1 - PAMPA DO AMOR
Autor: Roberto Mara
Intérprete:Jurema P. Chaves - Amadrinhador: Marcos Dias
Eu
amo o Pampa Gaúcho:
largo, heróico, sem buçal,
irmão da pampa oriental
e dos verdes transplatinos.
Amo os três pampas latinos,
onde nasceu a saudade
e a seiva da liberdade,
tropeando sonhos teatinos.
Amo as serras e as
coxilhas,
e o sulco pro pão da vida,
e a esperança escondida
em cada curva do vento
orelhano, vivo, atento,
amadrinhando recuerdo
que retorna a passo lerdo,
feito carícia e lamento.
Amo o silêncio
da noite,
pirilampeado de estrelas
brancas e azuis e amarelas,
brincando de esconde-esconde,
quando a nuvem se faz fronde
de fantasmas e paineiras,
imitando cordilheiras
que vêm sem dizer de onde.
Amo este pampa de potros
xucros, sem marca e sem dono;
os fogos de chão sem sono
e os tempos de marcação.
Amo a ternura do peão
e os causos de luas cheias,
de boi-tatás e “candeias”,
e as rodas de chimarrão.
Amo seus velhos retratos
de patriarcas e palhoças;
de gringos novos e moças
com sonhos d´outras instâncias
vindos pra estas distâncias
que navegam nas lagoas,
inventando-se em canoas
dum mar sem ondas nem ânsias.
Amo a voz do quero-quero,
cortando a noite assustada,
temendo “a tatá” endiabrada,
à procura do “Negrinho”;
amos seus trigos, seu linho,
Pampa-América-Latina,
Pampa uruguaia, argentina,
PAMPA DO AMOR, do carinho.
Porque trago na lembrança
os dias que não vivi,
amo esses tempos em ti,
PAMPA de todas as glórias,
e das fomes e as histórias
de bravuras e derrotas,
de “pés no chão” e de botas,
redivivas nas memórias.
Amo as porteiras abertas
que pariram as Bibianas,
as Anitas e as profanas
prostitutas dos valentes,
que deitavam, indecentes,
qual escravas de combate,
cevando luxúria e mate,
nos catres de outros ausentes.
Amo teu cheiro de pasto,
depois e antes da chuva
que igual aos vinhos da uva,
m´embriagam desde menina.
Amo teu seio de china
parideira, destemida,
que inda hoje é guarida
de semente concubina.
Por isso te amo, meu
PAMPA,
com teus pobres e teus ricos,
com teus pardais, tico-ticos,
tuas garças e caranchos;
teus bailecos e farranchos
e tuas juntas de bois,
carreteando frio e sóis,
pros horizontes sem ranchos.
Amo teus filhos que
cantam,
que choram a fome velha;
que criam vaca e ovelha
pra guaiaca do “doutor”;
qu´acreditam no Senhor
que permite as injustiças
que se acoitam nas cobiças
com chicote de feitor.
Nesta hora de incertezas,
de preces ocas, escravas,
lembro, sem nomes, as bravas,
que com as forças do Além,
foram mãe e pai também,
pras crias que o ventre-céu,
pariu guachitos, ao léu,
no PAMPA DO AMOR... Amém...
2
- MAIS UMA PRIMAVERA
Autor: Everton Michels
Intérprete: Jefferson Rosado - Amadrinhador: Juliano Moreno
Se findando a primavera,
O dia! se põe nublado,
Me quedei... abichornado
Ao som de uma milonga,
Na alma! inflama e ressonga
Pra aquietar a solidão,
O “perro” à volta no chão,
É um dos “companheiro”...
Mais o violão! que é o parceiro,
Pra acalmar o coração.
A brisa traz um perfume
Creio que de muito além,
Sei das ânsias que ela tem
Em espalhar todo teu cheiro,
Cruza! um vaga-lume em luzeiro,
Mais um brilho pro luar,
Que falta faz o olhar,
Dos olhos, mel de mirim,
A luz que quero pra mim,
É a dona... que quero pra amar.
Um mate... depois do
outro,
O tempo anda um tanto parado...
