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16ª QUADRA - SETEMBRO DE 2011

 

01 - TROPEIRO DE MINHA INFANCIA (tema)
AUTORA: Jurema Chaves
DECLAMADOR: Artur Marques
AMADRINHADORES: Leonardo Charrua e Paulinho Pires

Guardo na moldura dos meus olhos
A imagem de um tropeiro
Velho peão carreteiro
Que tantos rastros deixou...
O meu avô foi um tropeiro
Que muito me ensinou.
Das longas prosas à tardinha
Quando a noite avizinhava
Volteando um fogo de chão,
Eu dormia de mansinho
No colo desse velhinho
Que sua história contava...

Exemplo de vida e lida
Esse velhito amoroso
Que me contava seus causos
Das noites fitando o céu
Guardando tropilha solta
Por debaixo do chapéu!
Um cochilo uma lembrança,
Muita saudade dos seus
Recolhida nas distâncias
Guardadas na mão de Deus!

Muitas vezes esse tropeiro
Com o olhar serenado,
Lembrando o tempo passado
Das mochilas, dos cargueiros...
Do arroz de carreteiro
Do charque gordo picado,
Um chimarrão junto ao fogo
No velho poncho enrolado...
E eu o escutava em voz alta
Meu Deus, como sinto falta
Dos causos que ele contava!

Dizia-me das venturas
Dos tropeços e carreteadas...
Das noites lerdas de sono
Dos lumes dos arrebóis...
Troperiando chuvas e sóis
Pras os horizontes sem dono
E cada vez mais distante
Rastreando ao trote dos dias
Buscando o sonho longevo
Muito além das sesmarias!

A vida, dizia-me ele -
Tem belezas infinitas
Mas também horas aflitas
Guarde contigo os conselhos
Desse velho que estradeou
Por esse pampa gaudério,
Que cresceu sobre o lombilho
De um potro corcoveador,
Desde os tempos de criança
Sem nunca perder o entono,
Fiz dos arreios meu trono
Pra te deixar essa herança!

- Desbravei tantos caminhos
Curtindo o vento pampiano
Sem refugar tempo feio
Troperiando a despacito...
No imenso rodar do tempo
Busquei a rosa-dos-ventos
Entre o sol e o luar,
Vi o progresso chegando
Vi meus cabelos branqueando
Vi prantos no meu olhar...

Vi as tropeadas findando
E as velhas carretas tortas
Em tantas idas e voltas
A um museu recolhidas
Como partes repartidas
Que não mais posso buscar...
Às vezes, a ensimesmar
Vejo a tropa enfileirada
Nas auroras-madrugada
Com meu pingo a me chamar...

Ainda ouço os soluços
O gemido das cambotas
Velhos balaios de tropas
Cangalhas sem serventia!
Pois o progresso levou
Aquela estampa bravia.
E o tempo se encarregou
De alongar os horizontes
E encurtar os meus passos...
De desbotar-me as retinas
Tirar-me a força dos braços.

É nesta moldura que vejo
Meu avô mirando os longes
A cuia aquecendo a mão.
As botas gastas de chão
Um par de esporas caladas,
No galpão dependuradas
Por desuso do garrão...

No soluço das goteiras
E eu me vejo um piazito
Ouço a voz desse velhito
A quem devo o que hoje sou.
E por onde que ficouO velho tropeiro de outrora?
As tropas foram-se embora
O progresso as deserdou.



02 - A FRONTEIRA
AUTOR: Rodrigo Bauer
DECLAMADOR: Pedro Junior Lemos da Fontoura
AMADRINHADORES: Ricardo Pacheco (violão) e Henri Lentino (bandolim)

Além de todos os marcos, das pontes e das divisas,
depois dos campos e cerros que somem sob o horizonte,
há uma fronteira cortada que o tempo não cicatriza;
nela se ocultam as horas dos amanhãs e do ontem...

Além dos rios e dos mapas da velha cartografia,
do outro lado do mundo, dos mares, dos oceanos,
há uma fronteira perdida que, inabalável, espia
nossos receios e sonhos, projetos e desenganos...

Mas, de uma hora pra outra, alguém a enxerga de frente...
Basta-lhe um passo e ela chega, nesse fatal improviso!
Há quem o tempo devora, porém bem mais lentamente,
como se a própria fronteira, antes, mandasse um aviso...

Depois dos vales e selvas, planícies e depressões,
além de todos os dias, após a própria presença,
sobre as montanhas mais altas, sob o calor dos vulcões,
há uma fronteira que iguala toda e qualquer diferença!

Há uma fronteira que habita a escuridão e a fumaça...
Ás vezes mostra-se inerte, por outras segue ligeiro...
Ela não tem preferências de classe, credo ou de raça,
embora os mais excluídos tendem a vê-la primeiro!

Nessa fronteira de espelhos se vê passado e futuro,
um fino traço separa quem é, daquele que foi...
Quem a transpõe não consegue voltar de dentro dos muros,
quem fica guarda a certeza que há de cruzá-la depois!

Minha esperança reside NAQUELE que, há dois mil anos,
ao retornar da fronteira provou a Força que Tem!
Quem acredita na Vida que segue além desse plano,
não teme a velha fronteira; sabe onde vai, de onde vem!



03 - AS VISTAS DO CORAÇAO

AUTOR: Vaine Darde
DECLAMADORES: Carin Burtet e Luis Afonso Torres
AMADRINHADORES: Marcus Morais e Joao Batista Oliveira (violoes)
Grace Nardes (violino) - Sergio Nardes( teclado)

(MASCULINO)
Me empresta a luz dos teus olhos
Pra alumiar a escuridão
E me leva pela mão
Que é dessa forma que eu olho...
Cada página que folho
Do livro da solidão
Me dá a exata noção
De que a cegueira mais cega
É essa que não enxerga
Com as vistas do coração.

