, envelheceu sua morada:
hoje trago, nas mãos, tremor de sinos,
minha arquitetura se fragilizou de tanto verso:
tenho fendas na memória, vazamentos no olhar.
Sei que é inevitável, que em uma noite de luar,
eu, enfim, caia por terra e ele mude de endereço!

 


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