O sal crispa os olhos molhados,
Na força da tal saudade,
Quando a ausência nos invade
O jeito é amadrinhar o tempo,
Tornando a brisa... um vento!
Pro “dia” passar voando,
Sigo... entre os mates sonhando,
Com as horas do teu alento.
Perco meus olhos, na
estrada,
E o azul se fez escuro,
Saco a alma e te procuro
Nas sesmarias de campo,
Busco estancar meu pranto
Na imagem de um simples sorriso,
Meu eterno paraíso
Pintura em tez serena,
A silhueta da pequena...
É tudo o que preciso.
Debruço a guitarra
ao colo
Pra recordar de um carinho,
Campeio versos sozinho
Na madrugada que ronda,
Mais um bordão de milonga
Ganha vida numa copla,
Logo se agranda e se topa
A nostalgia da alma,
Só tua lembrança me acalma...
Quando a saudade... se “bóta”
O que fazer se o destino
Impõe distância e barreiras?
Levar a vida estradeira?
Ou desistir do amor?
Cabe o futuro ao “Senhor”
Que escuta todas as preces,
Mais quem desiste, não merece,
As alegrias da vida,
Que embora dura à partida,
O regressar sempre aquece.
Não sei o que
me espera
Além da estrada que alarga,
Se a mesma as “veis” embarga
As ânsias que vão no peito,
Por vezes... é o jeito
De amansar a saudade,
Fazendo inteira a metade,
Unindo mesmos destinos...
Nesse meu pago sulino,
O amor! é a razão da verdade.
Mais
uma primavera...
Nela! a paixão se agranda,
Olho o jardim da varanda,
Falta a rainha das flores,
A dona! dos meus amores,
Meu sentido de viver,
Estar... permanecer...
Sempre aquecendo a esperança,
Porque é na tua lembrança!
Que encontro, razões de ser.
3 - O MEDO, A CORAGEM E ALMA DO POEMA
Autor: Cristiano Ferreira
Intérprete: Mirelle de Faria Hugo - Amadrinhador: Juliano
Moreno
O medo...
seduz o bico da pena,
e ofusca a luz do poema
que... cala por não saber.
O medo flagela a fome,
assoma a dor que tem nome:
...Inveja terá de ser!
O medo...
é lança que não dança,
e na mão oprimida balança
quando é maior que o sofrer.
O medo é tolo e... carrega
a velha alcunha que nega:
é Covarde e não quer ver!
O medo...
é grito no abismo...
fundo – oco - do egoísmo,
onde surdo irá viver.
O medo é fruto da imagem
ainda oculta na visagem
de que é triste envelhecer!...
Então...
Seria o medo
a inquietar o coração?...
Talvez... inconsciente
a afugentar as palavras
pra não desnudar a alma
no espelho do papel?!...
Mas... quem sabe
o som de um grilo,
quebrando o vazio do silêncio,
de rédeas ao sentimento
que do peito se desprende
num ímpeto de coragem
pra refletir... nova imagem.
A coragem...
é sol que brilha no escuro,
está no canto mais puro...
no simples ato de amar.
A coragem é o gesto de ir em frente,
semear e estar presente...
no germinar, no florir... e no secar.
A coragem...
é o recanto da paz,
mostra do que o diálogo faz...
a quem lhe queira buscar.
A coragem é gota de orvalho,
que da folha se desprende...
para com o vento voar.
A coragem...
é o suor de quem trabalha,
a esperança da batalha...
de lutar pra prosperar.
A coragem é o instinto da gente,
que mais do que ser valente...
sabe o que quer conquistar!
- - - - - - - - - -
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Por fim...
neste mosaico de sons...
palavras e tons,
o vento abre a cancela
no parapeito da rima,
e a Lua pinta a obra-prima
que o véu da noite ainda oculta...
Sim!...
Num clima que só o amor faz,
- com acordes de um ponteio
da mais sublime guitarra -
o sol da Coragem brilha e...
seduz o Medo e a pena,
e o ciclo recomeça...
pra conceber um novo... POEMA!