(FEMININO)
Nem sempre os olhos que vêem
reflete a realidade
Porque a luz da verdade
Só a verdade tem...
Por isto, repara bem
Que os meus olhos são teus,
Ninguém te vê como eu
Tendo a divina visão:
Só quem vê com devoção
Vê com os olhos de Deus.


(MASCULINO)
Eu preciso ver o campo
Enquanto a lua reluz
Nos vocábulos de luz
Dos versos dos pirilampos...
As trevas em que me acampo
Não maldigo nem lamento,
Meu mundo eu mesmo invento
Quando teu riso se cora,
Pois tendo a noite, por fora
Eu vivo auroras, por dentro!

(FEMININO)
O campo que não enxergas
Tu percorres com as mãos
Nos momentos de paixão,
Nos meus atos de entrega...
Ah,eu também fico cega
Diante a tanta maravilha,
Enquanto percorres trilhas
Na ternura dos afagos,
Parece que me embriago
E sou açude e coxilha!


(MASCULINO)
Pelos teus olhos eu vejo
As coisas que nunca vi,
Eu sinto o céu que há em ti
Quando te abraço e te beijo.
Só eu sei o quanto te almejo
Que te dês e te reveles,
Que o desejo se rebele
Pra descobrir teus segredos
Quando, com a ponta dos dedos,
Leio braile em tua pele...

(FEMININO)
Eu gosto quando te olho
E, com teu olhar disperso
Nos confins do universo,
Tu me vês além dos olhos.
Por vezes, me desconsolo...
Mas me encanto por fim
Ao saber que é por mim
Que teu mundo se revela
E somente eu sou aquela
Que é só tu quem vê assim...


(MASCULINO)
Só eu sei como te vejo
Toda enfeitada de aurora
Numa ternura sonora
Com notas de realejo.
É por isso que versejo
E te enxergo sem te ver
Não as formas, mas o ser:
Um misto de anjo e de fada
Que tornou iluminada
A noite do meu viver.
(FEMININO)
Desde há muito percebi
E por nada me confundo,
Fiquei cega para o mundo,
Só tenho olhos par ti.
Talvez por isto nasci
Com o intento e com a glória
Que mais e mais se enamora
Por ser guia e ser teu par
Vivendo o verbo AMAR
De mãos dadas tempo a fora.

(MASCULINO)
Na manhã da pampa imensa
Eu sinto o cheiro das cores
E os matizes das flores
Que habitam tua presença.
E tenho, na maior crença,
A visão do paraíso
Nos acordes que diviso
Nessa pequenina aurora
Quando teu rosto se cora
Num esplêndido sorriso!
(FEMININO)
Foi contigo que aprendi,
Olhando de olhos fechados,
A ver o mundo encantado
Que de olhos fitos não vi.
Eu sou aprendiz de ti
E vivo para aprender,
Olhando sem compreender
O mundo a minha volta...
Pois enxergar pouco importa
Para quem olha não e não vê!

(FEMININO E MASCULINO)
Por ver com outra visão
Comentam que o amor é cego...
Mas é assim que eu enxergo:
Com as vistas do coração!



04 - CANTOS DE TABA E SENZALA

AUTOR: José João Sampaio da Silva
DECLAMADOR: Guilherme Piantá
AMADRINHADORES: Beatris Barbier (harpa) e Marcelo Silva (violão)

Venho das matas e selvas
Das pampas e pantanais
Das tabas e dos quilombos
Senzalas e canaviais
Me correm dentro das veias
Velhas heranças tribais!

Vivi só pelas charqueadas
Galpões... Moendas... Cafezais
Nas Reduções Guaranis
Engenhos e seringais
Louvando com reverência
Os mitos dos ancestrais!

Rezei ao Negro do Pastoreio
A Tupã e a Oxalá
Guardei enterros dos brancos
Mãe do Ouro... Teiniaguá
A Cobra Grande, o Saci
O Angüera e o Boitatá!

Fui Zumbi... Fui Tiarajú
Fui lundú e fui cavalhada
Samba de Roda... Guarânia
Candombe... Tango e Congada
Fui Pomba Gira e Xamã
Da salamanca encantada!

Fui yaraví da cordilheira
Som de bambaquererê
Fui ponteado de caboclo
Berimbau... Cateretê
Sou milonga missioneira
Gualambao e chamamé!

Sou uma toada pataxó
Uma polca guarani
Um samba de breque do morro
Uma embolada tupi
Cantiga de preto velho
E oração de Tupancy!


Miscigenei sonoridades
Que encontrei pelo caminho
No mesmo bolo musical
Pus o fermento dos vizinhos
E aclimatei no mesmo espaço
A harpa e o cavaquinho!

Fui a cuñataí índia
Flor sensual: Campos e matas
Rainha Ginga... Cabrocha negra
Que eu cantei nas serenatas
Vivi em tabas e senzalas
Entre bugras e mulatas!

Sou tacape e saraquá
Malambo... Murga e quicumbi
Arco e flecha... Boleadeira
Banto... Maia e guayaki
Araucano e Exú Caveira
Chica da Silva e Anahí!

Fui mucama da Casa Grande
Tambor negro e barbaquá
Fui batuque e maçambique
Laço... Estaca... Itaiçá
Fui fandango e carnaval
Pajelança e saravá!

