HOMENAGEADO


JAYME CAETANO BRAUN – Poeta e Pajador

“Não me vendo e nem me alugo”


Ao buscar uma rima para refugo, verdugo e enxugo, Jayme Caetano Braun, autodefiniu-se. Gaúcho missioneiro de uma coerência intocável, tem o caráter do homem do campo, cerne puro, quebra e não lasca, rebenta-se pelo meio, mas jamais se curva.
Não é homem de blandícias, arregalos ou conchavos. Missioneiro de uma palavra só – tudo o que disse está dito, quer seja oral ou escrito – não faz remendos e nem volta atrás.
Quando nasceu, a 30 de janeiro de 1924, a Estância da Timbaúva fazia parte do chão da Bossoroca, território de São Luiz Gonzaga, um dos 7 Povos das Missões que vivia economicamente quase que da exclusividade das lides pastoris, era chão campeiro por excelência e as primeiras visões do mundo, Jayme recolheu no lombo do cavalo, no trono dos “zarreios” onde foi rei desde piá e do qual jamais desapeou-se pelo resto da vida.
Intelectualmente Jayme é um poeta montado a cavalo. Foi assim a vida inteira e por isso sofreu com mais intensidade do que qualquer outro poeta gaúcho a dor de ver o campo invadido pelas lavouras e nossos mais legítimos costumes abastardados de geração em geração. A sua obra é reflexo dessa dor desmedida que não há bálsamo que alivie:
“aquele mulato sério era o Rio Grande gaudério fugido da evolução”.
Quem não lê com a merecida atenção, vai julga-la obra de exaltação onde só o passado tem valor e o presente é o verdadeiro universo do mito em que foi transformado o gaúcho que ele conheceu como parceiro de lida, seu irmão, também nascido “num rancho de chão batido sobre o couro de um bagual”.
Desde “Galpão de Estância” , publicado em 1954, que Jayme vaticinava o fim do gaúcho da legenda e da tradição. Sabia jé desde os mais tenros versos de sua mocidade que a marcha do tempo era inexorável e tudo faz para guardar nas trincheiras de seus combates a imagem real e verdadeira do gaúcho, do homem do campo que também foi, e com quem conviveu num mano a mano de misérias e façanhas, de grandezes e tragédias que buscou retratar com a genialidade de suas poesias.
Jayme redesenha um Rio Grande que não é, mas que deixou de ser lutando e batendo em retirada, combate a combate, sem jamais se entregar ou admitir uma rendiçãoa. Um Rio Grande que lutou e perdeu, mas que jamais se entregou, jamais levantou bandeira branca para se arreglar com as tropas inimigas da evolução...
Essa poesia que representa a dignidade do índio Sepé no episódio do “beija-mão”, quando as tropas luso-espanholas faziam a demarcação e ele foi chamado para parlamentar. A encenação foi preparada, os representantes das cortes queriam vê-los de joelhos, prostrado, como a pedir clemência e neles vendo o poder que deveria submeter-se. A reação de Sepé foi digna de um chefe.:
“Só me ajoelho perante Deus!”
A poesia de Jayme é de pura reação às forças que o querem submeter e, com ele o Rio Grande inteiro que ele representa.
Mas Jayme Caetano Braun não se vende nem se aluga. E também não se ajoelha senão perante a Deus. Sua obra funciona como instrumento de compreensão da vida social do homem sul rio-grandensse que viveu e/ou ainda vive no campo.
Ninguém poderá negar o conteúdo poético de “Contos Gauchescos e Lendas do Sul” de João Simões Lopes Neto, o bárbaro rapsodo de Pelotas que eternizou nas letras o mais perfeito perfil do gaúcho e suas lendas,costumes e tradições. Através de uma linguagem que reconstrói o cotidiano da vida do homem do campo e fixa em derradeiro seus usos e costumes que na estância, na paz das lidas com o gado, que no desenho das cores violentas de cenas de combate, de rodeios, carreiras e tropeadas. João Simões Lopes Neto, aindaoutro escritor rio-grandense que sequer o tinha igualado. As páginas que traçou são imortais, perenizam o gaúcho de uma época e são as melhores para entender a vida social da gente rio-grandense campeira gaúcha.
A poesia de Jayme detona processo similar na literatura regional do Rio Grande do Sul. É inimitável. Somente Jayme conseguiu realiza-la dentro de padrões tão autênticos e legítimos. A linguagem de que sempre se valeu é entendida com perfeição pelo analfabeto dos galpões do pago e também, pela força das mesmas nuanças, metáforas e alegorias, pelos intelectuais agauchados dos contos cosmopolitas. É campeira por excelência sem tornar dialetal. Tem clareza das cenas exatas, aquele encontro do campo com céu, onde as silhuetas se definem e assumem a figuração complexa das imagens adornadas por detalhes que fazem parte mas não se adonam da percepção visual. Recortam-se nítidas contra o céu. Por vezes a impressão de que fazem parte dele, mas a gente percebe que são do campo. E tanto são do campo que podemos repetir com o Deputado Ruy Ramos que prefaciou “Galpão de Estância”
O verso é tão simples e tão clarão que pode ser entendido por qualquer “piá” de fazenda, mesmo que seja redomão dos primeiros galopes do “beabá”...
Por essa simplicidade e clareza é que a poesia de Jayme serve de instrumento da sociologia quando se busca entender e compreender a vida social do campo. Ela é um retrato fiel das comunidades rurais e dá ao homem a dimensão de um ser que está sendo excluído do universo, mas reage com dignidade e se agarra aos costumes e hábitos da vida simples que sempre teve, como um domador se gruda nos arreios para não cair.