4 - RÉQUIEM PRA OS DIAS DE ONTEM
Autor: Claudio Silveira
Intérprete: José Cláudio Pereira - Amadrinhador:
Claudio Silveira
O
horizonte de um cogotilho,
se moldava mansamente,
a preceito...(tempranito)...
Entre as folhas templadas da “Corneta” antiga,
amorenada e gasta das safras comparseras
de outras eras...
...Sob a mesma fronte
altiva,
donde meu avô já tosava,
fletes de lei, afamados parelheiros
e redomões espumando o bocal...
O mate,
já ficara recostado,
entre a ponta do pai-de-fogo
e a cambona retirada...
...Lavado de lembranças...
que sempre alongam
estas horas sagradas
de um matear solito...
...Puxei a montaria
ao portal do galpão antigo...
E com calma, “arrastei as garras”
e encilhei...
De já hoje...
remembrei
que aqui, nesta frente de galpão,
campeiros tantos repisaram rastros,
encilharam ventenas
(baguais mais veiacos
que já pisaram esta terra colorada)
Homens de honra e fio de bigode,
Vaqueanaços de pealos e de apartes...
Rudes semblantes resenhados
sob as sombras arcanas
das abas curtidas de seus sombreros...
...com sulcos do tempo lavrados na tez...
Mas pr’onde foram?!...
Além da linha do horizonte?...
...O silêncio,
que hoje habita este galpão,
é a voz que me responde:
...trastes emudecidos...
...garras ressequidas...
...ferros enferrujados...
Rebenques brabos, açoitando pelos vazios,
as penas e ausências que aqui ficaram...
...No chão não há mais
seus rastros sobre outros rastros...
Mas é como se meus olhos
enxergassem novamente...
campeiros dias que aqui passaram...
Perfis medievais, que terceavam embates
pelas arenas das mangueiras
e pelados de rodeio...
Que emolduravam-se pelos quadros das porteiras,
com florões de estampa...
...Não povoam mais do que
pálidos e arcaicos retratos,
prisioneiros das paredes...
condenados pelo esquecimento...
... Os cernes perenes
de cada esteio,
são mudas testemunhas a vigiar
almas que vagueiam pelo ermo em forma de pó,
a transcender as frinchas
de onde o sol espia com olhar ruano
de ascender o dia...
...As pedras grandes de assoalho,
ainda guardam marcas de cascos,
riscos de cornaços e máculas de sangue
d’alguma sutura barbaresca
feita por instintivas mãos campechanas...
Depois
que dependurei o laço aos tentos,
abri a cancela,
e da mesma forma em que alçavam perna
(da volta mais certa), montei e saí ao tranco...
...bem despacito...
Ouvindo um duo de espinhos garroneiros
e uma barbela que bailava
num atirar disposto de freio...
Mirando campos
– o cerrar do sobreano na novilhada -
entre as orelhas do meu “trono”
envolto em pelo tordilho
(toda confiança de cincha e pata)
...Lentamente...
Porque hoje, Senhores,
se possível não galopo,
que é pro tempo não passar tão de pressa...
Pois aprendi que somos “tropa”
nesta vida,
e o amanhã é quem chama, ponteando a marcha,
rumbeando ao “mais adiante”(sempre falha),
com ilusões por sinuêlo...
Depois da reculuta de recuerdos,
segui silente, remoendo aço
da mais bruta das certezas que me enfrena:
de não poder voltear os meus próprios dias...
...Mas resta uma pergunta que não
cala:
- Pra onde foram?...
Talvez
andem
pelos brilhos chispiantes
das rosetas estreleras
ao poncho negro da noite...
ou... quem sabe,
pelos meus mates solitos, ainda vivos,
guardados em mim mesmo...
5 - QUILOMBO DO MORRO ALTO
Autor: Carlos Omar Villela Gomes
Intérprete: Liliana Cardoso - Amadrinhador: Geraldo Trindade
Não me digam que sou negra de alma branca,
Pois minha alma tem a cor que eu mesma ostento!
Negra minha pele, sim senhores,
Negra minha alma, com orgulho!
Me
pergunto com ponta de amargura:
Por que sou menos por ter pele escura?