Fui lanceiro farroupilha
Fui o Lunar de Sepé
Fui marujo de João Cândido
Fui chibata e Caiboaté
Fui batalha negra e índia
Palmares e M’bororé!

Sou um sopro de eternidade
Que Oxalá plantou aqui
Sofri massacres e extermínios
Mas guardo na alma de cunumí
A magia e o perfume
Até das coisas que eu perdi


Sou raiz nacionalista
Mata virgem... Navio negreiro
Bate em mim um coração
Africano e missioneiro
O que o Brasil tem de melhor
Somos nós, os brasileiros!


Minha voz verde-amarela
É o Brasil que ninguém cala
Herança afro-ameríndia
De pajé e de mestre-sala
Sou a pátria brasileira
Cantos de taba e senzala!

GLOSSÁRIO & NOTAS DO AUTOR
(Por ordem de aparição no poema)


Negro do Pastoreio:Lenda gaúcha das charquedas estilizada e imortalizada pelo gaúcho Simões Lopes Neto no seu clássico CONTOS GAUCHESCOS & LENDAS DO SUL.
Tupã:Nome que os índios missioneiros(guaranis) davam ao trovão e que passou a designar Deus.
Oxalá: O maior dos orixás,o mesmo que orixalá
Mãe do Ouro: Lenda afro-brasileira do ciclo dos tesouros e enterros.
Teiniaguá:Princesa moura e personagem central do conto de Simões Lopes Neto a Salamanca do Jarau.
Cobra Grande:Mito do imaginário guarani jesuitico imortalizado em conto de Barbosa Lessa. M'Boiguaçu quer dizer cobra grande em guarani.
Saci: O conhecido Saci Pererê personagem da mitologia brasileira que possue só uma perna.
Anguera: Mito do imaginário guarani que quer dizer a alma depois da morte.
Boitatá: Mito do imaginário gaúcho que assombrava os campeiros. M'Boitatá em guarani quer dizer cobra de fogo.
Zumbi: Heroi popular da raça negra,líder do Quilombo dos Palmares assassinado,esquartejado e exibido em praça pública.
Lundú: Manifestação rítmica e musical afro que originou o samba brasileiro.
Tiarajú: Cacique missioneiro hoje nome de rio e municipio gaúcho. Herói popular do Rio Grande do Sul assassinado durante a Guerra Guaranítica em feveriro de 1756.
Cavalhada: Torneio equestre herdado da Península Ibérica que encenava as lutas de mouros e cristãos acontecidas nessa região.
Samba de Roda: Uma variante do samba, muito popular nos morros e com plena vigência na musicalidade brasileira.
Guarânia:Canção guarani. Rítmo musical cujo clássico Índia do cancioneiro paraguaio é um dos sucessos mais antológicos e populares dessa modalidade.
Candombe:Rítmo musical originário do candomblé afro,muito popular no Uruguai e já em fase final de aculturação folclórica entre nós.
Tango:Rítmo musical de origem afro que através do cantor Carlos Gardel(Argentina e Uruguai até hoje disputam a sua paternidade) virou coqueluche mundial.
Congada: Manifestação cultural afro e devoção a Nossa Senhora do Rosário que é demonstrada através na congada e no quicumbi.
Yaravi:Rítmo musical aborígene de acento tristonho e nostálgico que está em plena vigência na musicalidade dos povos do altiplano e das cordilheiras andinas. Se pronuncia jaravi.
Bambaquererê: Rítmo afro gaúcho muito tocado nas charqueadas da região sul do nosso estado.
Berimbau:Instrumento musical de origem africana e muito utilizado entre nós.
Cateretê: Rítmo musical brasileiro muito tocado pelo homem rural do sertão brasileiro. É um rítmo folclórico que está praticamente relegado na música sertaneja atual mais comercial e imediatista.
Gualambao:Rítmo missioneiro guarani que desde 1960 o argentino Ramón Ayala vem fazendo experimentalismos na criação dessa nova espécie que se escreve no pentagrama com a divisão rítmica de 12 X 8. Esse rítmo já está se aculturando folclóricamente no Rio Grande do Sul.
Chamamé: Rítmo musical correntino de origem guarani já folclorizado entre nós.
Toada Pataxó: Rítmo muito tocado por essa tribo de índios brasileiros.
Polca Guarani: Rítmo musical originário das Missões Jesuiticas e em plena vigência no cancioneiro missioneiro atual.
Samba de Breque:Modalidade de samba brejeiro cheio de malandragem e molho. Um dos maiores representantes desse rítmo foi o célebre Kid Morangueira,festejado cantor carioca.
Embolada Tupi: Rítmo musical dessa tribo brasileira.
Tupancy:Nossa Senhora. A Mãe de Deus em guarani.
Cuñataí:Donzela,moça virgem ,em guarani.
Rainha Ginga: Ana de Souza (1583 - 1663) uma rainha dos reionos de Ndongo e Matamba no sudoeste da África,no século XVII. No Brasil o nome de Rainha Ginga é referido em vários folquedos da Festa de Reis dos negros do Rosário.
Tacape: Arma indigena.
Saraquá: Instrumento indigena que serve para plantar feijão e outros cereais.
Malambo,Murga e Quicumbi: Rítmos afros muito conhecidos. Os dois primeiros na região do Prata e o último em plena vigência no Litoral do Rio Grande do Sul.
Banto:Raça negra trazida para cá como escravo.
Maia: Raça aborígene que habitava onde hoje é o México. Eram muito evoluídos para o tempo em que viveram.
Guayaki e Araucano: Tribos índias que ainda habitam parte do Paraguay e do Chile.
Exú Caveira:Divindade da mitologia africana. Na macumba,espírito maligno. o Diabo.
Chica da Silva: Famosa mulher negra e célebre personagem da História do Brasil. Foi muito influente em sua época amancebada com um rico representante da aristocracia imperial.
Anahí: Célebre princesa guarani que depois de aprisionada e queimada viva pelos conquistadores brancos transformou-se na flor de corticeira. Daí originou-se o conhecido mito e a Leyenda da Flor del Ceibo.
Mucama: Negra moça que fazia pequenos trabalhos na Casa Grande.
Barbaquá: Intrumento afro muito usado no Litoral.
Batuque:Dança de negros com sapateados,palmas,cantigas e toques de tambor.
Maçambique:Rítmo afro em plena vigência no Litoral do Rio Grande do Sul.
Itaiçá: Arma de guerra de origem indigena.
Pajelança: Ritual aborígene.
Saravá:Saudação usada nos cultos afro-brasileiros. E ritual africano.
Lunar de Sepé: Cicatriz em forma lunar que o cacique e corregedor da redução de São Miguel das Missões Sepé Tiarajú possuia na testa e que a noite brilhava.
João Cândido: Marinheiro gaúcho e herói popular que em 1910 liderou a famosa Revolta da Chibata.
Caibaté,Palmares & M'Bororé: A primeira e a última,batalhas da Guerra Guaranitica e a segunda, batalha afro onde deu-se a captura e a imolação de Zumbi.
Cunumí: Guri,piá em guarani.