Aparentemente é um simples episódio que ela representa: Jayme jogava num campo de várzea com seus colegas e de repente um deles gritou-lhe: - Solta a bola! E disse um apelido...A reação de Jayme, categórica, definitiva, foi aproximar-se e brandindo o dedo na cara do colega, gritava-lhe provocativamente: - Eu tenho nome guri!
Mais de meio século depois, nós afirmamos que desde o esplendor de sua mocidade Jayme Caetano Braun teve nome, prestígio e fama, graças ao talento e a genial capacidade para a poesia campeira.
O Mestre José Aloísio Braun foi professor do filho. Se para os demais alunos foi exemple de rigidez disciplinar e dedicação didática-pedagógica, para Jayme os rigores e exigências foram redobrados. Iniciou o curso ginasial em Cruz Alta e foi termina-lo em Passo Fundo. Estudou, ainda, em Porto Alegre, onde cursou o científico no Colégio Júlio de Castilhos. Ari Martins, no seu livro “Escritores do Rio Grande do Sul”, registra que Jayme realizou o curso de Jornalismo da PUC, tendo sido diplomado em 1954, e acrescente:
“Funcionário público Estadual, dirigiu a Biblioteca Pública Estadual de 1959 a 1963. Antes fora radialista na sua cidade natal. Funcionário do IPASE. Porto Alegre, aposentado em 1969., Membro da Estância da Poesia Crioula, da qual foi co-fundador. Poeta Regionalista. Tem usado o pseudônimo de Piraju, Martin Fierro e Andarengo”.
Jayme Caetano Braun publicou seus primeiros versos no Jornal “A Notícia”, de São Luiz Gonzaga, a partir de 1943, então com 17 anos. É, também, nessa época que participa das atividades campeiras ao viver, praticamente dentro da Estância de amigos e ali participar lado a lado com a peonada de todas as lidas pastoris. O “Galpão de Estância” – que lhe serviu de título ao programa de rádio que dirigiu em São Luiz Gonzaga, ao primeiro livro que publicou em 1954 e também como designação de CTG na sua terra – foi muitomais escola onde tudo aprendeu. Ali cursou primário, graduação, e pós-graduação e conquistou o título de PHD nas lidas e artes campeiras. Não há nada de campo que não conhece e domine. Mozart Pereira acrescente:
“Não há assunto – pó mais estranho e difícil que possa parecer, que Jayme não transformesse em estrofes perfeitas no linguajar dos gaúchos. É homem de cultura universal que, por gosto e capricho, trabalha na inspiração gauchescamente”.
Beatraiz de Castro completa:
“É um iluminado”.
A cronologia dos fatos nem sempre será seguida pelo autor deste perfil.
Logo após 1948 vamos encontrar Jayme, todas as manhãs de domingo, no programa Galpão de Estância na Rádio de São Luiz Gonzaga. Os munícipes vizinhos calejavam os dedos à procura da sintonia nos velhos, antigos aparelhos... A emoção dominical era ouvir aquele moço de alma gaúcha. Muitos não concebiam um domingo sem Jayme – era sua missa campeira. Ali comungava com suas origens.
Em 1957 o poeta participou da fundação Estância da Poesia Crioula . exercendo-lhe a presidência no biênio 1960/1961. Foram muitíssimo importantes ao prestígio dessa entidade as reuniões que realizou no salão Mourisco da Biblioteca Pública do Estado, que dirigiu de 1959 a 1963. Ali foram realizadas todas as solenidades de lançamento de livros de escritores e poetas que a Estância da Poesia Crioula participou. O Salão Mourisco foi palco de reunião memoráveis. A vida cultural do Rio Grande do Sul foi animada com intensidade e proficiência por Jayme que deixou nos registros de sua administração a restauração do Salão Mourisco, do Salão Egípcio e a criação de referência daquela instituição.
O maior e melhor poeta campeiro do Rio Grande do Sul do Brasil foi, também, um dos fundadores do Conselho Coordenador do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), seu presidente em 1959.
Em Caxias do Sul, em 1958, quando da realização naquela cidade do 2ª Rodeio dos Poetas Crioulos – Confresso da Estância da Poesia Crioula – o momento em que se confrontaram os dois maiores pajadores do continente sul-americano, Sandalio Santos(pseudônimo de Nicacio Garcia Berisso) e Jayme Caetano Braun. Percebendo a genialidade daquela “cascata humana” de inspiração permanente, Sandálio, com a didática dos grandes mestres, transmitiu-lhe ensinamentos sobre a décima campeira, mormente a estruturação estrófica e os segredos da disposição das rimas para chegar aos dez versos com facilidade e perfeição. E contou com a humildade do Poeta Jayme Caetano Braun que não só foi seu aluno atento e sábio como, adonando-se da técnica e daquelas mistérios que praticava quase que instintivamente, tornou-se hábil payador conseguindo, em breves momentos, igualar-se ao mestre Sandálio Santos. Antes de findar o 2º Rodeio dos Poetas Crioulo ambos – uma estrofe para cada poeta – cantando em desafio(ou contraponto) exaltaram Caxias do Sul e seu povo trabalhador e hospitaleiro.
E acrescenta José Hilário Retamozo:
“Conhecendo como conheço (e conheci) inúmeros cantores de improviso, trovadores (de Sul a Norte do Brasil) e também Pajadores Uruguaios e Argentinos, não êxito em dizer que os maiores e melhores, geniais e apocalípticos que existiram até hoje foram Sandalio Santos, já falecido, e Jayme Caetano Braun, ainda vivo e cantando.

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