A
terra avó ainda soa
Na voz de um velho africano,
Lembrando histórias do Congo,
Que segue vivo além-mar.
Tambores, tantos tambores,
Insistem em retumbar...
Fui
morrendo nesta terra sem viver,
Trago o peso dos grilhões e preconceitos...
Escravidão ardendo no meu peito
E o coração finando seu querer.
Mas veio das lonjuras do meu ser
Uma paixão que me tomou de assalto
E junto aos meus, aqui no Morro Alto,
Depois de morta pude renascer.
O
vento ruge aqui perto,
Tão forte quanto o meu peito
Ruge ao clamar liberdade...
O futuro é um céu aberto
Pra que as asas do respeito
Possam bater de verdade.
Sou
gente deste quilombo
Sou um dos que ainda vivem
Das sobras da escravidão;
As marcas das chibatas sangram
Na pele negra do meu coração.
Meu
ventre incha aos poucos, hesitante...
A vida vem mostrar o seu poder;
Mas nem a escravidão nem as correntes
Alcançam esta vida a florescer.
Meu filho nascerá neste quilombo...
O sol dourando o morro lembra o Congo
E faz o meu olhar ganhar lonjuras;
Ao mesmo tempo vem no coração
A minha eterna interrogação:
Por que sou menos por ter pele escura?
Ou
talvez quem me julga se condena
Com pele branca e alma tão pequena
Pois seus olhos não conseguem enxergar,
Que pudemos ser escravos alguns dia
Mas com ou sem terras e cartas de alforria,
Nós somos livres, muito além deste lugar!
Eu
sonho através das eras,
Pra mais de um século já...
Um futuro de igualdade
Muito mais que liberdade...
Futuro de identidade...
Esse futuro virá?
Mesmo
depois de meu filho...
Mesmo depois de meu neto
Virá um tempo onde meu povo
Não precise compaixão?
Seguindo de fronte erguida,
Sem golpes da sociedade...
Andando com as próprias pernas,
Criando com as próprias mãos?
Será
que a dor do quilombo,
De tantos talhos e tombos,
Encontrará redenção?
Será que a sina do negro
Encontrará algum sossego
Num tempo sem privação?
A indagação
ressoa em minhas agruras:
Por que sou menos por ter pele escura?
Essa pergunta nunca
vai calar?
O preconceito nunca vai calar?
Eu
sonho através das eras,
Pra mais de um século já...
Peles negras, almas negras,
No ventre deste quilombo
Lavrando sua própria terra,
Colhendo sua própria paz...
Um futuro de igualdade
Muito mais que liberdade;
Futuro de identidade...
Esse futuro virá?
6 - PAR DE BOTAS
Autora: Vaine Darde
Intérprete: Valdemar Camargo - Amadrinhador: Henrique Scholz
Procurando
minha história
Andei rastreando memórias
Por onde a história passou
E, dentro de um baú.
Encontrei, em couro cru,
As botas do meu avô.
Era só um par
de botas
Que campereou pelas grotas
Além do sul dos confins.
Tanto esporeou redomão
Que adormeceu num galpão
Qual se esperasse por mim...
Um par de botas, somente,
Que se fez sobrevivente
Das domas e das tropeadas.
E, apesar dos contratempos,
Cruzou por léguas de tempo.
Como se abrisse uma estrada.
Assim, de estribo em
estribo,
Gauderiou de tribo em tribo
Por ocasos e auroras.
Mas quando perdeu o dono.
Mais triste do que o abandono,
Ficou órfãos das esporas.
Quem sabe se meu avô,
Pelas sangas que passou
Com estas botas chirruas,
Tenha deixado no campo,
No meio dos pirilampos,
Um claro rastro de lua.
Sabe lá em que
bailanta.
Nos braços de uma percanta
Ao bailar um vanerão,
Co´as velhas botas surradas,
Sob uma quincha furada.
Pisou estrelas no chão.
No mesmo chão
que pisava
Pelas carpetas de tava,
Num verdadeiro escarcéu,
Caramba, quanto alvoroço
Quando no jogo do osso
Clavava sorte a lo léu.