05 -
COMENSAL DOS QUATRO VENTOS

AUTOR: Guilherme Collares
DECLAMADOR: Fabrício Vasconcelos
AMADRINHADOR: Guilherme Collares

Amanhecidos silêncios
revoam nas asas tristes
dos tajãs pelas canhadas...
E os espinilhos refletem,
em gotas iridescentes,
as fracas luzes do dia.

A tolderia desperta
envolta em paz, pelas sombras
espessas da cerração.

Sangue de cobre na pele,
olhar rasgado de pampa...
Melenas esvoaçantes
mal contidas pelas vinchas.

Imerso na trama pampa,
de seu poncho de oração,
Vaimacá desperta os toldos,
evocando aos quatro-ventos
os lamentos das distâncias...
Saudando os raios da aurora,
em litúrgica oferenda
de comensal da planura...
..........................................................

O Charrua entende a vida
como lagoa tranquila
onde os ventos do futuro
marulham mágoas e dores...
Entende que sua gente
obedece a paz dos campos
em serena condição...

Seu pai foi guerreiro altivo,
assim como seu avô...
E sem saber o que sente,
Vaimacá mesmo pressente
seu mundo inteiro a ruir...

Como felino acuado
que apequenou território,
sua gente amarga a fome
das perdidas gadarias...
Desde que a gente de longe
fez da terra um território
de sua posse e mandado,
os gados já não florescem
como os trevos pelos pastos...
E mesmo os próprios cavalos,
senhores destas planícies,
já não costeiam manadas
pelos curvas das distâncias...
Segundo o branco exilado
que vive na tolderia,
a gente branca extravia
tudo de bom que se tem:
O gado, matam sem fome,
pra vender o couro e o sebo...
E cavalo é bem de posse
reclamado por um rei...

Segundo diz o tal branco,
a que lo chamam de Fierro,
essas gentes de outros longes
nos tratam por infiéis:
Talvez por não entendermos
as juras à cruz sem nome
de um deus que não nos pertence
e nem habita estes campos.

Diz ainda esse tal Fierro,
que nos tratam por selvagens...
Assim nos chamam, talvez,
por defendermos o nosso...
Tal qual os tigres vivemos,
retirando da planura
o sustento e a liberdade...

Não entendemos da posse
que reclamam destas terras,
onde o nosso antepassado
plantou toldos pelas várzeas...

O que entendemos da terra
vem dos cantos das seriemas
e das asas do ñandu
quando escapa às boleadeiras...

O que esperamos da terra
vem das unhas dos jaguares,
defendendo suas proles
nos pedregais destes cerros...

O que vivemos na terra
vem do bagual que domamos,
com carinho e com paciência...
- irmão da vasta planura -
que nos sustenta e conduz...
O que aguardamos da terra
vem da luz de cada aurora,
que saúda e abençoa
o viço de nosso filhos
e as dores de nosso mortos.

Por isso sangro às auroras
esta palavra sentida
pelas artérias sofridas
destes caudais da garganta...

Este meu canto-refúgio...
Este meu grito-lamento...
Este meu canto-sustento,
tal um soluço de pranto...
Este brado que levanto
à rosa etérea dos tempos:

Viverás, nação Charrua,
para sempre nos silêncios...

Seremos dor não escrita
no Sul de nosso desterro...

Nossa voz será escutada
e ecoará nestes cerros...
Como um lamento sofrido,
viverá na voz dos ventos.

..........................................................

Por isso evocamos toldos
na distância destes tempos...
Por isso somos os ecos
dessa perdida oração...
Imersos pelos silêncios
saudamos luzes de auroras...
Lamento de pampa índia
que verte do coração.

 

06 - DAS SOLIDOES DE UM PROSCRITO
AUTOR: Mateus Neves da Fontoura
DECLAMADOR: Carlos Aurélio Weber
AMADRINHADOR: Clênio Bibiano da Rosa

Com a mesma estrada nos olhos
Encerro o dia ao meu jeito...
Enquanto o sol, por direito,
Se vai, apagando as brasas,
Mateio em frente das casas
Curando as penas do peito...

-“Só de lembranças sou feito!”
As vezes penso... penso e me escuto,
Meio que puxando um assunto
Comigo mesmo converso...
E é com pesar que confesso
Que me esqueceram no mundo.

Me sinto como os poentes
No fundo das sesmarias:
Desquinando nostalgias,
Perdido no firmamento,
Cumprindo a sina dos tempos,
Sangrando ao findar dos dias!

Ninguém me chega da estrada...
De quando muito um aceno
Alguém que vai se perdendo
Cruzando... só de cruzada...
E a noite grande estrelada
Pra repartir meus segredos.

Fico chuleando quem passa
- “Vá que resolva chegar”-
Pra que eu lhe possa chamar
“- Boleie a perna, sejas bem vindo!”
E no mas: “afrouxe o pingo,
Que vem cansado de andar...”

Qualquer conversa me agradaria...
O campo, o tempo, a chuva que negou de novo,
Uma prosa mansa pra saber do povo,
Um chasque, enfim... uma notícia buena!
Quem sabe até uma intenção morena
De alguma prenda a me roubar o sono?!


Mas não, ninguém me chega da estrada...
Que vai sumindo horizonte a fora
Como por gosto, a me pesar as horas
De esperança amarga e de longa espera
A me matar aos poucos, a me fazer tapera.
... caminho aberto de levar embora...

-“Como faz falta um abraço
Pra quem há tanto não tem!”
Não se troca por vintém
A prosa de mano a mano
Poder chamar de ‘hermano’
O amigo que se quer bem.

Já não recordo... faz muito
Qual a última visita
Que me chegou imprevista
De alma larga e serena...
Por isso todas as penas!
Por isso tantas desditas!

Talvez seja culpa minha
Ou do meu isolamento...
Talvez seja um sentimento
Que vem rondar meus enleios
A repontar mil anseios
Por conta dos meus tormentos.

Só me restaram lembranças,
Remansos do rio do tempo,
Que revivo em meus lamentos
Ao encilhar as saudades
Enfrenando as soledades
Com medo do esquecimento.

Tem sido assim, dia após outro,
O mate pronto, a vista comprida
E a esperança reprimida
Nas solidões de um proscrito:
Que desencilha solito
O flete manso da vida!



07 - EMENTÁRIO DA ALMA
AUTOR : Henrique Fernandes
DECLAMADOR: Henrique Fernandes
AMADRINHADOR: Gabriel Lucas dos Santos (Selvagem)

Morri antes de mim...
...sucumbido neste tempo de vaidades e ganâncias...
Morremos eu e a estância... galpão, mangueira e palanque.
-arquitetura entalhada nos relicários da alma-...
Restos mortais de um tempo, que o próprio tempo apagou...
Morri bem antes de mim... emoldurando a memória
na cicatriz empedrada que a taipa de pedra moura
ostenta a própria raiz...

Assim fora o meu tempo...
Edificado no espaço, de uma linha imaginária
que delimita o que sou. Talvez um vulto de outrora
tentando encontrar o hoje, pois o ontem... já passou...
Perdi a conta dos anos entre os nós de uma taquara
que como eu, tapejara... envelheceu e secou...

E no umbral dos pensamentos,
me encontro “lejo”de mim ...
...”alpargatiando” a existência no ermo dos corredores
como quem busca os valores extraviados nos confins...
...valias que o sentimento guardara como um tesouro
pois nem as cifras do ouro pode compra-las assim...

O valor de um bem querer...
...a riqueza da humildade...
o abraço sem maldade, o sorriso sem desprezo...
A compaixão a um igual, que por azar ou destino
perdera o rumo e o tino trocando o bem pelo mal...
...o valor de perdoar e estender a mão amiga...
...de acalantar uma dor, com o balsamo do amor
para a cura das feridas...

Há...! Paisano...
...será preciso morrer para entender este mundo?
pois em menos de um segundo a terra treme de raiva e
leva pra junto dela lotes e lotes de gente...
... será que a dor inclemente paga o erro de uma culpa
“reincenando” o calvário condenando um inocente?
Seria lindo Paisano...!
Bater tição de espinilho reavivando as brasas d’alma,
pra fogonear madrugadas, sorvendo a seiva de um verso...
...pitar a calma das horas, reascendendo a memória
do meu pequeno universo...um mundo de simplicidade,
que o bem maior é a amizade no mais puro sentimento...
...um mundo de fantasia, que a realidade é a poesia
escrita com mãos de vento!


Sim... morri antes de mim...
Resignando lamentos pelos tentos ressequidos
que de a cavalo remendo bem na ilhapa da saudade...
... e enrodilho recuerdos ungidos de tempo antigo
que vieram morar comigo nos campos da eternidade...

Fidalgo tempo de antanho, que carreteando o passado
nos engarupa o legado de uma vida que cruzou...
...em memorial as distâncias que a trote largo trilhei,
pois junto a estância findei e voltei ser o que sou...
Ruínas de pedra e barro, e madeiras carcomidas,
que guardam mais que uma história...
são restos mortais de glória
das xucras batalhas da lida!
E como eu... um buçal sem gargantilha de cabrestilho atorado...

as esporas sem rosetas de aço enferrujado...
...bacheiro de lã trançado que ainda guarda o cheiro de algum lombo suado.
...as comitivas de agosto e as rondas em lua cheia,
rodas de mate e causo, num cenário mobralesco
de um galpão de estância véia.