Este velho par de botas,
Nessas rondas pelas grotas,
Deixou os astros com ciúmes...
Estribado, campo afora,
Com a lua nas esporas
Namorando os vaga-lumes.
Quem persegui as pegadas
Nas mais remotas jornadas
Do seu trajeto glorioso,
Por certo encontrou no pasto,
Do par de botas, o rastro
No rastro do Boi Barroso.
Andou quebrando geada
Nas mais frias madrugadas
Costeando rio e perau.
E, pela moura encantada.
Um dia, deixou pegadas
Lá no Cerro do Jarau.
Às vezes, nalgum
domingo
Deixou o trote do pingo
Pra gauderiar de chalana,
E atravessou a fronteira
Pra chibear uma trigueira
De linhagem castelhana
Em muitas noites de
lua,
Na antiga pampa chirua,
Na volta de algum rodeio;
O par de botas, no chão,
Foi pernoitar no galpão
Bem ao lado dos arreios.
Nos retoços
de bailanta
Andou roçando as percantas
Numa rancheira gasguita,
Para depois ganhar pouso
Junto ao jardim cheiroso
De algum vestido de chita.
Vejam só que
o destino,
Apesar dos desatinos,
Sempre tem uma resposta...
Eu só fui buscar lembranças
E recebo, por herança,
Este velho par de botas.
Foi
sorte ou coincidência,
Um regalo da querência
Ou um capricho qualquer.
O par de botas campeiro,
Do qual eu me fiz herdeiro,
Deu certito no meu pé!
7 - COBERTA D´ALMA
Autor: Pedro Júnior da Fontoura
Intérprete: Andréa Weber - Amadrinhador: Clênio
Bibiano da Rosa
A
morte pinta de negro
Este encontro com a dor.
Uma lágrima, um soluço,
Na muda ausência do amor.
Meu litoral tá
de luto
- Ondas tristonhas no mar -
Há silêncios nas areias
E um manto escuro no ar.
Mãos cerradas
sobre o peito
E um rosário entre os dedos.
Luz de velas revelando
Angustias quase em segredo.
Sinal da cruz, muita
fé,
É só uma transposição.
Quem bota flores no túmulo
Solta a voz numa oração.
Mesmo sabendo que é
assim
O final de cada vida,
É dificil compreender
Os mistérios da partida.
Fica um buraco no peito,
fica uma ausência perdida,
Imenso vazio na alma
no aceno da despedida.
Fica uma guitarra muda,
A cuia longe da mão,
Um sentimento quebrado
E a fé em cada oração.
Fica um desejo de paz
Num outro mundo de luz,
No lume da vela acesa
Na cabeceira da cruz.
Fica um coração
partido
quando a morte leva alguém,
um poema inacabado,
uma cruz... e mais ninguém.
Na missa ao sétimo
dia
Eu visto a coberta d´alma,
Me sinto mais da família,
Minha ansiedade se acalma.
É uma sensação estranha
Um arrepio pelo corpo.
É mais do que um compromisso
Vestir a roupa do morto.
Eu fico por quem se
foi,
Sou madrinha espiritual,
“Coberta D´Alma” gaúcha
Folclore e santo ritual.
Tempo de ternos de
reis,
Renasce meu litoral.
O mar está limpo e calmo
Na comunhão fraternal.
Eu
visto a Coberta D´Alma
Sou madrinha espiritual.
8 - O SONETO PELOS QUATRO ELEMENTOS
Autor: Rodrigo Bauer
Intérprete: Pedro Júnior da Fontoura
Amadrinhador: Clênio Bibiano da Rosa
I
Eu
sinto no soneto algo de etéreo,
um sopro de magia em movimento...
É o ar que se transmuda e faz-se vento
varrendo meridianos e hemisférios!
O ar que me sustenta,
à revelia
da lei da gravidade carcereira,
me empresta um par de asas passageiras,
que abro pra voar na poesia!
Eu sinto o ar na pele,
quando venta
e então, misto de brisa e de tormenta,
eu fujo sem vontade de voltar...
E, envolto na distância
e no mistério,
eu sinto no soneto algo de etéreo...
Eu sinto que o soneto está no ár!
II
Com as mãos
escavo a terra
e dela brota a essência do soneto, que dormia,
com ela a solidão da poesia,
perdida numa terra tão remota!
Replanto os seus pendões
de encantamento,
regando com o olhar emocionado
um sonho que restava soterrado
num solo de aridez e esquecimento!
Enfim, frente aos meus
olhos incontidos,
rebrotam as palavras e o sentido
que une, que combina e que se encerra...
E,
pleno de esperança e de fartura,
olhando o horizonte na lonjura,
eu vejo que o soneto está na terra!
III
A vida é um
velho rio em piracema,
o olhar é uma vertente que não cansa
e irriga este soneto de lembranças
na lágrima que cai sobre o poema!
Poema que deságua
no oceano,
sacia a minha sede, enquanto moço;
e, velho, faz exilio dentre o poço
que guarda solidões e desenganos...
Chovendo nos quartetos
e tercetos,
hidrata a tessitura do soneto,
lavando as cicatrizes dessas mágoas...
Assim, solidifico e
evaporo
e, insípido, incolor e inodoro,
afirmo que o soneto está na água!
IV
Ateio a chama velha
da saudade,
macia e elegante como a seda
que, em pouco, já se torna labareda
e aclara o que carece de verdade!
Acende o meu soneto
que era escuro,
encontra a rima certa, o termo exato
e aquece todo o frio do meu recato
pra ter um verso quente, um verso puro!
Do fogo vão
surgindo o sol, a lava;
e tudo que, horas antes, tiritava
faz parte dessa sina e desse jogo...
E,
súbito de chamas e alegrias,
acendo para sempre a luz do dia
e grito que o soneto está no fogo!
9 - COSTEANDO O MUNDO
Autor: Carlos Omar Villela Gomes
Intérprete: Andréia Sá Brito - Amadrinhador:
Geraldo Trindade
Não
se debruçam meus sonhos
Em parapeitos rachados...
Nem nas janelas gradeadas
Que teimam em se fechar
Não soluçam os meus medos
Em segredos mal contados
Ou em sombras embaladas
Feito bandeiras no ar!
Vidrilhos não
são espelhos
Nem espíritos quebrados...
Pegadas não são retratos
De passos sem pretensão.
Estradas não são divisas
Separando os alambrados
E o amor não é somente
Um vício do coração.
Tem uma cepa, alguns
dizem,
Que já não existe mais...
Que já sumiram as tropas...
Que as carretas são silêncio
Em forma de monumentos
Nos centros de tradição.
Talvez por não terem olhos
Pra quem não julgam iguais.
Talvez por não terem calma
Pra olharem seu próprio chão.
Quem diz que não
há mais tropas?
Há tropas sim, meu senhor...
Poe esses fundos de estrada
Há sempre alguma boiada
E alguém fazendo fiador.
Alguém trazendo na boca
O tempo num Êra Boi...
Meus Deus, que barbaridade...
Por que semeiam saudades
Daquilo que não se foi?
Quem diz que não
há carretas?
Em algum canto e recanto
Há sempre um eixo rangendo,
Um carreteiro esmerado...
Há sempre um boi picaneado
Em nome de uma pressa
Que quem cutuca não tem.
Por
que se teima em negar
O que persiste vivendo?
Por
certo costeando o mundo
Ninguém consegue enxergar
O que ele tem de melhor.
Não se enxerga
a valentia
Que habilita o peito do moço...
Não se encontra a luz que a moça
Irradia em seu andar...
Não se nota o potro bueno
Se esbaldando num retoço...
Não se vê o barco nas águas
Nem a pandorga no ar.
Porque falar de pandorgas
num tempo
de “gigabites”
E de amizades virtuais?
Porque falar de valores, de poesias
e de amores?
Será que os jardins se vestem
de flores artificiais?
Será que este
novo século
Secou nossos mananciais?
Acho que não,
meu senhor...
O novo tempo está aí!
Com virtudes e defeitos
Plantados dentro de si.
Um tempo feito outros tempos,
Um tempo de construção
Onde se cria o futuro
Com o passado nas mãos.
Há beleza no
que foi...