-morreu o tempo das flores colhidas nas primaveras,
sacrificando seu ciclo de sementar florações
para ofertar corações pelo amor de uma donzela...
-morreu o tempo da esquila no matraquear das tesouras...
que afinavam seu canto na pauta crua dos velos,pelo nascer das auroras...
-morreu a voz do ponteiro chamando a tropa na estrada,
tropelias, clarinadas, changas de doma e alambrado.
...calou a voz do cincerro, junto ao rangido do basto,
que se apagaram no rastro dos cascos e das esporas...
-morreu o tempo do vento, que mesmo livre e sem dono
sopra ares de abandono salmodiado em desalento.

Busco razão e apego,
neste erudito terrunho que o campo por singular,
nos da razão pra sonhar e cantar a própria terra...
tatear a face da alma, no espelho das aguadas
de uma cacimba empedrada que guarda a paz das taperas...
São linhas de um testamento que o baú dos pensamentos
esqueceu aprisionado nos porões da minha infância...
...e assim neste ementário, reescrevo meu inventário
do que me resta de herança...deixo o pago e as planuras,
sesmarias de ternura pra o pastejo da esperança...


08 - HOMEM CAVALO-CENTAURO
AUTOR: Adão Vargas Dias
DECLAMADOR: Neiton Perufo
AMADRINHADORES: Cleber da Luz (caraguatá), Guitarròn e Joao Batista de Oliveira (violão)

Êra boi...
Marcha boiada.
Olha o rodeio boi...

Amanhã de madrugada,
Cedo, bem cedo,
Mal podendo avistar as garras,
Quero rumar campo afora,
Lá pra invernada do angico:
- As pampas já estão parindo,
É preciso ficar atento -
Cria trancada, bicheira,
Algum carancho atrevido
Que pode vir maltratar
Um flaco recém nascido...

Êra boi...
Volta boi...

Se sobrar tempo na tarde,
Vou ver a esteira da sanga
Que, na semana passada foi levada de roldão
Com aquela manga d’agua
Que branqueou a várzea do fundo.

Êra boi,
Que gadaria maleva
Esqueceu-se do rodeio...?

Quando eu chegar lá no posto;
Maria de mate pronto...
Sento ali no oitão do rancho
Pra dois ou três mate-amargo
E já me vou novamente
Pra terminar mais um dia,
Na estância do Passo Grande.

- - - - - - -
Eis a realidade...
Que ao sonhador afronta:

- “Sai da frente, velho louco,
Quer morrer atropelado?
Tira esta tralha da rua
Que mais parece um lixão,
Puxa esta carroça maldita
De lata e de papelão...!”

E, como se acordasse
De um devaneio profundo,
Velho Amâncio recobrou-se
Voltando a realidade:
Não era mais um posteiro
Mas um entulho ambulante,
Produto da sociedade.

Desculpou-se ao engravatado:
- “Me perdoe, me destrai”.
E ainda ouviu do cidadão:
- “Estes velhos papeleiros
Não deveriam existir!”

É verdade...
- Ele pensou -
O homem tinha razão;
Mas nas Estâncias não querem velhos,
Já não servem mais pra lida,
E aqui no povo, sou estorvo.
Qual o caminho a seguir
Pra changuear por uns trocados?
- Meu patrão, pra onde ir...?

E, nas avenidas largas
Sol a pino, o quente asfalto,
Homem-cavalo: centauro.
Segue caminhos sem volta,
Tracionando a própria sorte,
Carroceando vida e morte.

Léguas de campos nos olhos,
Escaramuças na mente,
Ganas de adentrar num passo
E refrescar a melena
Nos espelhos das aguadas...
Bombachita arremangada
Nos pés, chinelas de dedo
Alma sangrando saudades...

Êra boi,
Olha o rodeio boi...

Segue a despacio, solito,
Carreteando o que restou,
Da vida que sempre levou...
Sempre cuidando do alheio.

Não teve tempo pra si,
Seus netos não viu crescer;
Seus filhos, ainda piazitos,
Se foram pra mui distante
Outro mundo conhecer...

Assim até que foi “lindo”,
Para não vê-lo sofrer.

Mas, o tempo, que não para,
Foi lhe cobrando a lo largo
Muito além do que devia;
Não entendia, por bueno,
Por que depois de velhito,
Sem forças e já estropiado
Virara assim um “cavalo”,
Puxando aquela carroça
Pra poder sobreviver?!
E se perdia no mais
Em seus recuerdos distantes;
Tranqueava tropilhas grandes
De sonhos e devaneios...

Mas ninguém lhe entendia
Pois viveu quase solito,
A cruzar tempos sesmeiros
De léguas de solidão.

Por vezes, ria de si
Parecendo louco aos outros...

Olhem pra mim:
Vejam estas bombachas rotas;
Vejam meus pés que carregam
As fuligens destas ruas;
Vejam meus olhos que teimam
Em ficar assim molhados
Como barrancas de sanga,
Parecendo estar chorando;
Vejam minhas melenas mouras
Que batizei de... saudade.

Homem-Cavalo: Centauro,
Tranqueia a vida e o tempo,
Às margens das avenidas...
Às margens da Sociedade!
...


09 - O JULGAMENTO
AUTOR: Jorge Claudemir Soares
DECLAMADOR: Franco Ferreira
AMADRINHADOR: Daniel Canis

O tempo aqui é parado,
dá a impressão de não andar!
O medo vem me espiar
pela janela gradeada.

Parece-me que dá risadas
do meu semblante de dor,
do meu estado de horror
atrás das portas fechadas.

A solidão e o escuro
sufocam a alma da gente,
corroem o corpo e a mente
de um pobre pai de família,
que um dia saiu da trilha:
- disseram os engravatados -
burlou as leis do Estado
pra alimentar uma filha.

A moral rompe os grilhões
quando a miséria se perpetua,
e nenhum bom senso atenua
o pavor de quem vê a fome,
qualquer vergonha se some
pra ceder lugar ao instinto,
ainda mais, se o faminto
tem o nosso sobrenome.

Aquela insônia chorosa
na noite clara, de lua
expunha a verdade nua,
e, cobrava uma atitude;
se a fome chega amiúde,
e se aquerencia nas casas
a prudência abre asas,
e as reações ficam rudes.

Botei o cusco em alerta,
e uma adaga nos arreios.
Desejei o gado alheio
do plantel do ex-patrão,
mas, escutei a razão
e desisti do pensado;
seria um pai fracassado
mas, não seria um ladrão.

Escolhi então a caçada
de um “tatuzinho mulita”,
seria a ração bendita,
quiçá, pra toda a semana!

Mas, a sorte é mui tirana,
se um pobre já anda mal
pois, uma Patrulha Rural
rondava o brete em campana.
-“Teje preso seu larápio”!

Gritou-me um brigadiano.
Te acuso de fazer dano
e dar prejuízo ao ambiente!
Mas, o que sabe um vivente
dessas lorotas de livros?

Se, deixo o mulita vivo,
morre, então, a minha gente.

Nomearam-me sujeito ativo
do meu próprio desespero;
cercearam-me com esmero,
qualquer direito de defesa.

O juiz afirmou com certeza:
- O indivíduo é perigoso -
e que eu era um criminoso,
por lesar a natureza.

Mas, que natureza, parceiro,
que me fala o entojado?

Será que também sou culpado
da fome da minha família?
Eu nunca afrouxei a vigília
nas minhas obrigações de pai,
mas, a vida, às vezes trai
e tu cai numa armadilha.

Já ouvi falar pelo rádio,
que há mandantes “salafras”,
desonrando as bombachas,
pra viverem de falcatruas.

Se, o mal do mundo acentua
só porque matei um tatu
a natureza pra mim é tabu,
talvez, eu jamais a usufrua.

Descobri que os mais fortes,
se adonaram de quase tudo,
e cobram um preço graúdo
daqueles que estão famintos,
que há também os distintos
da fome tirando proveito,
e que, sempre tem um jeito
do galo explorar os pintos.

Se me rotularam bandido
só por saciar minha prole,
talvez, um dia eu esmole
um punhado de dignidade,
e implore pra sociedade
o parco sustento da família,
ou troque a vida de uma filha
pela minha falsa liberdade.

Quem será mais criminoso
neste cenário lastimável?

Serei eu: o peão miserável,
ou, o brilhante magistrado?
Quem se diz bem educado
e condena a miséria alheia,
tem as chaves da cadeia,
mas, se abraça ao pecado.

Será que o senhor sabido
socorreu a minha filha?

Será que leu a cartilha
do amor e da caridade?

Pois, um juiz de verdade
há de ser condescendente,
e não culpará um inocente
só por ter necessidade.

E aqui estou contando os dias,
tentando entender o meu crime.

Pois, mudou-se o regime
que Deus criou para o homem.

A natureza saciaria a fome
de quem precisasse alimento,
e, não haveria julgamento
praquele que mata e come.

Agora, entendo o meu erro:
porque me julgam perigoso:

O dinheiro é obra do “Tinhoso”,
e, O Senhor criou o sagrado!
Enquanto, os necessitados,
pagam por serem plebeus,
matam uma criatura de Deus,
os ricos roubam do diabo.



10 - O SENHOR DE TODOS OS TEMPOS
AUTOR: Luis Lopes de Souza
DECLAMADOR: Paulo Ricardo
AMADRINHADOR: Rodrigo Cavalheiro

DEUS... por regra da criação
fez o tempo em três etapas...
e os chamava de irmãos.
O mais velho era o PASSADO!
Cauteloso e experiente...
Conhecia com detalhes
primórdios remanescentes
do homem e a evolução...
- Os forjados pelos deuses
nos mitos da antiguidade...
- Os remotos precursores
descendentes de Adão...
Sabia de cada raça, cada cruza, cada crença,
milênios miscigenados
lascando e polindo a pedra
na história da geração...
O segundo era o PRESENTE!
Atualizado e atento...
Conhecia o contemporâneo
real em cada momento...
A hegemonia do homem
buscando a superação...
Muito longe de ser mito,
muito longe de ser lenda.
A “templa” do homem culto
robusto em seu universo,
moldado pela marreta
na bigorna do progresso...
O mais jovem era o FUTURO!
Sonhador e irreverente...
Uma preocupação constante
pra o passado e o presente...
Do homem sabia apenas
o que seria amanhã...
Projetos mirabolantes
com requintes de aparência,
um homem automatizado
na evolutiva tendência...
Mas eis que... no sul do mundo,
no extremo de um continente,
uma silhueta estranha
se perfilou no horizonte!
Tinha a coxilha por trono,
qual um rei petrificado
num pedestal de gigante...!
E um brado tremeluzente
retumbou no mundo inteiro
chamando a atenção do tempo
como pra dar um conselho...
O PASSADO mesmo em susto
consultou seu alfarrábios
com extrema inquietação!
Vagou pelos continentes,
por museus e monumentos
desde o princípio até então...
Mas não encontrou registro
nem sequer identidade,
de um homem tão imponente
nos idos da humanidade...
O PRESENTE preocupado
querendo saber quem era,
urgiu por laboratórios
revendo mil relatórios
nos quatro cantos da terra.
... impressionava na estampa
o tal homem diferente,
a impor seu atavismo
nos confins de um continente...!
O FUTURO por curioso
analisou bem de perto,
já pensando nos detalhes
de algum vindouro projeto...
Era um ser interessante
no seu vulto de titã,
talvez uma boa cópia
pra algum homem do amanhã...
Mas, quem seria o tal homem
que num brado de trovão
desafiava o próprio tempo
de lança firme na mão??!!
Foi então que DEUS o criador soberano,
que observava silente
as trapalhadas do tempo
enfim quebrou o silêncio...
- Vocês três, escutem bem:
Esse é um ser diferenciado
que só eu sei de onde vem...
É o padrão do homem puro!
Traz liberdade na alma
e morre pelo seu chão...!
Tem um presente seguro
porque busca no passado
o exemplo para o futuro...
Seu gene é purificado
embora humilde e sem luxo...
- senhor de todos os tempos -
que eu batizei de... GAÚCHO!!!