Há beleza no que é
E naquilo que será.
Não se teme a evolução,
Se aproveita o seu melhor...
Pra aprender não negamos
O que sabemos decor.
Nem pra manter as raízes
Devemos costear o mundo
Em vez de nele seguir.
A raíz diz de onde viemos
Mas no presente entendemos
Pra onde devemos ir.
Não
me sinto dividido
Nem um vulto do passado
Sou gaúcho do presente,
De um mundo globalizado
Onde antenas parabólicas
E celular modernos
Contraponteiam ligeiros
Com o tranco da carreta
E o compasso das tropas
Que seguem no corredor.
Quem diz que não
há mais alma
Então não sabe o que diz...
Não enxerga os horizontes
Nem consegue ser feliz.
As almas, fortes, persistem,
Insistem no mesmo tom...
Oferecendo ao seu tempo
Aquilo que tem de bom.
Bem assim é
o nosso mundo,
Bem assim faz nossa gente...
Une passado e futuro
Sob o elo do presente.
Insiste
em criar o novo
Honrando o mundo que herdou...
Entende bem o seu tempo,
Se forja a cada segundo,
Pois vive costeando o mundo
Quem nele não se encontrou!
10 - RESPONSO PARA MEU PAI... “Resumo verídico”
Autor: Luis Lopes de Souza
Intérprete: Valter Vieira Ribeiro - Amadrinhador: Sergio
Müller
Do
luzeiro incandescente
sobeja só uma réstia...
Esse corpo diminuto
já foi cerno humanizado
com imponência no porte...
Mas hoje mal verga o catre
num silente fenecer...
Resta uma alma sem pressa
com aura de santidade,
que abana asas de adeus
no rumo da eternidade...
Foi gurizito de campo...
Foi mocito marca touro...
Proliferou sua casta
com vasta polivalência,
fez tudo o que a vida cobra
de um terrunho da querência...
Demarcou sucias e sonhos
nos aceiros das queimadas...
Abriu clareiras de anseios
em trincheiras de coivaras...
Semeou eitos de suor
nas razões das empreitadas...
... viu farturas iludidas
germinando em cada grão,
em searas limitadas
em meio palmo de chão...
Perfilou taipas de
pedras
em piquetes e quintais...
domou, carretiou, tropeou,
castrou touros e baguais,
socou léguas de palanques
com capricho redobrado
sem lamentar não ser dono
de nem um vão do alambrado...
Salgou a voz malograda
no silêncio das amargas...
das colheitas muitas vezes
restaram ralos restolhos
sem valia na balança...
das tropeadas muitas vezes
restaram magros borregos
refugos de alguma estância,
mas que surtiam a mesa
e engordavam a esperança...
Hoje, quando o mal
irreversível
se faz algoz insensível
desse velhito tão boeno,
é que indago os mistérios
da transcendência terrena...
- A morte tem hora certa?
- A alma só desencarna
quando Deus da o sinal?
- A morte é uma reticência
ou é um ponto final...??
Eu bem sei “Patrão
Divino”
que, “é feita a vossa vontade
assim na terra como no céu...”
Mas, a contristada aparência
e essa constante dolência
desprovida de lamentos,
me dão forças embora dúbias,
pra pedir pelo descanso
do meu velho, quase um santo...
Ficará eternizado
pelo que foi e o que fez...
Pela calma inconfundível
até pra um severo pito...
Pela sábia austeridade
ao definir o correto...
Por demonstrar em seus atos
que pra ter honra e caráter
não é preciso ter cobre,
são virtudes necessárias
nas evidencias de um pobre...
Guardarei cada detalhe,
de suas mãos calejadas mas de afetos...
de seus braços cansados mas de abraços...
de seu olhar vago mas com pureza
e de seu sorriso escasso mas sem magoas.
... a vida foi sem fortuna mas sem tristeza...
Verdade...
Do luzeiro incandescente
sobeja só uma réstia...
Sim...
“Onipotente...”
Por piedade ao meu velhito
suplico seu perecer
pois, se a morte e uma reticência
há uma sagrada seqüência
de morrer... pra renascer...
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