11 - O VELHO TESTAMENTEIRO
AUTOR: Carlos Omar Villela Gomes
DECLAMADOR: Gisela Lima Gai
AMADRINHADOR: Diogo Matos

O velho testamenteiro abriu quieto o envelope
Que exigia sua função...
Na sala escura a família, num luto dos bem sentidos,
Aguardava o conteúdo do envelope timbrado...
Os filhos miravam quietos o velho testamenteiro
Com nuvens no coração,
Pois sua perda era imensa e muito mais do que herança,
Queriam ver seu legado.

Os filhos tinham na alma inquietudes diferentes,
Mas firmes no mesmo chão...
Crioulos dessa querência traziam na sua essência
Lonjuras de céu e mar...
Se não me falha a memória, eram assim os Osórios,
Os filhos da Conceição...
A princípio diferentes, mas com a mesma vertente
Jorrando vida no olhar!

O mais velho era sisudo, olhos fundos, pouca fala,
Mas com lampejos de céu!
Da família era o guardião da história, da tradição
E do código moral;
O do meio era alegria, trabalhando noite e dia
Com a força de um tropel
Criando rumos maduros, com os seus passos seguros
Firmados no litoral!

Já o mais novo entendia que as esperanças nasciam
Bem ao alcance das mãos...
Que os sonhos eram pontes que uniam os horizontes
À saga de cada ser;
Mirava luz nos escuros, buscando sempre o futuro
Nas barras do amanhecer...
Se não me falha a memória, eram assim os Osórios,
Os filhos da Conceição!

O velho testamenteiro era amigo da família
Desde que ela se formou...
Já vinha de muito longe, tinha eras de experiência
E não sabia parar;
Desde o início dos tempos testemunhava as histórias
De todo e qualquer lugar...
Foi numa dessas cruzadas que Conceição, já cansada,
Por confiança lhe chamou.

Conceição enternecida, repassou toda sua vida
Quando o amigo chegou
E entregou em silêncio um envelope cinzento
Pra depois então falar:

“ Nasci aqui nesta terra, sonhando à beira do arroio
desde a primeira canção,
A natureza sorria quando no mais belo dia
o mundo clareou pra mim...
Chorei um choro bonito, como dizendo pra todos:
- Aqui chegou Conceição!
E meus passos pequeninos foram criando o destino
De uma história sem fim.”

“Fui crescendo pelo tempo, menina, moça, mulher...
E o mundo, meu bem- me- quer, me deu abrigo e calor;
Mas o meu sonho, parceiro, bem mais que um sonho qualquer
É um sonho que se renova na eternidade do amor!”

“Meu tempo agora passou...
Sou Conceição e me vou
Aos braços mansos de Deus;
Por isso, amigo Vento
Lhe entrego este testamento
Pra repassares aos meus.”

Lembrando aquele momento, o velho testamenteiro
Leu as palavras sagradas com todo alto e bom tom...
Na sala escura o silêncio de três filhos bem amados
Absorvendo a mensagem que a mãe querida deixou:

“ Para meu filho mais velho, deixo a história que tracei
E a saga que construí...
Minhas relíquias, valores, os mais antigos sabores
E a mão perene do tempo que me trouxe até aqui.”

“Para meu filho do meio deixo a coragem e o esteio
Que me fez crescer na vida...
Mais esse antigo baralho onde fartura e trabalho
São cartas bem sucedidas.”

“Para o meu filho mais novo fica a força deste povo
E a coragem de sonhar...
De transcender esses montes, beber das mais claras fontes
Que existem além do olhar.”

“Para os três, em resumo, deixo um pouco de perfume
E algumas velas febris,
Acesas neste oratório, pra honrar o nome Osório
E defender o país.
As lembranças do meu colo, as estórias que contei...
E os segredos de família que em noites de lua grande
Pra um a um revelei.”

“O mundo, meu companheiro, responsável verdadeiro
Por tudo aquilo que sou.
Minhas paixões, esperanças, e um arroio de águas mansas
Que sempre me acompanhou.”

“Tudo de bom que vivi,
As moradas que ergui,
Aqui entrego de vez;
Essa história não tem fim...
Pois tudo que vive em mim
Agora segue nos três!”

O vento, enfim, se calou...
E mesmo com a vivência de tantas e tantas eras,
De saber dos continentes, de multidões e taperas,
O velho testamenteiro nesse momento chorou.

Um pranto bom de saudade, pingando bênçãos no chão...
Regando de eternidade essa herança sagrada
De ir sempre mais adiante, com a alma enraizada...
Plantando arroios nos olhos dos filhos da Conceição!


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